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O Mundo Agora

Portuguese, Political, 1 season, 85 episodes, 6 hours, 51 minutes
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Crônica de política internacional de Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris
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Análise: situação econômica da Alemanha, locomotiva da região, representa uma ameaça para a Europa?

Será a Alemanha uma ameaça para o restante da Europa? Calma: não estou falando de uma guerra, embora graças ao conflito na Ucrânia muitos países do continente, inclusive a Alemanha, estejam aumentando seus orçamentos militares. Estou falando de um outro campo de batalha: a economia. Flavio Aguiar, analista político, de Berlim para a RFINa semana passada uma parte de uma das principais pontes da cidade de Dresden, na província da Saxônia, quebrou-se durante a madrugada e desabou no rio Elba. Equipes de engenharia passaram o fim de semana trabalhando febrilmente para remover os destroços, pois teme-se uma inundação com a cheia do rio, graças a intensas chuvas e neve precoce em sua cabeceira e sobre alguns de seus afluentes.Ouvi no rádio o comentário de um economista dizendo que esta era uma metáfora perfeita para a economia alemã. Esta vem desabando e a queda vem provocando um efeito cascata no continente, devido ao fato de que muitos outros países dependem das importações da e exportações para a Alemanha, cuja economia ainda é a mais forte da Europa.Depois de um longo período de prosperidade no começo do século XXI, os problemas da economia alemã começaram com a pandemia da COVID-19, que afetou seriamente o comércio, os serviços e os transportes. De início pequenos e médios estabelecimentos fecharam suas portas e, em seguida, a crise chegou às grandes lojas de departamentos. Para complicar mais a situação, uma parte dos consumidores acostumou-se a fazer compras pela internet. Os efeitos mais dramáticos da pandemia passaram, mas o hábito de comprar à distância não.Guerra na Ucrânia agravou a situaçãoAté hoje grandes lojas estão fechando filiais pelo país afora. A situação se agravou com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A Alemanha aderiu ao fornecimento de armas, ao apoio financeiro ao governo de Kiev e às sanções econômicas contra a Rússia. Os gasodutos Nord Stream 1 e 2, este último em construção, que traziam o gás russo para a Alemanha foram sabotados em setembro de 2022, num episódio até hoje não esclarecido. Em consequência de todo este processo, o fornecimento do gás russo foi interrompido bruscamente, atingindo seriamente a indústria alemã, que começou a encolher.Insumos agrícolas que vinham da Ucrânia também foram prejudicados pela guerra. O custo da energia subiu vertiginosamente, o dos alimentos também. A economia alemã se retraiu e o país se encontra agora à beira do abismo de uma recessão prolongada.Segundo Franciska Palma, analista da londrina Capital Economics, a queda na economia alemã começou em 2018 e se agravou a partir de 2020 e depois de 2022, e não há sinais de pronta recuperação. Em 2023, a economia do país caiu em 0,3%. A previsão para 2024 é de crescimento zero. Apesar dos esforços do governo, a situação não deve melhorar em 2025.Para responder à crise, Berlim deseja promover a biotecnologia, as tecnologias verdes, a Inteligência Artificial e as indústrias da defesa, isto é, militares. Mas está amarrado pelo princípio de que a dívida pública, ou déficit orçamentário, não pode ultrapassar os 0,35% do Produto Interno Bruto (PIB).Houve uma queda de braço interna à coalizão do governo, formada pelo SPD socialdemocrata, os Verdes e o liberal FDP (de Freie Demokratische Partei). Os Verdes e o SPD queriam aumentar o percentual da dívida pública em relação ao PIB, mas o FDP fechou questão e ganhou a parada: só permaneceria no governo se os 0,35% fossem mantidos.DesindustrializaçãoO resultado de tudo é que a Alemanha entrou num processo acelerado de desindustrialização, arrastando consigo o continente todo. De julho de 2023 a julho de 2024 a produção industrial alemã caiu em 5,45%, índice superado apenas pela queda do setor na Hungria ( -6,4%) e na Estônia ( -5,8%). O recuo global foi de 2,2% na Zona do Euro e de 1,7% na União Europeia.Um sinal agudo da crise apareceu na Volkswagen, empresa culturalmente ligada à identidade alemã. Acossada também pela queda nas importações chinesas e pela concorrência deste país dentro da Europa, pela primeira vez em seus quase 90 anos de existência a empresa anunciou a disposição de fechar unidades de produção para equilibrar as contas. A montadora também anunciou a decisão de romper um acordo trabalhista de 30 anos com o sindicato dos trabalhadores, que protege salários e empregos. Como o sindicato tem uma forte representação no Conselho Diretor da empresa, a batalha promete ser dura. Como também a luta pela recuperação e pelo equilíbrio na economia alemã e europeia promete ser tenaz e longa.
9/16/20245 minutes, 57 seconds
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O que está em jogo no aguardado debate entre Donald Trump e Kamala Harris

No que promete ser um dos confrontos mais intensos e inesperados da política americana, Donald Trump e Kamala Harris vão finalmente se enfrentar. Com o cenário montado no National Constitution Center, na Filadélfia, a expectativa é alta, não só pelo histórico dos dois candidatos, mas também pelas circunstâncias inusitadas que colocaram Harris na disputa. E se depender do eleitorado, o entusiasmo não poderia ser maior. Thiago de Aragão, analista políticoHá menos de dois meses para as eleições, Harris conseguiu algo que parecia impossível: reverter a vantagem confortável de Trump nas pesquisas após a saída de Joe Biden da corrida presidencial. O atual chefe da Casa Branca, que viu sua campanha desmoronar depois de uma performance desastrosa no debate anterior, passou o bastão para sua vice, mudando completamente o rumo da disputa. Em menos de dois meses, ela foi capaz de transformar um cenário sombrio em uma eleição acirrada.Mas o que está em jogo no próximo debate? E será que Harris, com sua trajetória de promotora, vai conseguir confrontar o ex-presidente no palco?A primeira grande polêmica envolve a ausência de microfones abertos. Harris, cuja habilidade de argumentação afiou nos tribunais, claramente favorece debates com interações mais diretas, e sua campanha já expressou insatisfação com o formato escolhido. Em uma carta enviada à ABC, o time de Harris deixou claro que o formato sem microfones abertos colocaria a vice-presidente em desvantagem, evitando que Trump seja confrontado diretamente.Por outro lado, o time de Trump se mostrou confiante, aceitando as regras impostas pela ABC sem grandes questionamentos. Seria essa a tática de Trump para se esquivar das investidas mais contundentes de Harris? Ele, afinal, tem um histórico de usar interrupções e ataques diretos como estratégia, e a ausência de microfones abertos pode limitar esse estilo combativo.Embora Harris tenha conseguido recuperar pontos nas pesquisas, muitos de seus aliados ainda a consideram a “zebra” neste debate. E com razão. Afinal, Trump tem mais experiência em debates gerais – essa será sua sétima vez em um palco presidencial. Sua equipe, no entanto, parece ter adotado uma abordagem mais tranquila em relação à preparação. O ex-presidente decidiu não utilizar um “sparring” para simular o estilo de Harris, preferindo o seu infame “policy time,” em que ele discute políticas de forma informal com assessores.Já o lado de Harris não deixou nada ao acaso. Sua equipe de preparadores inclui veteranos do Partido Democrata, como Rohini Kosoglu e Karen Dunn. Além disso, ela teve a vantagem de contar com conselhos de peso, como os do próprio Biden e de Hillary Clinton, os únicos dois democratas a enfrentarem Trump diretamente. A pergunta que fica no ar é: será que toda essa preparação vai fazer frente ao estilo imprevisível de Trump?Temas em discussão e desafiosUma das maiores cartas de Trump é sua capacidade de capitalizar em temas econômicos e de imigração, áreas nas quais ele, historicamente, teve vantagem sobre Biden. O desafio de Harris será distanciar-se das falhas da administração Biden e convencer o eleitorado de que ela representa uma alternativa melhor. A boa notícia para a vice-presidente é que suas medidas centristas, como sua promessa de combater os gigantes dos supermercados, têm encontrado ressonância entre eleitores preocupados com a alta dos preços.Mas, ao mesmo tempo, Trump não se cansa de tentar associar Harris às políticas impopulares de Biden, como a retirada caótica das tropas americanas do Afeganistão. Sua tática será tentar fazer com que Harris “carregue” os erros da administração anterior, mesmo que Biden fosse o presidente na época.No entanto, Harris não vai deixar essa narrativa se solidificar facilmente. Ela já atacou Trump por transformar o que deveria ser um tributo aos soldados americanos mortos no Afeganistão em um “espetáculo político,” depois que o ex-presidente gravou vídeos de campanha em um cemitério militar. Essa troca de farpas será provavelmente intensificada no debate.Outro ponto sensível será a forma como Trump abordará Harris no palco. Seus assessores já demonstraram preocupação de que o estilo agressivo de Trump pode soar mal quando confrontado com uma mulher. Em 2020, Harris mostrou que sabe se defender em situações como essa. Quem não se lembra de seu famoso “Senhor Vice-Presidente, eu estou falando” durante o debate com Mike Pence?Trump, no entanto, parece alheio a essa preocupação. Ele já começou a tecer comentários racistas e sexistas sobre Harris, o que pode acabar alienando ainda mais eleitoras – uma demografia com a qual Trump já tem dificuldades. Com 58% de avaliação negativa em uma pesquisa recente da ABC/Ipsos, a questão é se Trump está jogando para sua base ou tentando realmente conquistar eleitores indecisos.Seja qual for o resultado, o debate entre Trump e Harris será um dos mais comentados da história recente dos Estados Unidos. De um lado, um ex-presidente que tenta, a todo custo, manter sua narrativa de “outsider” enquanto ataca sem filtros. Do outro, uma vice-presidente com um histórico de enfrentamentos afiados, pronta para mostrar que pode não só desafiar Trump, mas também se estabelecer como uma figura independente dentro do Partido Democrata.O palco está montado, as estratégias estão em ação. Agora resta ver quem vai conseguir dominar o centro do palco e, com ele, o coração dos eleitores americanos.
9/9/20244 minutes, 21 seconds
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Análise: políticas de refugiados na Alemanha revigoram o fantasma da xenofobia e da discriminação

O governo alemão decidiu endurecer sua política em relação a refugiados considerados em situação ilegal no país. Na semana passada, já houve a deportação de um primeiro grupo para seu país de origem, o Afeganistão. Flávio Aguiar, analista políticoA decisão aconteceu na sequência de um atentado a facadas na cidade de Solingen, perto de Colônia e Bonn, a antiga capital da Alemanha Ocidental. O atentado deixou um saldo trágico de três mortos e vários feridos, alguns com gravidade. A polícia deteve um suspeito, um cidadão sírio que havia pedido asilo no país, mas foi negado. O acusado desapareceu, só reaparecendo no trágico incidente em Solingen.Ele foi admitido na Bulgária e de lá passou para a Alemanha. O governo alemão aprovou sua deportação para a Bulgária, que concordou com a decisão, mas ela acabou não acontecendo devido ao desaparecimento do acusado.A organização Estado Islâmico divulgou um vídeo em que reivindicava a autoria de atentado como uma “vingança” pelo que estava acontecendo com os palestinos na Faixa de Gaza.Seguiu-se um tumulto político, em que o líder do principal partido de oposição, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã, acusou de negligência o governo do chanceler Olaf Scholz, do Partido Social Democrata (SPD, na sigla em alemão), e propôs uma ação conjunta para solucionar o problema.Surpreendentemente o chanceler aceitou a proposta, o que levantou receios de que sua coalizão de governo, formada também pelo Partido Verde e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão), rachasse. Isto não aconteceu, pois os líderes deste partido apoiaram a decisão de Scholz.Na Alemanha, há mais de 50 mil ordens de deportação contra refugiados que tiveram seus pedidos de asilo negados. Entretanto, destas, até o momento, somente pouco mais de 20 mil foram efetivadas. A esmagadora maioria delas atinge originários de nações africanas ou do Oriente Médio, muitos dos quais entraram na União Europeia através de outros países, dirigindo-se depois para a Alemanha.Scholz comprometeu-se a restringir essa possibilidade de acesso, além de agilizar as deportações já aprovadas e o julgamento dos casos pendentes.Avanço da oposição tradicional e da extrema direitaO debate e as medidas restritivas ocorrem num momento em que acontecem eleições regionais em estados do antigo Leste alemão, a Turíngia e a Saxônia, e o governo federal se vê acossado pelo crescimento nas intenções de voto da oposição tradicional - a União Democrata Cristã - e da extrema direita, no partido Alternative für Deutschland (AfD), Alternativa para a Alemanha. Este último radicalmente voltado contra imigrantes e refugiados, vem ditando a pauta sobre esta questão no país, assim como acontece em outras nações do continente.Para complicar o cenário, a economia alemã vem se retraindo nos últimos tempos, num processo de desindustrialização, apesar dos esforços por parte do governo de revitalizar a indústria bélica alemã.Neste quadro, à beira do abismo de uma recessão prolongada, a busca de bodes expiatórios prospera. Os candidatos que costumam ser os alvos são os emigrados provenientes do chamado Terceiro Mundo, em particular os muçulmanos, sobre os quais sempre paira a suspeita, na maioria das vezes indevida, de adesão a grupos terroristas.Organizações de defesa dos direitos humanos, como a Caritas, vêm manifestando preocupação de que esta circunstância possa desandar num quadro de discriminação generalizada.Estes últimos episódios na Alemanha se dão em um contexto continental de crescimento das discriminações contra estrangeiros não europeus. Como aconteceu recentemente no Reino Unido, onde um ataque fatal contra crianças, também a facadas, deflagrou uma série de vandalismos contra mesquitas e centros de acolhimento de imigrantes, insuflados por mensagens mentirosas, de extrema direita, sobre a identidade do assaltante, divulgadas na internet.Durante os dez anos e meio do governo da chanceler Angela Merkel, da União Democrata Cristã, a Alemanha destacou-se por uma política generosa de acolhimento de imigrantes e refugiados de todas as partes do mundo. Agora esta abertura vem se fechando gradativamente, em parte por pressões de seu próprio partido, que, em disputa com o Alternative für Deutschland, arrisca voltar-se, também como a coalizão governamental, para políticas que revigoram o fantasma da xenofobia e da discriminação.
9/2/20244 minutes, 20 seconds
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Extrema direita usa cada vez mais inteligência artificial para disseminar fake news

As fake news, que se espalharam rapidamente nas redes sociais, estão na origem da onda de violência anti-imigração que sacudiu o Reino Unido no início do mês de agosto. Os protestos aconteceram após o assassinato de três meninas a facadas, no noroeste da Inglaterra. Flávio Aguiar, analista políticoNo último dia 29 de julho, por volta do meio-dia, na cidade de Southport, no noroeste da Inglaterra, um jovem de 17 anos irrompeu numa festa infantil numa escola de dança e ioga, organizada por uma de suas professoras. Armado de faca, o jovem provocou a morte de três crianças, de 6, 7 e 9 anos, feriu outras oito e mais dois adultos que tentaram protegê-las, inclusive a professora que organizara o evento.A polícia e ambulâncias acorreram em minutos. Preso em flagrante, o jovem foi identificado como Axel Rudakubana, de 17 anos, cidadão britânico, filhos de pais vindos de Ruanda, na África. Como se tratava de um menor de idade, por motivos legais a polícia não divulgou imediatamente sua identidade.Na sequência, as especulações mentirosas começaram a circular nas redes sociais.Em 24 horas, proliferaram 27 milhões de acessos a uma mensagem que identificava o suspeito como muçulmano (o que não era verdade) e dava-lhe um falso nome. Outras mensagens o identificavam como um refugiado ilegal, que chegara à Inglaterra de barco, em busca de asilo.“Influencers” e um site identificado como Channel3Now (que depois se desculparia) disseminaram rapidamente tais mensagens. Um destes “influencers” bradava que “a alma do homem ocidental se dilacera quando invasores matam suas filhas”.Uma outra mensagem - gerada por Inteligência Artificial - punha em cena na plataforma X (antigo Twitter), a imagem de alguns homens que vestiam trajes supostamente muçulmanos, armados de facas, perseguindo uma criança, tendo o Parlamento Britânico ao fundo, com os dizeres “precisamos proteger nossas crianças”.Protestos violentos anti-imigrantesDe imediato, em Southport, uma multidão passou a atacar uma mesquita, entrando em confronto com a polícia. Segundo fontes policiais, o protesto foi insuflado por pessoas que não moravam na cidade. Ataques contra mesquitas e centros de acolhimento de refugiados e imigrantes se espalharam por diversas cidades da Inglaterra, inclusive as populosas Londres e Manchester.O caso chamou a atenção de pesquisadores sobre a relação entre grupos extremistas, sobretudo de extrema direita, e o uso da Inteligência Artificial.Pesquisadores do Middle East Media Research, dos Estados Unidos, chamaram a atenção para seu relatório que mapeia dezenas de casos semelhantes. O relatório mostra que tais grupos, valendo-se de ferramentas da Inteligência Artificial, gravam as vozes e as imagens de artistas, políticos e outras pessoas famosas. Depois disseminam mensagens falsas como se fossem deles, afirmando a supremacia branca e atacando negros, muçulmanos e judeus.Segundo o pesquisador do grupo NETLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, grupos extremistas de direita disseminam mensagens com instruções que chegam até a ilustrar a fabricação de armas e explosivos, sempre com o uso de ferramentas da Inteligência Artificial. Na América Latina os alvos preferenciais de tais mensagens têm sido o México, a Colômbia, o Equador e a Argentina.Os pesquisadores do tema chamam a atenção para o fato de que este uso da Inteligência Artificial também se dissemina entre organizações terroristas como o Estado Islâmico e a Al Qaïda.Na Inglaterra, os ataques arrefeceram depois que grandes manifestações antirracistas tomaram as ruas de dezenas de cidades britânicas. Pesquisas mostraram que 85% da população rejeitava a violência. Entretanto, 42% dos entrevistados reconheciam a legitimidade de manifestações com aquelas motivações, desde que fossem pacíficas.
8/19/20244 minutes, 19 seconds
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Análise: festival da ignorância nos Jogos Olímpicos

Na sequência da abertura dos Jogos Olímpicos em Paris tivemos a oportunidade de assistir um verdadeiro festival de fanatismo, de intolerância confusa e também de ignorância difusa. Um dos quadros apresentados no desfile inaugural provocou uma enxurrada furiosa de críticas, alegando que ele ofendia sentimentos cristãos ao parodiar o quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci. Flávio Aguiar, analista políticoAs críticas vieram de várias fontes, de vários ângulos, e pelo menos de dois continentes: Europa e América, todas preocupadas em proteger a fé religiosa contra a suposta impiedade sacrílega dos organizadores e atores do festim olímpico.Protagonizaram as falas bispos e arcebispos conservadores da Igreja Católica, políticos da extrema direita francesa, italiana e também da brasileira e até o candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, numa entrevista à Fox News.Um detalhe curioso: na entrevista, Trump não menciona o quadro olímpico. Quem o faz é a jornalista que formula as perguntas. Ele se limita a comentar: “um desastre”, “uma desgraça”, etc. Este detalhe sugere que a jornalista está ansiosa por induzir o comentário, o que, de certo modo, já desqualifica a entrevistadora, a entrevista e a opinião do entrevistado.Os críticos sugeriam que, ao parodiar o famoso quadro, o desfile insultava o evento bíblico que ele representa, a narrativa da última ceia de Jesus Cristo com os apóstolos, logo antes da crucificação. No entanto, os críticos demonstraram que não souberam “ler” nem a pintura de Da Vinci, nem o quadro cênico do desfile.Há diferenças substantivas entre eles. Para começo de conversa, no quadro de Da Vinci há treze figurantes, incluindo o Cristo. No quadro olímpico há um número bem maior de personagens, pelo menos 17 somente no primeiro plano. Neste, se no centro da mesa há um personagem com uma espécie de halo prateado em torno da sua cabeça, quem preside de fato a cena, no primeiríssimo plano, é uma representação de deus do vinho - o Dionísio grego ou o Baco dos romanos - cujo corpo está coberto por uma cor azul, coisa completamente estranha ao quadro de Da Vinci.Neste quadro quem preside a cena é o próprio Cristo, cujo corpo, de braços abertos e caídos, representa um triângulo - imagem alegórica da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo.Também deve-se levar em conta que Da Vinci focaliza um momento específico da Última Ceia, aquele em que Jesus anuncia que um dos apóstolos o trairá. É, portanto, um momento extraordinariamente dramático do evento.Nada disto transparece na representação parisiense. Ela não representa uma ceia, mas um banquete prazeroso e alegre. Não há traição nela. Pelo contrário, há festa e congraçamento.Há um único elemento comum entre ambas as manifestações artísticas: o vinho. Mas em Da Vinci, na sequência do momento focalizado, ele representará o sangue do próprio Cristo. No desfile, ele não é consagrado nem santificado, mas é apresentado pelo deus Dionísio como um símbolo do prazer inebriante.Em resumo, se há uma referência artística por trás do desfile, não se trata da Última Ceia, do quadro “O Festim dos Deuses”, do pintor holandês Jan van Bijlert, do século XVII, hoje no Museu Magnin, em Dijon, na França. Ele representa o banquete do casamento da ninfa ou nereida Tétis com o rei Peleus, pais do guerreiro Aquiles, do poema “A Ilíada”, de Homero. O banquete é presidido pelo deus Apolo, ou Hélios, com um halo luminoso ao redor da cabeça, e tem, no primeiro plano, o deus Dionísio, ou Baco, além de um sátiro dançarino.Convenhamos: este quadro tem mais a ver com a tradição da antiguidade grega, fundadora dos jogos olímpicos clássicos que inspiraram os modernos, do que o quadro de Da Vinci. Porém, o fanatismo religioso dos críticos da extrema direita fundamenta também sua ignorância preconceituosa, comprovando que eles nada entendem de história da arte, nem de jogos olímpicos, muito menos de tradição bíblica.Por último, mas não menos importante, deve-se ressaltar que a fúria dos críticos foi alimentada pelo fato dos atores da representação, na abertura dos jogos, serem personalidades da cena LGBTQIA+ francesa, o que acrescenta ao seu bolo indigesto o fermento do preconceito homofóbico e sexista.
8/6/20244 minutes, 52 seconds
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Análise: os possíveis caminhos de Kamala Harris para uma eventual vitória presidencial nos EUA

Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, agora é a candidata preferida do Partido Democrata para as eleições presidenciais de 2024. Com Joe Biden fora da corrida, surgem várias questões sobre como Harris pode conquistar a vitória e quem poderia ser seu parceiro ideal como vice. Vamos explorar os caminhos possíveis para sua vitória e os nomes que podem fortalecer sua chapa Thiago de Aragão, analista políticoA vitória de Harris vai depender, como sempre, do desempenho nos "estados-pêndulo" ["swing states", em inglês]. Em 2020, Joe Biden garantiu a Casa Branca vencendo em seis desses estados mais disputados: Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Nevada, Arizona e Geórgia. A exceção foi a Carolina do Norte, que ficou com Trump.Harris tem um desafio específico no Rust Belt (Michigan, Wisconsin e Pensilvânia), onde Biden se deu bem entre os eleitores brancos da classe trabalhadora. Harris pode ter dificuldades com esse grupo, mas tem um trunfo com os eleitores não-brancos, o que abre possibilidades em estados com grandes populações negras (Geórgia e Carolina do Norte) e hispânicas (Arizona e Nevada).Cenários para a VitóriaPerdendo os Três Estados do Rust Belt Se Harris perder Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, ela precisa vencer nos quatro estados do Sun Belt (Geórgia, Carolina do Norte, Nevada e Arizona) para alcançar 275 votos no Colégio Eleitoral. Isso exige um aumento significativo no apoio dos eleitores negros e hispânicos.Vitória em Michigan, Perda em Wisconsin e Pensilvânia Com os 15 votos eleitorais de Michigan, Harris teria duas opções: vencer tanto na Geórgia quanto na Carolina do Norte, ou uma combinação de Geórgia, Nevada e Arizona.Vitória em Michigan e Pensilvânia, Perda em WisconsinNesse cenário, Harris ficaria com 260 votos eleitorais e precisaria vencer em um dos estados do Sun Belt (Geórgia, Carolina do Norte ou Arizona) para garantir a vitória.A escolha do vice-presidente é essencial para complementar a chapa e atrair eleitores dos estados-chave. Vários nomes estão sendo considerados, incluindo governadores de estados swing e figuras moderadas que podem ampliar o apelo de Harris.Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, é um dos favoritos. A Pensilvânia é um estado crucial, e Shapiro tem uma sólida reputação como moderado pragmático, o que poderia garantir os 19 votos eleitorais do estado, frequentemente decisivos em eleições presidenciais.Outro nome em destaque é Tim Walz, governador de Minnesota. Conhecido por suas políticas progressistas e por atrair eleitores jovens, Walz tem um histórico de sucesso em questões como a legalização da maconha recreativa, controle de armas e direitos LGBTQ+. Sua presença na chapa poderia energizar a base progressista do Partido Democrata e fortalecer o apoio no Centro-Oeste.JB Pritzker, governador de Illinois, também é uma opção viável. Como uma estrela em ascensão dentro do Partido Democrata, Pritzker traz um histórico de sucesso econômico e políticas progressistas que podem atrair uma ampla gama de eleitores.Seu trabalho em fortalecer a economia de Illinois e em políticas de saúde pública pode servir como um poderoso contraponto aos ataques republicanos e ajudar a mobilizar eleitores em estados-chave.Pete Buttigieg, atual secretário de Transporte e ex-prefeito de South Bend, Indiana, tem uma experiência significativa em campanhas presidenciais e é visto como um nome capaz de atrair eleitores moderados e jovens. Buttigieg se destacou nas primárias de 2020, demonstrando uma capacidade notável de comunicação e engajamento com diversos grupos demográficos. Sua inclusão na chapa poderia ajudar a ampliar o apelo de Harris entre eleitores indecisos e reforçar a imagem de renovação e diversidade do Partido Democrata.Finalmente, o senador Mark Kelly do Arizona é outro nome que está sendo considerado para a vice-presidência. Como ex-astronauta e veterano militar, Kelly traz uma narrativa de serviço público e sacrifício que ressoa fortemente com muitos eleitores. Sua eleição para o Senado em um estado tradicionalmente republicano como o Arizona demonstra sua capacidade de conquistar apoio bipartidário. A presença de Kelly na chapa poderia solidificar o apoio no Arizona e em outros estados do Sun Belt, regiões onde Harris precisa performar bem para garantir a vitória.Desde que se tornou a candidata presumível, Harris tem mostrado desempenho superior ao de Biden em estados-chave. Pesquisas recentes indicam que Harris está reduzindo a vantagem de Trump, especialmente em estados do Sun Belt como Geórgia e Arizona. Em comparação com Biden, Harris está conseguindo reconquistar eleitores jovens e minorias, segmentos em que Biden vinha enfrentando dificuldades.A decisão de Biden de sair da corrida parece ter sido bem recebida pela maioria dos eleitores, aumentando o entusiasmo e a coesão dentro do Partido Democrata. A campanha de Harris arrecadou US$ 200 milhões na primeira semana após o anúncio de Biden, com um influxo significativo de novos doadores e voluntários.Kamala Harris enfrenta um caminho desafiador, mas não impossível, para a vitória presidencial. Com múltiplos caminhos para alcançar os 270 votos no Colégio Eleitoral, sua estratégia dependerá de equilibrar a manutenção do apoio nos estados do Rust Belt e expandir seu apelo nos estados do Sun Belt. A escolha de um vice-presidente adequado será crucial para complementar suas forças e cobrir suas fraquezas.As pesquisas iniciais são promissoras e mostram que Harris tem potencial para se sair melhor do que Biden, especialmente entre eleitores não-brancos e jovens. A campanha está apenas começando, mas os sinais iniciais são de uma disputa acirrada e competitiva.
7/29/20244 minutes, 33 seconds
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Existe um “Centrão” na Europa, mas diferente do brasileiro

Existe um “Centrão” na Europa? Existe, embora com um sentido diferente do brasileiro. No nosso país a palavra designa um grupo enorme de parlamentares no Congresso Nacional que, entra governo, sai governo, fisiologicamente negociam apoios, favores, verbas e orçamentos em proveito próprio. Mas na Europa a situação é diferente.  Flávio Aguiar, analista político, de BerlinO que existe na Europa é um agrupamento de partidos e blocos designados na mídia como centro-direita, centro e centro-esquerda, que, de eleição em eleição, domina o cenário político em diferentes combinações e coalizões.Fazem parte do “Centrão Europeu” partidos considerados conservadores, como o Renaissance de Emmanuel Macron na França ou a União Democrata Cristã na Alemanha, liberais, como o FDP (de Freie Demokratische Partei) na Alemanha, os partidos social-democratas ou até alguns socialistas. Eles governam de acordo com uma cartilha liberal na economia, cultuam uma austeridade fiscal ao lado de programas sociais mais ou menos moderados, manifestam preocupações ambientais, ao lado de um protecionismo agrário em alguns casos, guardam uma fidelidade à OTAN e, mais recentemente, manifestam uma vigorosa hostilidade à Rússia, apoiando vigorosamente o governo de Kiev na guerra contra Moscou.Este bloco central da política europeia sofreu alguns abalos, sobretudo na França e na Alemanha. Do lado francês, o partido do presidente Emmanuel Macron amargou uma derrota contundente para a extrema-direita de Marine Le Pen na eleição para o Parlamento Europeu em junho passado, coisa que fez o chefe do executivo dissolver a Assembleia Nacional, convocando novas eleições. Neste pleito, seu partido demonstrou uma certa recuperação, mas ficou em segundo lugar diante da Nova Frente Popular dos partidos de esquerda, que desta vez atraíram o Partido Socialista. Do lado alemão sucedeu algo semelhante, com o Partido Social Democrata do chanceler Olaf Scholz sendo superado pelo Alternative für Deutschland (AfD), de extrema-direita, embora o partido mais votado, na realidade, tenha sido a tradicional e conservadora União Democrata Cristã. Grande parte da mídia apontou o crescimento da extrema-direita como o fato mais marcante daquelas eleições.Ao mesmo tempo o costume da rotatividade na presidência no Conselho Europeu, órgão que reúne os chefes de estado da União Europeia, fez que ela coubesse agora ao chefe do governo húngaro Viktor Orbán, de extrema-direita. O primeiro-ministro provocou alguns abalos sísmicos na União, fazendo visitas inesperadas a Vladimir Putin (embora precedida por uma ida a Kiev), à China e a Donald Trump nos Estados Unidos. Aquelas balizas consensuais dos blocos dominantes no continente pareciam correr o risco de desmoronar.Mas a reação do que chamamos metaforicamente de “Centrão europeu” não tardou, capitaneada por partidos da direita ou centro-direita convencional. Na semana passada ela propiciou duas vitórias importantes para este grande bloco que, apesar dos pesares, continua hegemônico na União Europeia.A primeira vitória veio com a eleição de Yaël Braun-Pivet para a presidência da Assembleia Nacional francesa. Do mesmo partido do presidente Emmanuel Macron, com 220 votos ela derrotou o comunista André Chassaigne, da Nova Frente Popular, e Sébastien Chenu, do Reunião Nacional de Marine Le Pen, que tiveram, respectivamente, 207 e 141 votos. O partido de Macron conseguiu fazer uma aliança com os conservadores do partido Os Republicanos, preocupados estes em impedir a ascensão das esquerdas ao governo.A segunda vitória veio com a reeleição, no Parlamento Europeu, de Ursula von der Leyen, da União Democrata Cristã alemã, para a presidência da Comissão Europeia, órgão executivo da União. Inicialmente a política alemã ensaiou uma aproximação com a primeira-ministra italiana, Georgia Meloni, de um dos blocos de extrema-direita no Parlamento Europeu. A iniciativa pegou mal. O chanceler alemão, Olaf Scholz, ameaçou retirar seu apoio a ela, caso a aproximação com Meloni prosseguisse. Ursula von der Leyen recuou, e passou a procurar os outros blocos, considerados “democráticos”, incluindo os Verdes, ao lado dos socialistas e social-democratas e os liberais.Ela conseguiu um apoio maciço, se reelegendo com 401 votos favoráveis, bem mais do que os 383 votos que obteve quando de sua primeira eleição, em 2019. Desta vez houve 284 votos contrários a ela, além de 22 votos nulos ou em branco. Mas ela garantiu, portanto, mais cinco anos como presidenta da Comissão Europeia.Entretanto deve-se assinalar que o cenário político da União Europeia está passando por rearranjos significativos. Viktor Orbán está rearticulando a extrema-direita no Parlamento Europeu, demonstrando a pretensão de se tornar uma liderança europeia e mundial.Na França, depois da derrota na disputa pela presidência da Assembleia Nacional, o bloco de esquerda, a Nova Frente Popular, reagiu e na eleição subsequente, para a Mesa Diretora, conseguiu 12 dos 21 postos em disputa. Ou seja, tanto von der Leyen quanto Emmanuel Macron terão de agir com muita cautela e habilidade para continuar seus mandatos com sucesso.
7/22/20245 minutes, 53 seconds
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Análise: atentado contra Trump é alerta sobre polarização política para todas as nações democráticas

O recente atentado contra Donald Trump nos Estados Unidos não é apenas um choque para a política americana, mas um alerta global sobre a fragilidade das instituições democráticas. Este incidente, que resultou em uma morte e ferimentos no próprio Trump, ecoa momentos sombrios da história política mundial e nos força a refletir sobre os desafios enfrentados pelas democracias modernas. Thiago de Aragão, analista políticoEm primeiro lugar, as falhas de segurança que permitiram este ataque são alarmantes. Como é possível que, em 2024, com toda a tecnologia e recursos disponíveis, um atirador consiga se posicionar para atacar um ex-presidente durante um comício público? Esta falha não é apenas um problema para os EUA, mas um lembrete para todas as nações sobre a importância de proteger líderes políticos e o processo democrático.Mais preocupante ainda é o que este atentado revela sobre o clima político atual, não apenas nos Estados Unidos, mas em muitas democracias ao redor do mundo. A polarização extrema, alimentada por anos de retórica inflamatória e desconfiança mútua, tem criado ambientes férteis para a violência política em diversos países. É um fenômeno global que exige atenção e ação coordenada.O ataque a Trump também levanta questões importantes sobre o controle de armas e segurança pública. Enquanto cada país tem suas próprias leis e culturas em relação às armas, incidentes como este destacam a necessidade de um debate sobre como equilibrar liberdades individuais e segurança coletiva.Para os apoiadores de Trump, este atentado provavelmente servirá como um ponto de união, reforçando narrativas de perseguição política. No entanto, é crucial que observadores internacionais resistam à tentação de interpretar este incidente através de lentes partidárias. A violência política é uma ameaça para todas as sociedades democráticas, independentemente de ideologias. Essa tentativa de assassinar Trump mostra, acima de tudo, que a polarização política, seja nos Estados Unidos, França ou Brasil, representa uma vitória da estupidez humana, onde indivíduos enxergam políticos como santos ou demônios, entes sagrados, membros de suas famílias, enquanto o rival é um inimigo. O chamado por unidade e calma após o atentado é louvável, mas palavras sozinhas não são suficientes. O mundo precisa de ações concretas para reduzir tensões políticas, melhorar a segurança de líderes e candidatos, e abordar as raízes da violência política nas sociedades modernas.À medida que os Estados Unidos se aproximam de suas eleições, este atentado serve como um alerta para todas as nações democráticas. A violência política não é um problema isolado de um único país, mas um desafio global que requer uma resposta coordenada.O ataque a Trump é um momento definidor não apenas para a América, mas para todas as democracias. É hora de líderes e cidadãos de todas as nações se unirem em defesa dos valores democráticos e contra a ameaça da violência política. As próprias narrativas eleitorais nos EUA em 2024 representam conteúdos pobres e superficiais, sejam de Trump, Biden ou qualquer um. Este incidente nos lembra que a democracia é um sistema frágil que requer constante vigilância e cuidado. Ele nos convida a refletir sobre como podemos fortalecer nossas instituições democráticas, promover o diálogo construtivo e combater a polarização extrema em nossas próprias sociedades.
7/15/20244 minutes, 33 seconds
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França: esquerdas se uniram e venceram

Toda mídia comentava que a França faria um “zig” à direita no segundo turno das eleições legislativas. Eis que no domingo ela fez um “zag” à esquerda, para surpresa geral. Flávio Aguiar, analista político Isto quer dizer que a estratégia do presidente Macron, dissolvendo o parlamento nacional depois da derrota na eleição para o parlamento europeu, deu certo?Sim e não. Sim: sua coligação saiu de uma derrota humilhante no primeiro turno para um honroso segundo lugar no turno decisivo. Não: se ele não está às voltas com o projetado governo da extrema direita, ele está agora às voltas com um projetado governo da coligação de esquerda.Como nenhuma coligação obteve maioria absoluta, não se pode dizer que haja um vencedor insofismável na eleição, embora a coligação de esquerda tenha sido a mais votada. Mas fica claro que há um perdedor: o Reunião Nacional (Rassemblement National) de Marine Le Pen e Jordan Bardella, que, de vitorioso no primeiro turno, se viu reduzido a um humilhante terceiro lugar no segundo.Por outro lado, se não conseguiram a maioria absoluta, as esquerdas francesas desenvolveram uma tática claramente bem sucedida. Em primeiro lugar, por se unirem entre si, superando as tradicionais divergências. Em segundo lugar por desenvolverem, sempre que possível, uma frente comum com candidatos e eleitores da centro-direita de Macron, para barrar o caminho da extrema direita. Segundo comentários na mídia francesa, em 134 distritos eleitorais candidatos de esquerda abriram mão da sua candidatura em favor de um candidato da centro-direita melhor colocado, enquanto em outros 82 aconteceu o contrário, com o candidato macronista desistindo, em favor de um candidato de esquerda.O que está por vir?O que acontecerá a seguir? Ainda é cedo para se ter um quadro definido. O presidente Macron declarou que “respeitará o resultado da eleição”. A lógica desta declaração diz que ele deverá chamar a liderança do bloco de esquerda para formar o governo. Como isto vai repercutir em seu próprio partido, o Renaissance (Renascimento), que se mostrava dividido a este respeito?Do outro lado do espectro político, o que fará a direita tradicional, do partido Les Republicains (Os Republicanos), que deve permanecer com algo entre 60 e 65 deputados dos 577 no parlamento? Vão se unir ao Rassemblement para formar um bloco de oposição? Tentarão puxar uma ala de macronistas para seu lado?Muita água ainda vai correr por debaixo destas pontes antes de termos respostas concretas.Uma coisa é certa. O resultado da eleição francesa derrotou o preconceito contra estrangeiros, imigrantes ou refugiados. Logo antes do segundo turno, reportagens na mídia europeia davam conta da importância de temas constantemente veiculados nos meios de comunicação, ligando imigração e violência, para consolidar o apoio às propostas xenófobas do Reunião Nacional, sobretudo nas pequenas cidades do meio rural.Esta vitória do respeito às diferenças é muito significativa na Europa de hoje, aliada à promessa do governo trabalhista recentemente eleito no Reino Unido de suspender a deportação de imigrantes considerados irregulares para Ruanda, na África.A xenofobia, ou seja, o preconceito contra os estrangeiros, é uma ameaça que paira sobre a Europa inteira, dando força aos partidos de extrema direita.
7/8/20243 minutes, 48 seconds
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Brasil continua comprando agrotóxicos produzidos na Europa mas de uso proibido no bloco europeu

Reportagem recente publicada pela agência de notícias Deutsche Welle (Matheus Gouvea de Andrade, “Exportação de agrotóxicos banidos na U. E. segue em alta”, 19/06/2024) denuncia que vários pesticidas proibidos na União Europeia continuam a ser produzidos em países-membros para serem exportados para o Sul Global. E o Brasil está entre os maiores consumidores desses produtos perigosos. Flávio Aguiar, analista políticoEm 2020 a Comissão Europeia, órgão executivo da União, comprometeu-se a promover o banimento dessa produção. Entretanto, especialistas e ONGs que atuam sobre o tema apontam que aparentemente este compromisso foi “esquecido”. E a produção e a exportação continuam volumosas e lucrativas.Estudo publicado em abril deste ano (“EU Pesticides Ban. What could be the consequences?” - “O banimento dos pesticidas da União Europeia. Quais seriam as consequências?”) revela que 36% dos pesticidas importados da União Europeia pelo Brasil são proibidos na Europa. No caso do México e do Peru este percentual chega a 50%.No nosso país a campeã deste tipo de importação e uso nocivos é a soja, produzida pelo agronegócio de norte a sul e de leste a oeste no país.Um dos produtos produzidos na U.E. e importados pelo Brasil é a atrazina que, além de usada na soja, é utilizada também na produção de milho. Uma concentração excessiva deste produto pode prejudicar as glândulas e órgãos do sistema endócrino, que produz hormônios para o organismo, afetando a capacidade reprodutiva, podendo causar alguns tipos de câncer. Além disto, a atrazina pode contaminar a água e afetar por meio desta a vida dos insetos, como as abelhas. Ela está proibida na União Europeia desde 2004, mas o Brasil continua a importação do produto em larga escala. Junto com os glifosatos ela é um dos produtos mais importados pelo país, a partir da União Europeia, chegando a 200 toneladas por ano.Segundo relatório da ONG Public Eye, somente em 2018 a União Europeia exportou quase 82 mil toneladas de 41 pesticidas proibidos em seu território. Os campeões desta exportação foram pela ordem, Itália, Alemanha, Holanda, França, Espanha e Bélgica.No caso da Alemanha, 8,2% de suas exportações de agrotóxicos eram de produtos proibidos na União Europeia. Em 2022, a Alemanha exportou 18.360 toneladas de pesticidas proibidos na União. Segundo João Camargo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e co-autor do estudo sobre exportações europeias de agrotóxicos proibidos no continente, isto demonstra um comportamento decepcionante por parte do Partido Verde, que integra o atual governo de Berlim.Brasil importa produtos proibidos em outros paísesA pesquisadora Márcia Montanari, da Universidade Federal do Mato Grosso, aponta que 30% dos pesticidas usados no Brasil estão proibidos em outros países. São 40 substâncias perigosas, 11 das quais provêm da União Europeia.Reportagem também da Deutsche Welle, publicada em 2022, afirma que a cada 2 dias morre um brasileiro por contaminação com agrotóxicos, sobretudo crianças e adolescentes de até 19 anos, segundo dados da ONG Friends of Earth Europe.A pesquisadora da Universidade de São Paulo Larissa Mies Bombardi, hoje vivendo na Europa, autora dentre outras obras do livro “Agrotóxicos e colonialismo químico”, publicado em 2023, corrobora o dado, lembrando que as maiores vítimas deste tipo de envenenamento são crianças, mulheres, indígenas e camponeses. Segundo ela, o Brasil padece também de subnotificações sobre o tema. Para cada caso notificado, lembra, pode haver até outros 50 não notificados por serem seus efeitos menos dramáticos ou não identificados corretamente.Por fim, cabe ressaltar que estas exportações europeias de produtos nocivos à saúde têm também um efeito bumerangue. Muitos produtos, como a soja, importados de outros países, trazem de volta para a Europa os efeitos nocivos das contaminações.
6/24/20244 minutes, 35 seconds
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Trump lança coalizão para conquistar eleitorado negro nos EUA: sinceridade ou cálculo político?

Donald Trump, em um movimento ousado, lançou uma coalizão destinada a atrair eleitores negros. A iniciativa "Americanos Negros por Trump" foi inaugurada com uma mesa redonda comunitária em Detroit, apresentando figuras proeminentes como o deputado da Flórida Byron Donalds e o ex-secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano Ben Carson. Ambos são cotados como possíveis companheiros de chapa de Trump, que não hesitou em sugerir suas perspectivas de vice-presidência durante o evento. Thiago de Aragão, analista políticoApesar dessa aproximação, a sinceridade da campanha de Trump é questionável. Suas alegações de conquistas sem precedentes para os americanos negros durante sua presidência são, no mínimo, imprecisas. Embora Trump tenha alcançado taxas recordes de desemprego e pobreza entre os negros durante seu mandato, esses recordes foram superados sob a administração de Biden. Mas a sugestão de Trump de que essas conquistas são incomparáveis sob Biden é enganosa e omite convenientemente dados recentes que mostram um desempenho melhor sob seu sucessor.Além disso, o histórico de comentários inflamados de Trump sobre cidades predominantemente negras e suas críticas bem documentadas a essas áreas contradizem seus esforços atuais. Ele O ex-presidente rotulou Baltimore como um “lugar nojento, infestado de ratos e roedores” e, mais recentemente, descreveu Milwaukee como “horrível” em uma reunião privada, supostamente referindo-se a questões de crime e fraude eleitoral.A estratégia de Trump parece se basear na exploração de uma insatisfação percebida entre os eleitores negros com o Partido Democrata. Apesar do contínuo apoio majoritário de Biden entre os eleitores negros, há uma queda notável em suas avaliações de aprovação, particularmente entre os homens negros mais jovens. As pesquisas indicam que o apoio negro a Biden caiu de 94% no início de seu mandato para 55% em pesquisas recentes. Simultaneamente, o apoio a Trump entre os eleitores negros mostrou um ligeiro aumento, com algumas pesquisas sugerindo até 17% de apoio, um aumento significativo em relação aos 8% que ele obteve em 2020.No entanto, essa mudança não é necessariamente um endosso a Trump, mas sim um reflexo de uma insatisfação mais ampla com o Partido Democrata. Líderes negros proeminentes criticaram a administração Biden por não comunicar efetivamente suas conquistas políticas às comunidades negras, levando a uma lacuna de percepção que a campanha de Trump busca explorar.Em um paradoxo revelador, Trump enfatiza suas realizações econômicas, mas ignora o impacto negativo de suas próprias políticas sobre as comunidades negras. Durante seu mandato, cortes em programas sociais e a falta de apoio a políticas de reforma criminal afetaram negativamente muitos americanos negros. Além disso, sua retórica divisiva e a frequente demonização de cidades de maioria negra contrastam com sua atual tentativa de conquistar esses eleitores.Em última análise, a aproximação de Trump com os eleitores negros é uma mistura complexa de política estratégica e desinformação. Embora seus esforços possam influenciar um segmento do eleitorado, as implicações mais amplas de suas táticas e seu alinhamento com sua retórica passada permanecem controversas e sujeitas a escrutínio. À medida que a eleição se aproxima, o impacto dessas manobras no voto negro será um fator crucial nos estados decisivos.
6/17/20244 minutes, 29 seconds
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Qual será o novo mapa político da União Europeia?

Na primeira semana de junho de 2024 dois acontecimentos balizaram o que poderá ser o novo mapa político da União Europeia pelos próximos anos. O primeiro foi a comemoração dos 80 anos do desembarque dos aliados ocidentais na Normandia, em 6 de junho de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. O outro foi a eleição do novo Parlamento Europeu, de 6 a 9 de junho, nos 27 países membros da União. Flávio Aguiar, analista políticoAs estrelas do primeiro evento foram o presidente norte-americano Joe Biden e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, convidado especial para a ocasião. O chefe da Casa Branca discursou durante 12 minutos na praia batizada como Omaha, do alto do penhasco de Pointe du Hoc, imortalizado cinematograficamente no filme “O resgate do soldado Ryan”.Em seu discurso Biden elogiou os soldados que ali “defendiam a democracia”, dizendo que hoje se deveria honrar sua memória e valor.Foi como se, num jogo de vôlei, levantasse a bola para Zelensky bater. Em seu discurso, o presidente ucraniano comparou o presidente russo, Vladimir Putin, a Hitler, fazendo um paralelo entre a Alemanha nazista e a Rússia de hoje.Definiu-se assim um dos vetores principais do mapa político da União Europeia. Cabe à União seguir a diretriz norte-americana, corporizada na OTAN, que define a Rússia como seu alvo principal no momento, através do apoio financeiro e logístico ao governo de Kiev, contra Moscou.Nos últimos dias de maio, o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, seguindo a diretriz de Washington, autorizou o governo de Kiev a atacar alvos em território russo com o armamento fornecido por Berlim, escalando a participação alemã na guerra.No dia 5 de junho, o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, do SPD, dirigindo-se ao Bundestag, o Parlamento Federal, afirmou que, devido à ameaça russa, a Alemanha deve preparar-se para a guerra até 2029, defendendo também a volta do serviço militar obrigatório.Europa crescentemente militarizadaEstes são sinais de uma Europa crescentemente militarizada. Alemanha, França, Polônia e outros países estão incrementando seus arsenais militares. Por ora estas armas estão apontadas para o definido inimigo comum, a Rússia. Qual serão os caminhos futuros desta militarização?Aqui entra em cena o segundo acontecimento deste começo de junho: a eleição do novo Parlamento Europeu. A se confirmarem as previsões, os blocos de extrema-direita deverão crescer substancialmente: o “Identidade e Democracia”, liderado pelo Rassemblement francês e a Lega italiana, e o “Conservadores e Reformistas”, onde pontifica o Fratelli d’Italia, da primeira-ministra Georgia Meloni. Com seu nacionalismo de estilo europeu, xenófobo e excludente, eles poderão dar as tintas nas pautas do parlamento eleito, mesmo que juntos não definam uma maioria. Serão um termômetro de tendências futuras em eleições nacionais. O conservador Bloco Popular Europeu, que reúne representantes dos partidos da direita tradicional, define a “autodefesa da Europa” como uma de suas prioridades. A Aliança Progressista de Socialistas e Democratas e o Bloco dos Verdes/Aliança Livre têm, entre suas prioridades, o isolamento de Putin e de sua Rússia. O Bloco chamado de Renew Europe (assim mesmo, em inglês) nada diz sobre questões militares. O Bloco de Esquerda, minoritário, é o único que ousa colocar, entre suas palavras de ordem, a de “Paz”.Pode-se assim prever, por este termômetro, que a militarização do continente terá amplos ventos favoráveis no futuro próximo e de médio prazo. E o currículo pregresso de uma Europa militarizada não é nada animador. Já aconteceu de um fanático isolado encontrar um arquiduque e sua esposa pela frente e, assassinado-os, deflagrar um conflito com 20 milhões de mortos e outros tantos de desaparecidos, feridos e mutilados.
6/10/20246 minutes, 16 seconds
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Extrema direita europeia cresce nas intenções de voto, mas não forma um bloco coeso

O crescimento da extrema direita nas intenções de voto em vários países europeus, aliado à organização sistemática de encontros de seus líderes, dá a impressão de que seus partidos formam um bloco coeso. Na verdade não é bem assim. Eles têm, é claro, bandeiras comuns, que também se manifestam com nuances e variantes em outros continentes, como no caso de Donald Trump nos Estados Unidos, Javier Milei e Jair Bolsonaro na América Latina. e Benjamin Netanyahu e seu governo em Israel. Flávio Aguiar, analista políticoEntres essas bandeiras comuns estão: o nacionalismo xenófobo, que se volta contra imigrantes e refugiados, sobretudo os que vem de fora da Europa; a crescente islamofobia, substituindo na Europa, mas nem sempre, o antissemitismo; uma desconfiança acentuada em relação à União Europeia, pelo menos em seu estado atual; um discurso que se apoia num moralismo retrógrado e não raro em argumentos religiosos; oposição a movimentos identitários, como feminismo, valorização da diversidade cultural e outros; ações e discursos de ódio e violência contra aqueles que consideram ser seus adversários e inimigos; condenação da política e dos políticos tradicionais, sejam conservadores, liberais ou de esquerda.Ter bandeiras comuns não significa necessariamente ter um programa comum, nem mesmo uma identidade histórica compartilhada. “A Europa para os europeus”, eis um slogan que mobiliza as extremas direitas, da Ucrânia a leste até Portugal a oeste, do Círculo Polar ao norte até o Mediterrâneo ao sul.Mas as “Europas” do Chega português, do Vox espanhol, do Reunião Nacional (RN) francês, da Liga e do Irmãos da Itália em Milão ou Roma, do AfD (Alternativa para a Alemanha) na Alemanha, para citar alguns exemplos, não têm o mesmo significado, nem as mesmas raízes históricasCrise do bloco de extrema direita no Parlamento EuropeuUm atestado desta diversidade, que pode ser conflituosa, está na recente crise que se abateu sobre o bloco de extrema direita no Parlamento Europeu, o “Identidade e Democracia”, às vésperas da eleição para aquela casa legislativa continental, prevista para acontecer de 06 a 09 de junho.A crise começou com uma entrevista dada por Maximilian Krah, um dos principais deputados do AfD alemão no Parlamento Europeu e candidato à reeleição, ao jornal italiano "La Repubblica". Nela o deputado declarou que um membro da antiga SS, a principal organização paramilitar nazista, “não era necessariamente um criminoso”.A declaração caiu como uma bomba no bloco. A líder francesa Marine Le Pen, do RN, retrucou imediatamente que se recusaria, dali por diante, a trabalhar em conjunto com membros do AfD. Com apoio da Liga italiana, todos os membros do AfD terminaram sendo literalmente expulsos do bloco parlamentar. Dentro do próprio partido alemão houve um terremoto: a direção decidiu que Krah não poderia mais participar de seus comícios e da campanha para o Parlamento, embora o tenha mantido como candidato.A crise mostra, de um lado, como a declaração do deputado alemão pode prejudicar o esforço de Le Pen para se aproximar do centro político e apagar a pecha de antissemitismo do partido fundado em 1972 por seu pai, Jean-Marie Le Pen, como Frente Nacional. Esse mesmo esforço de se aproximar do centro é compartilhado pela Liga italiana.Também evidencia o temor do próprio AfD de cair mais nas intenções de voto, que já foram de 23% e hoje estão em torno de 15%, ainda confortáveis, mas numa queda considerável.Pautas conservadorasO Chega português cultiva a memória do salazarismo; o Vox espanhol, a do franquismo. Muitos partidários do Vox se vêem como herdeiros dos Cavaleiros Templários da Idade Média, acentuando um conteúdo fortemente religioso. O mesmo não se pode dizer da Liga ou do Irmãos da Itália, embora este compartilhe bandeiras com movimentos conservadores católicos, como a do antiaborto ou a do anticasamento de pessoas do mesmo sexo.A religião em si também não faz parte do menu principal do francês RN, nem mesmo do AfD alemão. Em compensação, ela é muito mais forte na vizinha Polônia e em outros países do antigo Leste europeu. Em alguns destes países, incluindo a Ucrânia, observa-se uma maior tolerância em relação ao uso, por parte de militantes de extrema direita, de símbolos que lembram os do antigo nazismo.Há um traço novo, entretanto, na paisagem. Ao contrário do que aconteceu nas primeiras décadas do século passado, a extrema direita não vem encontrando apoio entusiástico em meios empresariais europeus, que preferem apostar, de um modo geral, nos políticos do conservadorismo tradicional, austeros nos orçamentos sociais, às vezes liberais nos costumes e sempre neoliberais na economia.Tais meios não vêem com agrado a desconfiança da extrema direita com relação a um dos dogmas da União Europeia, cuja liberdade no que toca à circulação de capitais representa, no fim de contas, um "very good business" (um negócio muito vantajoso). Por isto, em quase todos os países a força maior dos extremistas vêm de classes médias urbanas e rurais, ou mesmo de camadas pobres que se sentem ameaçadas, buscando “inimigos” facilmente identificáveis, como estrangeiros ou culturalmente diversos.
5/27/20245 minutes, 42 seconds
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Plano de Trump para deportação em massa de imigrantes seria catastrófico para EUA

As promessas inflamáveis de deportação em massa do ex-presidente Donald Trump ecoam novamente à medida que a eleição presidencial de 2024 se aproxima. Embora sua retórica anti-imigração possa ressoar com certos eleitores, uma análise mais profunda revela as potenciais repercussões catastróficas para a economia americana. Thiago de Aragão, analista político da RFI em WashingtonAs políticas de Trump ameaçam agravar a inflação, exacerbar a escassez de trabalhadores e mergulhar o país em uma espiral de dívida federal insustentável.A visão de Trump de uma América com 15 a 20 milhões de imigrantes a menos ignora a realidade demográfica e econômica do país. Os imigrantes desempenham um papel vital na manutenção de indústrias-chave e no preenchimento de lacunas críticas no mercado de trabalho.Deportações em massa desencadeariam uma onda de perturbações, deixando empresas lutando para preencher vagas e forçando-as a aumentar salários e preços. Essa escassez de mão-de-obra alimentaria novas pressões inflacionárias, minando a recuperação econômica e frustrando os americanos já sobrecarregados pelo alto custo de vida.Ironicamente, as mesmas preocupações com a inflação que impulsionam o apelo de Trump seriam exacerbadas por suas próprias políticas. Apesar de algum alívio recente, os efeitos persistentes da inflação elevada continuam a pressionar os orçamentos familiares, com os custos de habitação, alimentação e transporte permanecendo obstinadamente altos. No entanto, em vez de oferecer soluções substantivas, a agenda de imigração de Trump ameaça intensificar esses mesmos problemas de acessibilidade.Custos astronômicosAs implicações fiscais das políticas de imigração de Trump são igualmente alarmantes. Deportar milhões de imigrantes custaria centenas de bilhões de dólares, potencialmente ultrapassando US$ 1 trilhão em uma década.Esses custos astronômicos viriam em cima dos planos de Trump de tornar permanentes os cortes de impostos de 2017 e reduzir ainda mais as taxas corporativas, medidas que poderiam adicionar trilhões à dívida nacional. Sem um plano claro para compensar esses déficits, os Estados Unidos arriscam uma crise fiscal que poderia desestabilizar a economia global.Economias regionais vibrantes como Califórnia e Texas, onde os imigrantes compõem uma parcela significativa da força de trabalho, seriam particularmente atingidas pelas políticas de Trump. Setores inteiros enfrentariam paralisações e cidades poderiam experimentar um colapso econômico, com consequências em cascata que são difíceis de quantificar completamente.Em uma era de desafios econômicos complexos, as políticas de imigração e fiscais de Trump oferecem respostas simplistas que ameaçam aprofundar os problemas que ele afirma resolver.Ao ignorar o papel crucial dos imigrantes na economia americana e promover planos fiscais insustentáveis, Trump arrisca mergulhar o país em uma espiral de inflação crescente, escassez de mão-de-obra e dívida federal insustentável.Naturalmente, a imigração ilegal é um problema sério e deve ser contido pelo governo dos EUA. No entanto, as propostas e ideias de Trump são simplistas, populistas e eleitoreiras. 
5/20/20244 minutes, 16 seconds
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Discurso e ações de ódio da extrema direita crescem na Alemanha às vésperas de eleições europeias

Muito se fala sobre o “discurso do ódio” no Brasil, associado quase sempre a ações de militantes de extrema direita contra seus adversários políticos. Nestas manifestações, por vezes parece que esta violência pertence exclusivamente à sociedade brasileira. Não é verdade. Flávio Aguiar, analista políticoDentro de um mês se realizarão as eleições para o Parlamento Europeu e nota-se um crescimento do “discurso e das ações de ódio” na Alemanha, também por parte de militantes de extrema direita, contra quem considerarem ser adversários políticos.Recentemente houve alguns incidentes graves desta natureza nas cidades de Dresden e Berlim.Em Dresden houve dois incidentes. No primeiro, a política Anne-Katrin Haubold, do Partido Verde, foi hostilizada por um grupo de jovens enquanto afixava cartazes de propaganda para a votação do Parlamento Europeu. A agressão foi filmada, e vê-se o grupo investir contra os cartazes que ela pregava, além de a agredirem verbalmente.O segundo episódio foi mais grave. Aparentemente o mesmo grupo - de quatro jovens - atacou o político do Partido Social-Democrata Matthias Ecke, também enquanto este fazia campanha para a eleição de junho. Matthias Ecke ficou ferido com alguma gravidade, sofrendo fraturas no osso facial e numa de suas cavidades oculares. A polícia identificou os quatro agressores, de idade entre 17 e 18 anos, e pelo menos um deles já era conhecido por suas ideias de extrema direita.Em Berlim, na terça-feira (7), a atual secretária da Economia da Prefeitura (aqui chamada de “Senado”) e ex-prefeita da cidade Franciska Giffey, do Partido Social-Democrata, foi agredida dentro de uma biblioteca no bairro de Rudow. Um homem de 74 anos atacou-a pelas costas, e bateu em sua cabeça e em seu pescoço com uma sacola pesada. Giffey sofreu ferimentos leves e o agressor foi detido. A polícia declarou ainda desconhecer os motivos da agressão.Max Reschke, porta-voz do Partido Verde no estado da Turíngia, na antiga Alemanha Oriental, declarou que ameaças e ataques contra militantes de seu partido e de outros de esquerda ou de centro-esquerda são constantes. Detalhou que durante manifestações dos agricultores da região, que, dentre outras reivindicações, pediam o afrouxamento das exigências ambientais, tornou-se comum encontrar estrume nas portas dos gabinetes de políticos do partido. Muitas vezes esses gabinetes tiveram suas janelas quebradas por pedradas e também suas caixas de correio foram destruídas.O porta-voz declarou que agora é norma que políticos em campanha não andem nem viajem desacompanhados.Aumento da violênciaA pedido da Fundação Körber de Proteção à Democracia, a agência Forsa realizou uma pesquisa com 6.400 prefeitos ou presidentes de câmaras municipais na Alemanha sobre o tema da violência política. Duas mil e quinhentas delas ou deles afirmaram que ou já sofreram violência e ameaças ou sabem de casos que aconteceram na sua jurisdição.Sven Tetzlaff, dirigente regional da Fundação Körber, ressaltou que este aumento da violência não se restringe à Alemanha, mas é observado em toda a Europa e nos Estados Unidos, motivado por ressentimentos e frustrações contra políticos e a política de um modo geral.Quanto à Alemanha especificamente, há analistas que ressaltam a semelhança deste crescimento com o que aconteceu nas décadas de 1920 e 1930 do século passado, durante o período conhecido como República de Weimar, cidade onde se reuniu a Constituinte alemã depois do fim da Primeira Guerra Mundial e da queda da monarquia. Naquele momento, grupos paramilitares de extrema direita patrocinaram uma violência crescente contra seus adversários até a ascensão do governo e do regime nazistas no começo de 1933.Apesar das analogias, notam-se algumas diferenças entre as duas situações, pelo menos de momento. Por exemplo, em maio de 1933 o subprefeito do bairro de Kreuzberg, em Berlim, o social-democrata Carl Herz, tio-avô do político brasileiro Tarso Genro, ex-prefeito de Porto Alegre e ex-governador do Rio Grande do Sul, foi arrancado de seu gabinete por militantes dos SA (Sturmabteilung), ou Camisas Pardas, e espancado no meio da rua. A polícia acorreu e prendeu... a vítima (!), que acabou se exilando com parte da família na Inglaterra. Hoje não é tal arbitrariedade policial que se observa nestes casos de violência na Alemanha. Mas há quem tema que a história se repita, e não como farsa, mas como nova tragédia.
5/13/20245 minutes, 20 seconds
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Trump busca candidato a vice-presidente que tenha talento político e estratégico

A busca do ex-presidente Trump por um candidato a vice ganhou destaque, com um recente encontro em seu resort Mar-a-Lago, fornecendo insights sobre possíveis escolhas. O evento, que também serviu para arrecadação de fundos, recebeu uma variedade de concorrentes, cada um mostrando seus pontos fortes e recebendo atenção de Trump e sua equipe. Thiago de Aragão, analista políticoAs avaliações de Trump, reveladas em uma gravação de áudio, refletem um processo de escolha estratégica. Senadores como Marco Rubio e Tim Scott receberam comentários positivos, destacando sua habilidade política e eficácia como representantes. Enquanto isso, figuras como J.D. Vance e a deputada Elise Stefanik foram notadas por seus relacionamentos em evolução com Trump e sua crescente influência dentro do partido.O processo de seleção não se resume apenas ao talento político, mas também a considerações estratégicas. O encontro de doadores e legisladores republicanos destaca a importância da habilidade de angariar fundos, uma característica notada em potenciais candidatos como o senador Tim Scott e o governador da Dakota do Norte Doug Burgum. Além disso, considerações sobre diversidade, como sugerido pelo comentário de Trump sobre o deputado Byron Donalds, adicionam camadas à matriz de tomada de decisão.No entanto, a busca pelo vice-presidente não é sem complexidades. Preocupações com desafios legais, como os relacionados à elegibilidade do senador Rubio devido a questões de residência, adicionam uma dimensão jurídica às deliberações. As divagações de Trump sobre escolhas potenciais fora do comum também sugerem a imprevisibilidade da decisão final.À medida que o processo de seleção do vice-presidente se desenrola, o cenário político continua a evoluir, apresentando tanto oportunidades quanto desafios para os candidatos em potencial. Por exemplo, os esforços agressivos da governadora de Dakota do Sul, Kristi Noem, têm sido objeto de escrutínio, especialmente em relação a piadas controversas (para se dizer o mínimo) em seu livro, e declarações atrapalhadas sobre encontros com líderes estrangeiros. Tais incidentes destacam o delicado equilíbrio que os candidatos devem encontrar entre projetar força e evitar controvérsias que possam prejudicar sua viabilidade como companheiros de chapa.Além disso, o julgamento criminal em andamento envolvendo o ex-presidente Trump adiciona outra camada de confusão à busca pelo vice-presidente. Depoimentos de testemunhas-chave e a análise de batalhas legais anteriores destacam as considerações legais e de reputação em jogo. Embora os desafios legais de Trump possam não afetar diretamente o processo de seleção do vice-presidente, eles contribuem para a narrativa mais ampla que cerca sua administração e podem influenciar a percepção pública dos potenciais companheiros de chapa.Nesse contexto, a seleção do vice-presidente se torna não apenas uma jogada política estratégica, mas também um reflexo das batalhas legais em curso de Trump e das dinâmicas mais amplas dentro do Partido Republicano.
5/6/20244 minutes, 20 seconds
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Europa tenta encontrar solução para fluxo de refugiados e migrantes clandestinos

Na semana passada, o Parlamento do Reino Unido aprovou, depois de uma longa batalha, a lei que permite a deportação de refugiados e migrantes considerados ilegais para Ruanda, na África Central, uma ex-colônia alemã e belga. O primeiro-ministro Rishi Sunak, do Partido Conservador, se empenhou na aprovação da lei, retida durante meses num impasse entre a Câmara Baixa, ou dos Comuns, e a Câmara Alta, ou dos Lordes, e também entre governo e partidos de oposição, além de ser alvo de uma crítica constante por parte de ONGs de defesa dos direitos humanos.O ministro do Interior (Home Secretary), James Cleverly, saudou a aprovação da lei como “um marco no esforço para deter o afluxo de barcos” que tentam trazer refugiados do continente para o Reino Unido através do Canal da Mancha, e também como uma “afirmação da soberania britânica” contra “bloqueios impostos por tribunais europeus”.Já Denise Delic, da seção do Reino Unido do Comitê Internacional de Ajuda aos Refugiados, considerou a medida “ineficaz, desnecessariamente cruel e demasiadamente cara”. Ela argumentou que seria melhor aprimorar a rede de proteção aos refugiados e seus familiares, estabelecendo, por exemplo, rotas legais e seguras.Já há uma lista de 350 possíveis deportados e o primeiro voo para Ruanda está previsto para o mês de julho. Cada candidato a ser deportado receberá uma carta comunicando-lhe esta condição, e deve se seguir uma série de possibilidades de recursos até a decisão definitiva por parte de um tribunal.Há estimativas de que com todos os procedimentos legais e a compensação devida a Ruanda, cada deportado custará cerca de 180 mil libras esterlinas aos cofres britânicos, o equivalente a quase R$ 1,2 milhão.Os críticos da medida lembram que nos anos 90 do século passado Ruanda foi palco de uma guerra civil e do genocídio contra a etnia Tutsi, com uma estimativa de até 800 mil mortos e de até 500 mil mulheres estupradas. O atual governo de Ruanda pede, como condição para aceitar os refugiados, que o Reino Unido deporte para lá cinco acusados de participarem deste genocídio.A medida do governo londrino vem na esteira de uma série de iniciativas discutíveis e polêmicas na Europa sobre a questão dos refugiados e imigrantes. No ano passado a Comissão Europeia e o governo italiano tentaram negociar com a Tunísia um esforço por parte de seu governo para conter as levas de refugiados que passam por seu território em busca dos barcos no Mediterrâneo que os levem para o continente europeu, em troca de uma ajuda financeira para equilibrar as contas do país. A iniciativa não prosperou, mas foi suficiente para levantar uma série de críticas por parte dos defensores dos direitos humanos.No começo de abril deste ano o Parlamento Europeu aprovou por estreita margem um chamado Novo Pacto sobre Migração e Asilo envolvendo os países da União Europeia.A resolução compreende um conjunto de cinco leis visando agilizar e uniformizar os procedimentos para concessão ou rejeição de asilo, além de prever uma sistemática e relocação dos aceitos entre os países da União, com objetivo de aliviar a carga concentrada nos países do sul do continente. Abre também a iniciativa de negociar medidas de contenção com os países africanos que estão na rota dos migrantes, como novamente a Tunísia, além da Mauritânia, Marrocos e Egito. ONGs criticam a medida, dizendo que ela vai mais restringir do que proteger direitos de pessoas em situação de vulnerabilidade.A controvérsia vai continuar. Em 2023 a Europa recebeu 1,14 milhão pedidos de asilo. Além disto detectou 380 mil migrantes em condições consideradas como “irregulares”. Destes, 105 mil receberam ordem de deportação, e apenas 28 mil foram de fato deportados.No Reino Unido há quem preveja que aquela nova lei de deportação aprovada vai implicar uma verdadeira fuga de candidatos a sua aplicação para a clandestinidade, evitando o recebimento das intimações. No fim de semana, o primeiro-ministro Rishi Sunak afirmou, comemorando, que muitos imigrantes estão saindo do Reino Unido para a Irlanda, com medo da deportação.Por outro lado, esta situação, ao mesmo tempo, massiva e delicada, ressalta a importância de medidas estruturais que promovam a paz, evitando guerras internacionais ou civis e combatendo a pobreza e a violência contra pessoas e grupos vulneráveis, como crianças, mulheres e idosos.
4/29/20245 minutes, 50 seconds
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Fraturas internas na política americana influenciam apoio em ações internacionais

Em um momento de polarização política aguda nos Estados Unidos, a recente aprovação pela Câmara dos Representantes de um pacote de ajuda externa de US$ 95 bilhões de dólares para Ucrânia, Israel e Taiwan reflete não apenas a complexidade da diplomacia internacional, mas também as tensões internas que fervem no coração da política americana.   Thiago de Aragão, analista políticoA medida, que também inclui uma possível proibição nacional do aplicativo TikTok, marca uma tentativa audaciosa do presidente da Câmara, Mike Johnson, de consolidar apoio bipartidário, mesmo colocando seu cargo em risco diante da ala anti-intervencionista de seu partido. O pacote de ajuda, que contempla US$ 60 bilhões para a Ucrânia, 26 bilhões para Israel e 8 bilhões para a região do Indo-Pacífico, não apenas reafirma o compromisso dos EUA com seus aliados, mas também ajusta o foco na política externa americana para uma postura mais assertiva contra adversários como Rússia e Irã. A inclusão de medidas para o confisco de ativos russos congelados e novas sanções contra o Irã amplia o alcance deste pacote, posicionando os Estados Unidos firmemente contra o que muitos veem como agressões autoritárias que desafiam os valores ocidentais.No entanto, o que realmente captura a atenção é o teatro político que se desenrolou no plenário. Democratas acenando bandeiras ucranianas e republicanos de extrema-direita vaiando ilustram a divisão visceral sobre o papel dos EUA no mundo. Essa cena reflete uma luta interna dentro do Partido Republicano e destaca um dilema significativo para os políticos americanos: até que ponto eles estão dispostos a apoiar ações externas em um momento em que a política interna está tão fraturada? A abordagem de Johnson, desafiando a ala mais dura de seu partido e contando com o apoio dos democratas para aprovar a medida, é particularmente reveladora. Ele representa uma facção dentro do Partido Republicano que vê a necessidade urgente de apoiar aliados globais como um imperativo moral e estratégico, contrapondo-se à crescente influência de figuras como Marjorie Taylor Greene, que veem tais medidas como um desperdício de recursos que poderiam ser melhor utilizados internamente. Soberania nacional x responsabilidade globalEsta legislação também levanta questões críticas sobre o equilíbrio entre soberania nacional e responsabilidade global. Por um lado, há uma clara necessidade de apoiar nações que compartilham os ideais democráticos e enfrentam ameaças significativas à sua soberania. Por outro, as ações dos EUA são vistas por alguns como uma imposição de sua vontade sobre outros, com pouco respeito pelas consequências a longo prazo para os países receptores da ajuda.  Além disso, a dinâmica interna dentro dos EUA sugere uma potencial reconfiguração das políticas de ajuda externa. A forte oposição interna ao pacote e a subsequente necessidade de compromissos destacam a complexidade de governar uma nação tão diversificada e dividida. Essa divisão é um microcosmo das tensões globais, onde as ações dos EUA são tanto um catalisador para a cooperação quanto um ponto de contenda. Em resumo, enquanto o pacote de ajuda de US$ 95 bilhões é uma declaração de intenções significativa, também é um prisma através do qual as lutas internas e os desafios externos dos Estados Unidos são vividamente ilustrados. Esta é uma era em que os ideais americanos de liberdade e democracia estão sendo tanto promovidos quanto questionados, tanto dentro quanto fora de suas fronteiras. O resultado dessas tensões não apenas moldará o futuro da política externa americana, mas também definirá o papel dos Estados Unidos no palco mundial nos próximos anos.
4/22/20244 minutes, 46 seconds
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Condenação da Suíça por Tribunal Europeu atesta que clima saudável é direito fundamental

Na semana passada o Tribunal Europeu para Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, na França, condenou o governo suíço por não tomar medidas suficientes contra as mudanças climáticas em curso no planeta. O processo foi iniciado pela Associação de Senhoras Suíças Idosas sobre o Clima (tradução mais que livre para KlimaSeniorinnen Schweiz) e mais quatro mulheres independentes. A Associação representa cerca de 2.000 idosas com 64 anos ou mais. Flávio Aguiar, analista políticoA decisão dos 17 juízes e juízas do tribunal é bastante complexa. Seu acórdão tem mais de 300 páginas. A sentença recusou a representação das quatro mulheres independentes, alegando que elas não tinham caracterizado suficientemente seu status de vítimas. Entretanto reconheceu esta condição e a representatividade coletiva da Associação.Na sentença, que não é passível de apelação, o tribunal condenou o governo suíço por não tomar medidas suficientes para cumprir seu próprio objetivo de reduzir em 50% as emissões de gás carbônico na atmosfera até 2030, em relação às emissões na última década do século passado. Entre as alegações consta a de que o governo suíço sequer criou um orçamento específico para a questão.Quais serão as consequências da decisão? Eis outra matéria complexa. A Agência Federal de Justiça da Suíça, que representa o governo, afirmou que estudará as medidas necessárias para cumprir a decisão. É complicado, pois em 2021 um plebiscito no país rejeitou as medidas que vinham sendo tomadas, por julgá-las demasiado severas.Por outro lado, caso o governo não tome as medidas necessárias, poderia ser condenado ao pagamento de multas e outras sanções. Espera-se que haja impacto sobre a construção civil, o sistema de transporte, a circulação de veículos e o fornecimento e consumo de energia. Uma porta-voz das “Vovós Suíças”, apelido carinhoso da Associação, afirmou que espera também medidas reguladoras de empresas do sistema financeiro que apoiam atividades danosas ao meio ambiente.Impacto internacional?Como o clima não tem fronteiras, espera-se também que a decisão do Tribunal de Estrasburgo, a primeira no mundo inteiro no gênero, tenha um impacto internacional. Em 2021 uma resolução da ONU reconheceu que um clima saudável é um direito humano universal e inalienável.A Suprema Corte da Índia já tomou uma resolução semelhante, afirmando que faz parte dos direitos da cidadania o de “permanecer livre dos efeitos negativos das mudanças climáticas”. Aliás esta foi a alegação da Associação das Senhoras Suíças, afirmando que as ondas de calor decorrentes dessas mudanças colocam em risco suas vidas devido à sua idade e ao seu gênero.Espera-se também um impacto em outras áreas relativas ao meio ambiente. Por exemplo, há um caso em curso contra uma decisão do governo da Noruega autorizando novas concessões para exploração do petróleo no mar a partir de 2035.Efeitos no BrasilSegundo a agência de notícias Reuters, especialistas europeus afirmaram também que a decisão pode ter efeitos imediatos em outros países, citando, especificamente, a Austrália, o Peru, a Coreia do Sul e… o Brasil.Fica aberto, portanto, o convite para que advogados, juristas, juízes, professores e estudantes de Direito, ONGs do meio ambiente e de direitos humanos, além de demais interessadas e interessados, se debrucem de imediato sobre as implicações da decisão em nosso país.
4/15/20244 minutes, 14 seconds
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O reforço militar do Japão e a luz verde dos EUA

Em um cenário global de tensões geopolíticas em um ponto crítico, as nações são compelidas a reavaliar e fortificar suas estratégias de defesa. O Japão, tradicionalmente conhecido por sua postura pacifista pós-Segunda Guerra Mundial, está passando por uma transformação significativa em sua postura de defesa, impulsionado pelas pressões crescentes da China e pelos imperativos estratégicos de manter a estabilidade regional. Thiago de Aragão, analista políticoAs recentes falas e ações do primeiro-ministro Fumio Kishida sublinham um pivô histórico do Japão, visando uma capacidade de defesa reforçada e uma aliança aprofundada com os Estados Unidos. As declarações do primeiro-ministro evidenciam a urgência com a qual o Japão encara o panorama geopolítico atual. Citando a agressão na Ucrânia, as persistentes tensões no Oriente Médio e a situação no leste asiático, Kishida anunciou a decisão do Japão de reforçar fundamentalmente suas capacidades de defesa, marcando uma mudança significativa na política de segurança do país. Esse movimento é uma resposta direta ao "ponto de virada histórico" que o Japão enfrenta, impulsionado por pressões externas, particularmente a agressão marítima da China e disputas territoriais nos mares do Leste e do Sul da China.A iminente cúpula entre Kishida e Biden é retratada como uma oportunidade histórica para modernizar a aliança Japão-EUA, um pilar de paz e estabilidade na região do Indo-Pacífico. Essa aliança está se tornando cada vez mais vital em meio a ameaças regionais, incluindo os testes de armas da Coreia do Norte e as ações assertivas da China em relação a Taiwan e no Mar do Sul da China. A parceria visa não apenas contrapor essas ameaças, mas também apoiar o papel expandido do Japão em questões de segurança global e regional.Sob a liderança de Kishida, o Japão desviou-se de sua Constituição pacifista pós-guerra, com planos de aumentar os gastos com defesa para 2% do PIB até 2027 e adquirir capacidades de contra-ataque. Essa mudança estratégica é uma reação direta ao "ambiente de segurança severo e complexo" que o Japão enfrenta, cercado por nações que aprimoram suas capacidades militares e se engajam em atos agressivos que ameaçam a estabilidade regional.Capacidade de dissuasão e respostaUm aspecto crucial do reforço militar do Japão é o desenvolvimento de suas capacidades de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR). Essenciais para ataques de longo alcance, as capacidades ISR permitem uma eficaz identificação de forças inimigas, um componente crítico na manutenção da postura de defesa do Japão contra ameaças. O investimento do governo japonês em mísseis de ataque terrestre Tomahawk, baterias de projéteis hipervelozes e mísseis de ataque ao solo de longo alcance Joint destaca a prioridade dada à capacidade de dissuasão e resposta.Diante desses aprimoramentos estratégicos, Kishida enfatiza a importância da cooperação internacional e de uma comunidade internacional forte baseada no estado de direito. O objetivo não é apenas contrariar ameaças, mas fomentar uma atmosfera de cooperação em vez de divisão. Essa visão inclui aprofundar os laços com outros aliados dos EUA, como as Filipinas, e reforçar o papel do Japão na garantia da paz, estabilidade e prosperidade da comunidade internacional.À medida que o Japão fortalece suas capacidades de defesa em resposta às pressões regionais, especialmente da China, o mundo observa atentamente esse movimento. O resultado da cúpula Kishida-Biden e a trajetória futura da aliança Japão-EUA serão fundamentais na formação da paisagem de segurança do Indo-Pacífico. O pivô histórico do Japão do pacifismo para uma postura de defesa mais assertiva, respaldado por capacidades ISR aprimoradas e cooperação internacional, sinaliza um novo capítulo em seu cálculo estratégico, reconhecendo as complexidades do ambiente geopolítico atual e o papel indispensável das alianças.
4/8/20244 minutes, 2 seconds
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Por que Bolsonaro foi dormir na embaixada da Hungria?

Atualmente duas hipóteses cercam esta pergunta que não quer calar. A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro alega que ele dormiu lá para “manter contato com autoridades daquele país”. Convenhamos que é uma alegação inverossímil. Para manter tais contatos ele nem precisaria ir à  embaixada, quanto mais dormir nela por duas noites, em pleno carnaval. Bastaria telefonar, marcar um zoom, skype, ou algo parecido, mesmo que encriptado. Flávio Aguiar, analista políticoA outra hipótese, mais provável, diz que, com o passaporte apreendido, ele executou o que em xadrez se chama de um “roque preventivo”. Naqueles dias de incerteza, temendo ser preso, recolheu-se ao teto amigo, onde, em caso de necessidade, poderia pedir asilo político.Mas vá lá: qualquer que seja a hipótese aceita, a resposta àquela pergunta é: Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, seu correligionário de extrema-direita, com quem costuma trocar elogios.Mas afinal, quem é e o que pretende Viktor Orbán?Para começo de conversa, no poder há 14 anos, Orbán é o segundo governante mais longevo no cargo no continente europeu, só perdendo para Alexander Lukashenko, da Belarus, na presidência de seu país desde 1994.Analistas de variadas tendências apontam que ele é um político que ostenta uma formação universitária complexa e sofisticada e, ao mesmo tempo, é capaz de gestos simbólicos como o de se juntar a bombeiros e trabalhadores braçais, amontoando sacos de areia para deter uma enchente.Também se aponta sua habilidade em escolher alvos de fácil identificação como inimigos preferenciais de seu país. Um deles, por exemplo, foi o bilionário e conterrâneo George Soros, caracterizando-o como uma espécie de Mágico de Oz disposto a controlar a Hungria desde os bastidores da política. Através desta manobra, Orbán se opôs ao liberalismo político que dominava a cena europeia no século XXI e consolidou a ideia de que pretende criar um regime que caracteriza como “iliberal”.Nesta esteira avançou seu controle sobre a mídia e o parlamento. Conseguiu expulsar para Viena, na Áustria, a maior parte das atividades da universidade que Soros financiara em Budapeste, a capital húngara.Orbán fundou o partido Fidesz, que lidera até hoje, ainda quando era estudante universitário, prometendo lutar pela “liberdade” depois do fim dos regimes comunistas na Europa Oriental. Entretanto, seus críticos o apontam como o líder autoritário e autocrático de sucesso mais proeminente e duradouro na Europa de hoje.Além de Soros, Orbán apontou para seu público uma série variada de inimigos: o imigrante ou refugiado do “Sul do Mundo” e o muçulmano, que acusou frequentemente de trazer “tendências terroristas” para a Europa. “A Europa para os europeus, a Hungria para os húngaros”, é um de seus slogans preferidos.Referência para a extrema direitaOrban apresenta-se como um defensor de valores cristãos e da família heterossexual, condenando qualquer outro tipo de relação sexo-afetiva.Com tal folha de serviços pretende fazer de si e da Hungria uma referência internacional para políticas de extrema direita. Além de Bolsonaro, é amigo de Benjamin Netanyahu e é considerado o líder europeu mais próximo de Vladimir Putin, sendo crítico em relação ao apoio dado pelo Ocidente à Ucrânia, defendendo que esta não tem condições de vencer a Rússia na guerra ali travada.Ele compareceu à posse de Javier Milei na Argentina e é admirador de Donald Trump, a quem dá conselhos. Leva pelo menos uma vantagem sobre o norte-americano: prestes a completar 61 anos, parece um “jovem” diante dos 77 de Trump.Além destas “afinidades eletivas”, há mais um fator importante na preferência de Bolsonaro pela embaixada da Hungria.Em novembro de 2018, o ex-primeiro-ministro da pequena Macedônia do Norte, o direitista Nikola Gruevski, estava prestes a cumprir pena de prisão, condenado por atos de corrupção. No dia em que deveria se apresentar para cumprir a pena, não o fez.Três dias depois apareceu em Budapeste, na Hungria, e dali a uma semana Órban concedeu-lhe asilo, que perdura até hoje. Pesquisas posteriores demonstraram que da Macedônia do Norte até a Hungria, Gruevski passou de carro por três outros países, Albânia, Montenegro e Sérvia, sempre escoltado por diplomatas húngaros.Ou seja: a embaixada da Hungria seria mesmo o caminho mais seguro para o ex-presidente brasileiro manter-se livre, caso sua prisão fosse decretada naqueles dias de Carnaval. Até mesmo o ditador Pinochet no Chile e os golpistas de 64 no Brasil respeitaram este direito de asilo em embaixadas, que é uma tradição latino-americana.
4/2/20245 minutes, 35 seconds
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Ataque contra casa de shows perto de Moscou mostra vulnerabilidade do regime de Putin

O recente ataque no Crocus City Hall em Moscou, que deixou ao menos 137 mortos na sexta-feira (22), marca um momento decisivo para a liderança do presidente Vladimir Putin, principalmente diante de sua recente vitória eleitoral. Este trágico incidente não apenas expõe falhas gritantes na segurança nacional, mas também levanta questões sobre possíveis vulnerabilidades no regime russo. Thiago de Aragão, analista políticoOs Estados Unidos já haviam alertado sobre o risco de um ataque do grupo Estado Islâmico (EI) na Rússia, inclusive publicando no site da embaixada americana em Moscou. Putin, no entanto, talvez subestimando a gravidade da situação, descartou esses avisos e os consderou meras provocações.Especificamente, Washington tinha informações sobre potenciais atividades extremistas visando grandes aglomerações em Moscou - deixando claro que uma casa de shows, como a Crocus City Hall, eram possíveis alvos -, mas parece que as autoridades russas não deram a devida atenção a essas advertências. O fato de militantes do grupo EI terem conseguido executar este ataque logo após a reeleição de Putin, quando ele prometia reforçar a segurança nacional, levanta sérias questões sobre a segurança nacional russa. Este incidente abala a imagem de uma Rússia forte e segura sob a liderança de Putin. O Kremlin tentou rapidamente atribuir a culpa à Ucrânia, sem apresentar provas concretas, o que levanta ainda mais suspeitas sobre a transparência e a responsabilidade do governo Putin. Essa estratégia de desviar a atenção não resolve as falhas de segurança interna expostas pelo ataque.Consequências além das fronteiras russasA aparente desconsideração de Putin pelos avisos dos Estados Unidos não agrava as já tensas relações entre os dois países, especialmente em um contexto de discórdia global, mas cria um constrangimento pesado para Putin. Isso destaca a complexidade da colaboração internacional de inteligência e a importância de levar a sério ameaças críveis, independentemente de sua origem.No fim das contas, o ataque ao Crocus City Hall coloca em xeque a imagem de controle e segurança cultivada por Putin, revelando a ameaça persistente do terrorismo e a necessidade urgente de operações de inteligência eficientes e cooperação global no combate às ameaças à segurança. Este evento pode ter um impacto duradouro na popularidade do líder russo e na percepção de solidez de seu governo.O ataque em Moscou sinaliza também um ressurgimento perturbador das atividades do grupo EI, elevando os riscos de segurança para a Ucrânia e a Europa. Ele destaca a contínua capacidade e intenção dos jihadistas de atingir a Rússia, em parte como retaliação pelas ações militares russas na Síria e na Chechênia, e pelos conflitos históricos em regiões de maioria muçulmana, como o Afeganistão.Os engajamentos militares passados da Rússia, especialmente os brutais conflitos chechenos e seu apoio ao regime sírio, alimentaram animosidades e forneceram ao movimento jihadista munição propagandística para justificar seus ataques antirrussos. A histórica influência de Moscou na Síria, antigo reduto do grupo EI, coloca a Rússia no topo da lista de alvos.Essa escalada pode desencadear uma estratégia de segurança russa mais agressiva, com o potencial de piorar ainda mais a situação já tensa na Ucrânia. A Rússia pode intensificar suas respostas militares ou de segurança, colocando em risco a estabilidade da Europa Oriental. Afinal, se Putin não conseguir demonstrar força contra um inimigo das sombras, como o grupo EI, essa ira será direcionada para o alvo mais imediato: a Ucrânia.Além disso, esse grande ataque em Moscou pode encorajar o movimento jihadista e suas filiais a expandir suas atividades pela Europa, trazendo à tona lembranças de seus ataques letais anteriores em cidades como Paris e Nice.Conflito checheno-russoSoma-se a isso a história do conflito checheno-russo, marcada por duas guerras brutais após a dissolução soviética, que perpetuou a insurgência e a militância. Esse contexto oferece ao grupo EI oportunidades de explorar o descontentamento local contra o domínio russo, potencialmente fundindo as forças insurgentes locais com as redes jihadistas globais.O relacionamento capenga entre a Rússia e os Estados Unidos ganha mais um elo de ligação por meio do ataque terrorista de Moscou. Por um lado, o compartilhamento de inteligência e a necessidade de colaboração no combate ao terrorismo poderiam aproximar as duas nações, fornecendo um ponto em comum apesar das tensões geopolíticas existentes.No entanto, a guerra na Ucrânia, visões de mundo antagônicas, a expansão da Otan e abordagens opostas para conflitos internacionais, criam obstáculos significativos para uma eventual cooperação. Neste contexto, o ataque do grupo EI apresenta uma oportunidade para o diálogo e o engajamento diplomático, mas ambas as nações terão que navegar habilmente em um delicado ato de equilíbrio entre seus interesses de segurança imediatos e suas estratégias geopolíticas mais amplas - o que é altamente improvável.O futuro do relacionamento Rússia-Estados Unidos dependerá, em grande parte, de como eles gerenciam essa dinâmica e seus interesses de curto prazo. Certamente, o cenário não parece propício para isso. 
3/25/20244 minutes, 27 seconds
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Os dilemas da direita na Europa; o que a eleição em Portugal ensina sobre acordos com radicais

O resultado da eleição legislativa de 10 de março passado em Portugal provocou uma onda de comentários assinalando o progresso da extrema direita no país. O partido Chega, liderado pelo jurista André Ventura, obteve 18,06% dos votos,  conseguindo o terceiro lugar e catapultando seu número de deputados na Assembleia da República para 49 entre 230. Alguns comentaristas chegaram a afirmar que, ainda que não venha a fazer parte do futuro governo, o Chega e Ventura foram os grandes vencedores do pleito, e provavelmente serão o fiel da balança no parlamento.  Flávio Aguiar, analista políticoAo mesmo tempo, o resultado eleitoral expôs o dilema da Aliança Democrática, de centro-direita, liderada pelo Partido Social-Democrata que, apesar do seu nome, pertence ao campo conservador tradicional. A AD ficou com 29,49% dos votos e 79 deputados, apenas 2 a mais do que o Partido Socialista, de centro-esquerda, que ficou com 77 deputados e 28,66% dos votos, numa diferença mínima de 0,83% em relação ao vencedor.A AD vê-se agora diante do dilema: ou negocia com o Chega para governar ou com seus tradicionais adversários, os socialistas. Ou ainda assume governar em minoria, tendo de negociar caso a caso com estes dois contendores, além dos pequenos partidos que, seja à direita, seja à esquerda, não têm condições para oferecer uma maioria estável de votos.De momento, o líder da AD, Luís Montenegro, do Partido Social-Democrata, anunciou que não pretende formar uma aliança com o Chega. Sua posição é frágil, pois, por exemplo, se não conseguir aprovar o Orçamento, o presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa, será forçado a chamar novas eleições.A situação complicada de Montenegro em Portugal é a mesma de outros líderes conservadores tradicionais na Europa. A extrema direita é parte integrante do governo conservador na Finlândia e dá apoio decisivo para o governo igualmente conservador na Suécia. A ultra-direitista Giorgia Meloni, com seu partido Fratelli d’Italia, atropelou os demais conservadores e  lidera hoje o governo em Roma, saindo de 1,9% dos votos  e nenhum deputado eleito em 2013 para 26% em 2022, com 26 deputados. Na Espanha o tradicional Partido Popular aceita negociar regionalmente com o Vox, que se declara herdeiro do Falangismo do ditador Francisco Franco. Na Holanda, o radical Gert Wilders desistiu de formar um governo por falta de alianças, mas a situação dos demais partidos está longe de ser confortável.Na França Marine Le Pen, do Rassemblement National (Reunião Nacional) vem crescendo de eleição para eleição presidencial, e é uma séria candidata na próxima, prevista para 2027.Na Alemanha, o Alternative für Deutschland, que tem membros acusados de serem neonazistas, é a segunda força eleitoral nas atuais pesquisas de intenção de voto para 2025. Na União Democrata Cristã, da direita tradicional, a posição ainda dominante é a de não negociar com o AfD, mas há correntes dentro do partido que admitem essa possibilidade.Na Áustria o Partido da Liberdade, radical de direita, é o líder em intenções de voto nas eleições previstas para o segundo semestre deste ano e, se confirmar esta posição, deverá propor uma aliança com o tradicional direitista Partido do Povo.Por trás deste crescimento da extrema direita tirando votos de todos os partidos mas, sobretudo, da direita tradicional, jaz uma condição que raramente é comentada nas mídias mainstream da Europa e também de outros continentes.União EuropeiaA Europa tem um carro-chefe, que é a União Europeia. Esta começou a ser construída após o fim da Segunda Guerra, num momento em que na Europa Ocidental o pensamento hegemônico, mesmo entre os conservadores, era de raiz social-democrata, com suas consistentes politicas sociais, como uma alternativa ao comunismo dominante na “outra Europa”, a Oriental, sob a batuta da hoje extinta União Soviética. Entretanto, ela foi criada formalmente pelo Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992 e em vigor a partir de novembro do ano seguinte. Nesta altura, a União Soviética já não existia, o mundo comunista se esboroava e a hegemonia do pensamento social-democrata na Europa entrava em declínio. Em seu lugar crescia a hegemonia do pensamento neo-liberal, com seus planos de austeridade e o retraimento das políticas sociais, criando passo a passo uma sensação de insegurança e desamparo. A atual guerra na Ucrânia acentuou esta sensação, promovendo saltos inflacionários em toda a parte e empurrando o continente para um beco recessivo. Ou seja, a política economicamente conservadora que se impôs na União e na Europa do século XXI minou as bases dos políticos conservadores tradicionais, levando de roldão os social-democratas, verdes e socialistas que também foram enfraquecendo suas plataformas sociais. As esquerdas, divididas, não têm conseguido se afirmar como opção. As extremas direitas começaram a faturar votos, com suas bandeiras fáceis e simplistas de xenofobia, nacionalismos excludentes e dúvidas quanto a própria União.Seguindo uma triste tradição, diante de crises econômicas profundas a Europa volta a adernar para a direita radical e busca um culpado “diferente”. Antes foram os judeus; hoje são os muçulmanos, os imigrantes ou refugiados do “Sul do Mundo”. E os conservadores tradicionais se vêem diante do impasse: se forem mais para a direita, poderão ser engolidos pela extrema direita; se permanecerem onde estão, pode lhes suceder o mesmo… Poderão dar um salto mágico, mudando suas políticas e sua forma de pensar, contribuindo para a sobrevivência de uma Europa democrática? Só podemos glosar o poeta português Fernando Pessoa:  “Tudo é incerto e derradeiro/Tudo é disperso, nada é inteiro/Ó Europa, hoje és nevoeiro”.
3/18/20246 minutes, 41 seconds
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Trajetória dos Republicanos gera temor para a democracia dos EUA

No tumultuado cenário da política moderna, onde a integridade pessoal e a lealdade partidária frequentemente colidem, o endosso de Mitch McConnell à candidatura presidencial de Donald Trump representa uma profunda ilustração dessa inquietante tendência. Thiago de Aragão, analista políticoEsse endosso, aparentemente em desacordo com as críticas anteriores de McConnell a Trump — especialmente após o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro — marca um momento decisivo na trajetória do Partido Republicano e levanta graves preocupações sobre o estado da democracia americana e os compromissos éticos que os líderes estão dispostos a fazer em busca do poder.Como figura reverenciada no Senado, conhecido por sua destreza estratégica e perspicácia política, McConnell parece ter subordinado os princípios morais e democráticos à lealdade partidária e ao canto sedutor do domínio político. Sua inicial condenação do papel de Trump no ataque ao Capitólio havia sublinhado um compromisso em salvaguardar a integridade da democracia americana. No entanto, seu posterior endosso revela uma contraditória marcante, destacando uma disposição em ignorar ações condenadas em prol da conveniência política. Talvez o mais perturbador seja a disposição de McConnell em abraçar Trump, apesar dos ataques pessoais do ex-presidente contra ele e sua família, incluindo insultos racistas direcionados a sua esposa, Elaine Chao. Essa prontidão em ignorar tais profundos insultos pessoais em nome do alinhamento político ilustra um aspecto desolador da política contemporânea: o valor decrescente atribuído à dignidade pessoal, ao respeito e aos padrões éticos. Essa dinâmica transcende o cálculo individual de McConnell e simboliza uma tendência mais ampla, onde os imperativos da sobrevivência política parecem se sobrepor aos princípios fundamentais.Os fins justificam os meiosA transição da oposição principista para o endosso relutante é indicativa das poderosas forças da pressão política e do temor da ostracização dentro das fileiras partidárias. As manobras de McConnell sugerem uma priorização estratégica das perspectivas eleitorais do GOP, aparentemente à custa da saúde mais ampla da democracia americana. A mensagem implícita é inquietante: os fins justificam os meios, mesmo que esses meios impliquem um comprometimento dos ideais democráticos e dos padrões éticos que os líderes supostamente se comprometem a defender.Além disso, o apoio de McConnell a Trump, em meio à retórica divisiva em curso e após um prolongado período de não comunicação, incita a reflexão sobre o papel da liderança na moldagem do discurso político e da direção partidária. Esse endosso tacitamente sinaliza um retorno à política contenciosa e polarizadora que marcou o mandato de Trump, com pouca consideração pelas potenciais repercussões de longo prazo tanto para o partido quanto para a nação. A surpresa não é o apoio de um ex-Presidente do Senado a Trump, mas particularmente de Mitch McConnell a Trump. Esse cenário não é meramente uma questão de realinhamento político, mas um reflexo dos desafios que enfrentam a governança democrática. Ilustra como a estratégia política e a busca pelo poder podem eclipsar os compromissos com os princípios democráticos e a conduta ética. O endosso de McConnell não é apenas uma manobra política, mas uma manifestação dos profundos dilemas éticos e democráticos que a sociedade americana enfrenta.A postura de McConnell serve como um duro lembrete de um cenário político onde o poder frequentemente prevalece sobre o princípio. Como participantes desse experimento democrático, é imperativo avaliar criticamente as motivações e ações de nossos líderes, conscientes do impacto significativo que essas decisões têm na integridade e no futuro da democracia americana. A verdadeira vergonha da posição de McConnell não reside apenas em sua contradição inerente, mas na mensagem mais ampla que transmite sobre o sistema político americano — um sistema em que ganhos políticos de curto prazo são buscados à custa dos valores democráticos de longo prazo e da governança ética. Principalmente após as falas públicas de McConnell contra Trump e de Trump contra McConnell e sua esposa. 
3/11/20243 minutes, 54 seconds
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Relatório aponta ameaças contra ativistas dos direitos humanos na Europa

Intimidação, ameaças com armas de fogo, telefones grampeados, criminalização de ativistas dos direitos humanos. Não, não estamos falando de acontecimentos em alguma ditadura na América Latina, África ou Ásia. Estamos nos referindo a denúncias de práticas que estão ocorrendo no coração da Europa democrática. Flávio Aguiar, analista políticoA denúncia consta de relatório recentemente divulgado por Dunja Mijatovic, desde 2018 Alta Comissária eleita do Conselho Europeu de Direitos Humanos, que faz parte da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. Apesar do nome, esta organização atua também na América do Norte e na Ásia.Nascida na Bósnia e professora da Universidade de Sarajevo, especialista em regulação da mídia e liberdade de expressão, Dunja Mijatovic tem um longo currículo de atuação em favor dos direitos humanos em organizações europeias.Em seu relatório, ela denuncia que diferentes governos do continente europeu vêm tomando atitudes ameaçadoras contra ativistas e organizações que militam na proteção dos direitos de refugiados, asilados ou solicitantes de asilo e migrantes em geral.A denúncia destaca que o problema é agudo em países como Hungria, Grécia, Lituânia, Itália, Croácia e Polônia.  "Adversárias"Tais ativistas e organizações não governamentais são percebidas muitas vezes oficialmente como “adversárias” de políticas que visam restringir ou coibir a vinda de migrantes legais ou ilegais para a Europa, sobretudo se oriundos de países da África, do Oriente Médio ou da Ásia. Este enfoque fragiliza os direitos dos ativistas e dos migrantes, facilitando que se tornem alvo de todo o tipo de intimidação e ameaças.Não raro são vítimas de espancamentos, vandalismo, incêndios criminosos, destruição de equipamentos e veículos e até ataques com bombas, como o que ocorreu em 5 de janeiro contra a Kisa, uma ONG de direitos humanos que atua no Chipre. Em 2020, a Kisa teve seu credenciamento cancelado pelo governo cipriota por tecnicalidades burocráticas, o que foi alvo de denúncias também pela organização Human Rights Watch e pela representante local da Anistia Internacional. Tais casos se agravam pela crescente militarização da vigilância contra os migrantes nas fronteiras de diferentes países, com a construção de cercas, muros e o envio de tropas de exército para estas regiões.Este aspecto é tema do filme “Zielonica Granica”, “Fronteira Verde”, dirigido pela cineasta polonesa Agnieszka Holland. O filme acompanha refugiados provenientes da Síria e do Afeganistão, que se veem prisioneiros de um conflito político entre os governos da Belarus e da Polônia na fronteira entre os dois países, perseguidos violentamente pelas forças policiais de ambos.Tais denúncias se referem também a episódios de falta de socorro aos refugiados que tentam atravessar o mar Mediterrâneo da África para a Europa, e ao estímulo de políticas repressivas em países como a Líbia e a Tunísia.O caso se complica porque existe uma política oficial de desestímulo às migrações provenientes do “Sul do mundo” por parte de autoridades da União Europeia, além de uma pressão por mais repressão contra os migrantes por parte de partidos de extrema direita em vários países do continente.Muitas organizações e ativistas de direitos humanos denunciam que há um traço adicional de racismo em tais políticas repressivas, uma vez que elas contrastam com a calorosa recepção oferecida nestes países aos refugiados ucranianos porque estes “são europeus como nós”: esta é a “vox populi” recorrente nestes casos.
3/4/20244 minutes, 23 seconds
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Opinião: Vladimir Putin precisa de Donald Trump mais do que nunca

À medida que o mundo acompanha o desenrolar da eleição presidencial na Rússia, prevista para o mês de março, fica claro que 2024 pode ser um ano estratégico para Vladimir Putin. A eleição, que deve estender o governo de Putin até a década de 2030, parece ser mais uma formalidade constitucional do que um concurso democrático, com o sistema eleitoral russo firmemente sob o controle do presidente. Thiago de Aragão, analista políticoDiante deste cenário, a possibilidade do retorno de Donald Trump à Casa Branca poderia significativamente realçar a posição geopolítica de Putin, especialmente em relação à guerra em andamento na Ucrânia e a paisagem mais ampla das relações internacionais.A potencial presidência de Trump pesa enormemente sobre o futuro da política externa dos EUA, particularmente em relação à Rússia e à Ucrânia. Seu mandato anterior foi marcado por uma postura notavelmente suave em relação a Putin, levantando preocupações entre aliados internacionais sobre a consistência do apoio dos EUA sob sua liderança.Trump sugeriu abertamente que consideraria retirar o apoio à Ucrânia em sua guerra contra a agressão russa, uma medida que, sem dúvida, inclinaria o equilíbrio a favor das ambições de Putin no Leste Europeu. Recentemente disse que a Rússia poderia ter caminho livre para fazer o que quisesse com os países da OTAN que não pagassem mais para estar dentro da aliança. Para Putin, a vitória de Trump nas eleições dos EUA poderia representar uma oportunidade de avançar os interesses russos com menos restrições. A perspectiva de uma presidência de Trump também abre a porta para a Rússia aprimorar sua relação com a China, fortalecendo ainda mais a aliança entre Moscou e Pequim. Esta parceria em ascensão poderia ser significativamente reforçada pela abordagem isolacionista de Trump, que no passado incluiu ceticismo em relação à OTAN e ambivalência sobre compromissos militares dos EUA no exterior.Além disso, a abordagem de Trump à política externa poderia levar a um enfraquecimento das relações com a Europa, bem como com muitos aliados asiáticos. Tal mudança alinharia perfeitamente com os objetivos estratégicos de Putin, pois um Ocidente dividido e distraído proporcionaria à Rússia maior latitude para afirmar sua influência não apenas em sua vizinhança imediata, mas também no palco global.A postura suave em relação a Putin que Trump provavelmente adotaria, combinada com suas tendências ao isolamento, serviria assim para realinhar alianças globais e estruturas de poder de maneiras que poderiam ser altamente vantajosas para a Rússia. Ao criar uma divisão entre os Estados Unidos e seus aliados tradicionais, e ao diminuir potencialmente o papel dos EUA em arranjos de segurança internacional, as políticas de Trump poderiam inadvertidamente fortalecer a parceria estratégica entre Rússia e China, apresentando um contrapeso formidável à influência ocidental.Este potencial realinhamento teria implicações profundas para a estabilidade global e a ordem internacional. Com a Europa potencialmente distanciada dos EUA e aliados asiáticos reavaliando seus compromissos de segurança, Putin poderia se encontrar em uma posição significativamente fortalecida para perseguir suas ambições regionais e globais, sabendo que se trataria de uma oportunidade única e boa demais para deixar passar. Este cenário seria um vento favorável estratégico para a Rússia, permitindo a Putin capitalizar em mudanças geopolíticas que colocariam a Rússia num papel de influência, além de projetar ambições ainda maiores com aliados poderosos como a China. À medida que esses eventos se desenrolam, a comunidade internacional deve permanecer vigilante, compreendendo que os resultados dessas eleições têm implicações de longo alcance além das fronteiras nacionais. A possibilidade de uma postura mais suave dos EUA em relação a Putin sob Trump, combinada com um eixo Rússia-China mais forte, poderia encorajar regimes autoritários, desafiar instituições democráticas e remodelar a ordem global com consequências duradouras para a paz e segurança internacionais.
2/26/20244 minutes, 37 seconds
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Trump ameaça a Otan e coloca a Europa em alerta

Em uma demonstração do que só pode ser descrito como uma aula de imprudência diplomática, Donald J. Trump, o ex-presidente dos EUA que aspira retornar à Casa Branca, mais uma vez conseguiu deixar a comunidade global boquiaberta. Desta vez, sugerindo que prefere sacrificar o compromisso de defesa coletiva da Otan, se isso atender aos seus caprichos. Thiago de Aragão, de WashingtonEm um comício recente, Trump propôs, de maneira descompromissada, dar à Rússia luz verde para "fazer o que bem entender" com os países da Otan que não abrem suas carteiras o suficiente, virando as costas efetivamente para décadas de compromissos dos EUA em apoiar seus aliados. Essa nova abordagem da política externa bem que poderia enviar o delicado equilíbrio da diplomacia global para fora de seu eixo.Jens Stoltenberg, o Secretário-Geral da Otan, juntamente com um coro de líderes globais e a própria Casa Branca, foram rápidos em condenar as declarações de Trump, classificando-as de "terríveis" a "desconexas". Parece que a disposição de Trump para arriscar a segurança global em favor de ganhar pontos políticos não passou despercebida. Sua visão transacional das alianças internacionais — reduzindo a complexa dança da política global a meros sinais de dólar — demonstra um profundo mal entendido tanto do conceito de segurança coletiva quanto da importância estratégica da unidade, conforme delineado no Artigo 5 do tratado da Otan.Em um momento em que a Otan está ampliando seus horizontes para lidar com ameaças da China e fortalecer laços com nações no Indo-Pacífico, a retórica divisiva de Trump não poderia estar mais deslocada. Ela ameaça minar a confiança e cooperação cruciais para enfrentar tudo, desde a agressão russa até os desafios estratégicos impostos pela China. Além disso, à medida que a Otan se solidariza com a Ucrânia contra a invasão russa, a atitude despreocupada de Trump em relação aos princípios fundamentais da aliança encoraja agressores e sinaliza uma potencial fratura na frente unida da Otan — uma perspectiva tão alarmante quanto perigosa.Resumindo, a mais recente incursão de Trump na política externa parece menos uma estratégia bem pensada e mais uma aposta de alto risco com a segurança do mundo inteiro. É um lembrete contundente de que o mundo poderia dispensar um líder cuja ideia de construção de alianças é semelhante a escolher times em um jogo de escola, com pouca consideração pelas consequências. À medida que o mundo enfrenta desafios sem precedentes, a importância de alianças sólidas como a Otan, construídas sobre o suporte e defesa mútuos, nunca foi tão clara.
2/12/20244 minutes, 46 seconds
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Cresce inquietação social na Europa, onde protestos dos setores de transportes e agrícola assombram

A Europa continental foi cenário nos últimos dias de um crescimento exponencial dos protestos sociais, sobretudo nos transportes e no setor agrícola.  Flávio Aguiar, analista políticoNa Alemanha houve a paralisação sucessiva do sistema ferroviário nacional, dos aeroportos e por fim do transporte urbano em Berlim durante algumas horas da manhã de sexta-feira passada. O motivo: reivindicações salariais e de melhores condições de trabalho.A Covid-19 deixou de ser o fantasma fatal de tempos atrás, mas continua penalizando trabalhadores que se vêm impossibilitados de desempenhar suas funções, sobrecarregando os demais. E conta, nesta época do ano, com seu aliado o inverno europeu, que, com fortes resfriados, também vai levando trabalhadores ao repouso forçado.Na Finlândia também houve uma paralisação total na semana, que passou com sindicatos de várias categorias protestando contra um projeto do governo conservador que visa restringir o direito de greve e reduzir o seguro-desemprego. A paralisação atingiu sobretudo o sistema de transporte público.Mas a estrela da semana foi mesmo o setor agrícola. O movimento começou na Alemanha, onde os agricultores paralisaram, com seus tratores, estradas e o acesso a vilas e cidades. Logo ele se alastrou por quase toda a Europa continental, da Polônia à Península Ibérica, com fortes manifestações na França e em Bruxelas, na Bélgica, onde os manifestantes atearam fogueiras diante da sede executiva da União Europeia.Agricultores cercaram ParisNa França, os agricultores ameaçaram cercar e isolar Paris. Não chegaram a tanto, mas entre protestos e até prisões de manifestantes, conseguiram mobilizar o governo de Emmanuel Macron, que se prontificou a lutar contra a aprovação do acordo de livre-comércio com o Mercosul e rever as novas limitações que pretendia impor ao uso de agrotóxicos, o que provocou novos protestos, desta vez dos ecologistas. Além disto, a União Europeia se comprometeu a investir mais algumas centenas de milhões de euros em subsídios ao setor.Além de se sentirem ameaçados pela temida concorrência com os agricultores do Mercosul, a insatisfação dos europeus têm outros motivos. Dados oficiais dizem que 15% de sua renda vem dos subsídios governamentais e da UE para o setor.Os agricultores alegam que tal subsídio vem se mostrando insuficiente para enfrentar a alta da inflação, sobretudo no custo dos combustíveis, principalmente o diesel, e dos fertilizantes, cuja alta deriva de sua relativa escassez graças à guerra na Ucrânia. Protestam também diante do que veem como uma concorrência ameaçadora por parte dos produtos agrícolas deste país, isentos de impostos pela União Europeia como forma de ajudá-lo na guerra com a Rússia.Outro ponto de desacordo está nas limitações ecológicas que, segundo os agricultores, encarecem demasiadamente seus produtos. O movimento põe em risco as medidas de proteção ao meio ambiente adotadas dentro da UE.Insatisfação persisteA insatisfação e os protestos ameaçam continuar, apesar das medidas atenuadoras de governos e da UE, e se alastrar a outras categorias. Oficialmente o continente europeu, como um todo, não está em recessão econômica, embora sua principal economia, a alemã, esteja. Mas a crise é um fato inarredável do cotidiano, liderada pelos custos dramaticamente crescentes da energia, dos alimentos, e das despesas com saúde e habitação.No outro lado do Canal da Mancha, no Reino Unido, os protestos no setor da saúde são constantes e a crise econômica ameaça a hegemonia do Partido Conservador, no poder desde 2010.Politicamente, na Europa Continental nota-se uma tentativa, por parte dos partidos de extrema direita, como o Rassemblement National na França e o Alternative fúr Deutschland na Alemanha, no sentido de capitalizar a insatisfação e os protestos, sobretudo dos agricultores, vistos como um setor mais conservador do que os trabalhadores urbanos.Em breve haverá uma possibilidade de medir se terão sucesso ou não, com as eleições para o Parlamento Europeu em junho deste ano.
2/5/20244 minutes, 47 seconds
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Ataque com drones na Jordânia mostra mudança na dinâmica de poder no Oriente Médio

O recente ataque com drones na Jordânia, que resultou na morte de três militares americanos, marca uma escalada significativa nas tensões do Oriente Médio. A crise, que vem se acentuando nos últimos meses, exige uma análise matizada e uma reavaliação estratégica. Thiago de Aragão, analista políticoDo ponto de vista geopolítico, o ataque, reivindicado pela Resistência Islâmica no Iraque, uma aliança de grupos armados pró-Irã, não é apenas mais um incidente na longa história deste conflito regional. O incidente representa uma mudança crucial na dinâmica de poder no Oriente Médio. O alvo de um posto militar dos Estados Unidos perto da fronteira entre a Jordânia e a Síria, conhecido como Torre 22, sublinha a expansão do raio de ação das milícias apoiadas pelo Irã e sua disposição para confrontar diretamente os interesses dos Estados Unidos na região.A resposta de Washington, conforme expressa pelo presidente Joe Biden e pelo secretário de Defesa Lloyd Austin, sugere uma reação militar inevitável. No entanto, como analista político, argumento que este incidente necessita de uma reflexão mais profunda sobre as implicações mais amplas da estratégia militar dos Estados Unidos no Oriente Médio.A presença americana na região, há muito tempo justificada com base no combate ao terrorismo e na estabilização do Oriente Médio, muitas vezes se depara com complexidades que desafiam respostas militares tradicionais. O ataque na Jordânia exemplifica a intrincada teia de política regional, onde o engajamento militar americano, embora destinado a deter ameaças, muitas vezes se enreda em lutas de poder locais e regionais.Risco de escalada de tensãoAo considerarmos as possíveis repercussões de uma resposta militar de Washington, o risco de uma escalada adicional não pode ser ignorado. A retaliação, embora satisfaça os chamados imediatos por justiça, poderia mergulhar a região em um conflito mais profundo. Também poderia fornecer material para o sentimento antiamericano, frequentemente explorado por grupos como os responsáveis pelo ataque na Jordânia.Além disso, este incidente deve provocar uma reavaliação da estratégia de longo prazo dos Estados Unidos no Oriente Médio. A abordagem tradicional do poder militar, embora essencial em certos contextos, precisa ser complementada com iniciativas diplomáticas e uma compreensão mais profunda das dinâmicas sociopolíticas da região. O envolvimento com aliados regionais, estratégias de resolução de conflitos e o enfrentamento das causas raízes da instabilidade devem ser parte integrante desta reavaliação.O papel dos atores regionais, como a Arábia Saudita e Israel, na formação das políticas dos Estados Unidos no Oriente Médio, também merece atenção. Seus interesses geopolíticos e dinâmicas com o Irã influenciam significativamente a estabilidade regional e, por extensão, a política externa americana. Uma abordagem matizada, considerando essas perspectivas regionais, é crucial na formulação de uma resposta que não apenas aborde a ameaça imediata, mas também contribua para a estabilidade de longo prazo na região.Em conclusão, o ataque de drone na Jordânia é mais do que um chamado às armas: é um chamado para a introspecção estratégica e recalibração da política dos Estados Unidos no Oriente Médio. Este incidente oferece uma oportunidade para Washington redefinir seu papel e abordagem em uma região que continua sendo um ponto quente geopolítico global.
1/29/20244 minutes, 27 seconds
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Dois ausentes dominaram o Fórum Econômico Mundial em 2024: Trump e Putin

Na semana passada realizou-se a 54ª edição do encontro anual promovido pelo Fórum Econômico Mundial na cidade de Davos, nos Alpes suíços. O Fórum Econômico Mundial é uma Organização Não-Governamental criada em 1971 pelo empresário e professor de Economia Klaus Schwab, de nacionalidade alemã, com sede na cidade de Cologny, também na Suíça, perto de Genebra. Schwab preside a ONG e o encontro até hoje. Flávio Aguiar, analista políticoEntre os objetivos da ONG está o de promover iniciativas de governança global baseadas em princípios do liberalismo econômico. Para tanto reúne anualmente cerca de 3.000 empresários, governantes, acadêmicos, lideranças globais, jornalistas e demais “influenciadores” (para usar uma palavra da moda) que durante cinco dias debatem temas da atualidade em centenas de mesas.Com a queda do muro de Berlim em 1989 e a dissolução da União Soviética em 1991, o Fórum de Davos tornou-se uma "menina dos olhos" do capitalismo triunfante na Guerra Fria. Naquele momento, o cientista político norte-americano Francis Fukuyama chegou a proclamar o “fim da história”, afirmando que o capitalismo liberal do Ocidente e sua forma de democracia eram o estado social definitivo da humanidade.Ao lado dos entusiastas do Fórum Econômico Mundial cresceram também seus críticos, vendo nele a formação de uma elite “desnacionalizada” sem compromissos sociais que não os de natureza apenas retórica. Fruto destas críticas nasceu seu contraponto, o Fórum Social Mundial, criado em 2001 em Porto Alegre, no Brasil. O FSM reuniu desde sempre um número expressivo de ONGs, sindicalistas, militantes de movimentos sociais e políticos em geral de esquerda. Já na sua primeira edição o FSM reuniu cerca de 20.000 participantes.Em alguns momentos em que as datas de realização dos dois fóruns coincidiram, chegou a acontecer um diálogo virtual entre os participantes de cada um. Neste ano o FSM se reunirá no Nepal, na Ásia, entre 15 e 19 de fevereiro. Aliás, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, é dos poucos líderes mundiais com presença marcante em ambos os Fóruns, embora estivesse ausente nesta edição do de Davos em 2024.Inteligência ArtificialDesta vez, vários comentaristas concordaram que a grande estrela dos debates foi a Inteligência Artificial, suas vantagens, conquistas e também seus problemas. Ressaltou-se a sua capacidade relâmpago de criar “fake news” e mundos imaginários num ano em que processos eleitorais de grande alcance envolvem 40% da humanidade, em todos os continentes regularmente habitados.Também foram marcantes as presenças do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, como sempre passando seu chapéu em busca de financiamento e mais armas para a guerra de seu país contra a Rússia, e a do recém-empossado presidente da Argentina, o ultra-liberal Javier Milei, propagandeando seu anarco-capitalismo e chegando ao ponto de afirmar que o próprio Fórum de Davos se apresentava contaminado por algo que chamou de “coletivismo” e “socialismo” - coisa que provocou aplausos e risos ao mesmo tempo.Mas houve duas outras "presenças marcantes" nas mesas, nos corredores e nos encontros sociais do Fórum: os ausentes Donald Trump e Vladimir Putin. Trump foi uma espécie de aparição fantasmagórica, com o risco de seu retorno à Casa Branca e seus princípios de “America First” e desprezo por fóruns internacionais - o que, de certo modo, inclui Davos. Por outro lado, Putin - que já foi convidado ao Fórum e dirigiu-lhe a palavra em 2009 - foi eleito pelos comentários gerais como o inimigo n* 1 dos princípios de Davos.Foi tal a hostilidade em relação ao presidente russo que circulou nos corredores, de modo insistente, a proposta de expropriar os 350 bilhões de dólares das reservas internacionais da Rússia para aplicá-los na guerra e na recuperação da Ucrânia.Uma ideia semelhante já ocorrera antes em relação às reservas em ouro da Venezuela no Banco da Inglaterra, para entregá-las ao então líder oposicionista Juan Guaidó, hoje desacreditado por seus próprios ex-seguidores. Tais propostas contêm um paradoxo. Aparentemente a expropriação de capitais, uma prática antes defendida por organizações revolucionárias de esquerda, passou a ser uma bandeira seletiva de lideranças do Ocidente capitalista, para ser aplicada contra quem considerem um inimigo.
1/22/20245 minutes, 15 seconds
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Do clima à geopolítica mundial, 2024 será um ano de extremos

Em 2024, a alta da temperatura mundial deverá bater novo recorde e o ano será marcado por novos eventos climáticos extremos. Será também um ano de turbulências na geopolítica e economia mundiais, acredita o analista de política internacional da RFI. Flávio Aguiar, analista políticoTodos os meteorologistas concordam quanto à previsão de que 2024 será um ano mais quente do que 2023, que já foi o ano mais quente da história pelo menos desde que os registros regulares de temperatura começaram a ser feitos no século 19.Há divergências quanto ao nível de aumento da temperatura. Os mais extremados afirmam que 2024 pode ser o ano em que a média dos 12 meses ultrapasse 1,5°C acima da chamada média pré-industrial. O limite de 1,5°C foi o acordado em Paris, no ano de 2015, para impedir uma catástrofe climática maior, que aumente o risco de vida do nosso já combalido planeta.De todo modo, se aquela previsão se confirmar, 2024 será, como 2023, um ano marcado por excessos: inundações, ciclones, avalanches de neve e deslizamentos de terra em toda parte.Brics ampliadoA economia mundial promete também alguns confrontos aquecidos. O ano começa com a expansão do grupo conhecido como Brics, que até agora reunia Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Passam a integrá-lo o Irã, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, a Etiópia e o Egito.Apesar da desistência da Argentina de Javier Milei, que preferiu não entrar no bloco por razões ideológicas, esse Brics ampliado passa a representar 36% do Produto Nacional Bruto contra 31% do G7, grupo que reúne as nações mais ricas e industrializadas do planeta. O novo grupo representa 46% da população mundial, contra 10% do G7, e produz 40% do óleo bruto e gás do mundo.São países muito diferentes entre si, mas que desejam implementar um banco alternativo ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, além de desejarem instituir novas moedas de negociação internacional, para além do dólar norte-americano.Disputas eleitorais2024 será marcado também por grandes disputas eleitorais nacionais em quatro dos cinco continentes. A exceção fica por conta da Oceania.Nas Américas, haverá eleição nos Estados Unidos e a questão que se coloca neste momento é se Donald Trump poderá participar ou não da votação. Também haverá eleição no México, onde pela primeira vez duas mulheres disputarão a presidência: Claudia Sheinbaum, pelo partido no poder de esquerda, e Xóchitl Gálvez, pela oposição de direita. Haverá ainda eleições gerais no Uruguai e na Venezuela.Na África, eleições gerais  ou presidenciais acontecem na Argélia, Moçambique, Tunísia e África do Sul. Na Ásia será a vez da Indonésia, Irã, Paquistão, Taiwan e Índia, onde o partido do primeiro-ministro Narendra Modi enfrentará uma frente unificada dos 26 partidos de oposição.Na Europa ocorrem eleições gerais na Bélgica, Áustria, Finlândia, Geórgia, Islândia e Portugal. Em junho haverá eleição para o Parlamento Europeu, prevendo-se o crescimento da bancada de extrema direita.Na Rússia, país que ocupa dois continentes, haverá eleição presidencial em março, com Vladimir Putin tentando seu quinto mandato.GuerrasProsseguem as duas principais guerras do momento. Na Europa, a da Ucrânia versus Rússia, com dúvidas sobre se prevalecerá no mesmo nível o apoio financeiro e bélico dos países da Otan ao governo de Kiev.No Oriente Médio, o conflito entre Israel e o grupo Hamas já provocou mais de mil mortos civis israelenses e duas dezenas de milhares de mortos civis em Gaza, sobretudo de mulheres e crianças. A situação humanitária no enclave palestino é terrível.E o novo ano começou mal para o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu governo de extrema direita. No dia 1° de janeiro, o Supremo Tribunal de Israel declarou inconstitucional a projetada reforma do sistema judicial do país, que retiraria poderes do judiciário em favor dos poderes executivo e legislativo.Não há ainda um horizonte de paz ou pelo menos de cessar-fogo para essas duas guerras.Paris 2024Para sairmos do âmbito catastrófico, vale registrar que Paris sediará dois eventos de importância mundial, um no campo esportivo e outro no artístico.Em julho e agosto a capital francesa será a sede dos Jogos Olímpicos de Verão. No correr do ano, o Musée d’Orsay oferecerá uma exposição comemorativa dos 150 anos do lançamento da arte impressionista, um evento que reuniu pintores rejeitados pelo Salão Oficial de Paris da época, com nomes como Renoir, Monet, Cézanne, Degas, Sisley, Pissarro, Sisley, Guillaumin e Morisot. A exposição de 1874 aconteceu no salão do fotógrafo Nadar.Como começamos esta resenha de previsões para este ano falando do meio ambiente, lembremos, para terminar, que diversas associações e agências governamentais prometem atacar de frente o acúmulo de plásticos nos oceanos e de microplásticos em toda parte, outra ameaça grave à saúde humana e ao planeta.
1/8/20245 minutes, 48 seconds
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2023: um ano marcado por guerras e extremos

2023 termina como um ano marcado por extremos, para onde quer que se olhe. Guerras e conflitos armados, internacionais e intranacionais, ou sua ameaça, estiveram e estão presentes em todos os cinco continentes regularmente habitados. Dois destes conflitos se destacaram durante este ano. São: a já prolongada guerra na Ucrânia, envolvendo diretamente este país e a Rússia e indiretamente os aliados e fornecedores de armamentos e recursos para o primeiro; e a guerra recentemente iniciada ou reiniciada entre Israel e o grupo Hamas, conflito que também arrisca ser prolongado. Flavio Aguiar, analista políticoA guerra na Ucrânia entrou num impasse. O ano começou com uma planejada contraofensiva por parte da Ucrânia, que prometia ser espetacular. Ela empacou, para dizer o mínimo, sem conseguir ganhos significativos até o momento. Na frente econômica e política, o conflito também empacou.As sanções econômicas e políticas impostas ao presidente Vladimir Putin e à Rússia não parecem ter abalado nem o prestígio interno daquele nem o desempenho desta. Ambos se aproximaram mais da China e as sanções não contam com um apoio significativo de países fora do círculo dito ocidental, liderado pelos Estados Unidos.Além disso, a guerra na Ucrânia se viu ofuscada pela emergência do segundo conflito entre Israel e o Hamas. No momento, o governo de Kiev luta por manter-se à tona nas atenções mundiais, diante da fadiga provocada pelo prolongamento do conflito, seu alto custo financeiro e a falta de ganhos significativos no campo de batalha.Israel x HamasA guerra entre Israel e o Hamas começou desta vez pelo ataque terrorista deste grupo em 7 de outubro, invadindo aquele país e produzindo cerca de 1.200 mortos, na maioria civis israelenses. O ataque provocou uma reação imediata de apoio a Israel.Entretanto, este apoio vem perdendo força rapidamente, devido à brutalidade e a extensão da resposta do governo de Benjamin Netanyahu, atingindo de modo indiscriminado a população civil da Faixa de Gaza e também, ainda que em menor escala, na Cisjordânia ocupada, provocando cerca de duas dezenas de milhares de vítimas fatais, em grande parte crianças e mulheres.Também chama a atenção o elevado número de mortes entre médicos, paramédicos e jornalistas em Gaza, além da destruição de grande parte da sua infraestrutura e do deslocamento forçado de sua população civil.Na Europa, este conflito estimulou a intensificação do tradicional antissemitismo contra judeus e suas instituições, como sinagogas e cemitérios, mas também estimulou a islamofobia. Esta última forma de intolerância ganhou mais força graças à tendência, em quase todo o continente, de partidos e movimentos de extrema direita para “cancelar” seu passado antissemita e aproximar-se de Israel.Por outro lado, em muitos países europeus registraram-se manifestações massivas em favor dos direitos dos palestinos e de um cessar-fogo humanitário em Gaza. Muitas vezes esses manifestantes foram reprimidos pela polícia e condenados por autoridades sob a alegação de que supostamente abririam espaço para manifestações em favor do Hamas ou antissemitas.A extrema direita continuou crescendo na Europa, em duas frentes. Em eleições, ela vem ganhando cada vez mais espaço e votos, como na Holanda, onde o Partido da Liberdade, liderado por Geert Wilders, foi o mais votado no recente pleito nacional.Ao mesmo tempo, ela vem tendo sucesso em liderar a pauta anti-imigrantes e refugiados oriundos de fora do continente, com muitos países adotando medidas cada vez mais duras e restritivas contra eles. Por outro lado, ela perdeu o governo polonês, em favor de uma coligação mais próxima do centro, liderada por Donald Tusk.Inteligência Artificial e Meio AmbienteNa área tecnológica, 2023 foi um ano marcado pelas discussões éticas em torno do uso da chamada Inteligência Artificial. Louva-se seu uso prático em áreas como saúde e pesquisas científicas, dentre outras.Entretanto, manifesta-se preocupação pela possibilidade de seu uso repressivo no campo político, como as técnicas de reconhecimento facial, que podem abrir caminho para racismos e outras formas de discriminação. Neste mês de dezembro a Comissão e o Parlamento Europeu anunciaram que adotarão em breve um código de ética para o setor, que seria o primeiro no gênero em todo o mundo.Na frente climática, 2023 foi um ano marcado por um sem número de inundações no planeta, sintoma do crescente aquecimento global. A realização da COP28 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, renovou a esperança de que algo venha de fato a ser feito para contê-lo. Apesar da timidez dos termos da declaração final, foi a primeira vez em que o tema dos combustíveis de origem fóssil e de seus problemas esteve no centro das atenções. Por último, mas não menos importante nesta rápida resenha de 2023, cabe registrar o retorno significativo do Brasil à cena política mundial, depois dos anos de ostracismo e isolamento, devido à  mediocridade da política externa do governo anterior.
12/25/20235 minutes, 45 seconds
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As lições do fracasso do processo constituinte para a democracia no Chile

No dia 17 de dezembro de 2023, os chilenos rejeitaram, por uma margem de 56% a 44%, a proposta de nova Constituição elaborada pelo Conselho Constitucional. Este é o segundo fracasso consecutivo de um processo constituinte no país, após o resultado negativo do plebiscito de 2022. Thiago de Aragão, analista políticoA rejeição da nova proposta da Constituição é um duro golpe para a democracia chilena. Ela reflete a profunda polarização política que o país vive, bem como a crescente desconfiança da população nas instituições democráticas. Existem algumas lições importantes que podemos tirar desse processo no Chile.A primeira lição é que a polarização extrema mina a confiança cidadã na real importância das transformações propostas. No caso chileno, as propostas apresentadas pela Assembleia Constituinte em 2022 e 2023 foram extremamente polarizadas, com uma visão radical de esquerda e outra radical de direita. Essa polarização, juntamente com o abandono da proposta apresentada em 2018, contribuiu para minar a fé dos cidadãos na real importância das transformações propostas.A polarização é um fenômeno comum em democracias representativas, mas ela pode ser especialmente prejudicial em processos constituintes. Isso ocorre porque as constituições são documentos que buscam estabelecer um consenso sobre os valores e princípios que regem uma sociedade. Quando a polarização é extrema, torna-se difícil encontrar um denominador comum que seja aceito por uma maioria significativa da população.Fake newsA desinformação é outro desafio importante. A campanha eleitoral para o plebiscito foi marcada pela disseminação de notícias falsas e boatos sobre a proposta constitucional. Isso contribuiu para confundir a população e dificultar o processo de tomada de decisão.Esse processo de fake news é disseminado por uma variedade de atores, incluindo políticos, grupos de interesse e indivíduos. Ela é facilitada pelo uso das mídias sociais, que permitem a rápida disseminação de informações sem validade alguma.O resultado do plebiscito também reflete a crescente desconfiança da população nas instituições democráticas. A Constituição de 1980, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet, é amplamente considerada ilegítima pela população. O processo constituinte de 2020-2022 foi visto por muitos como uma oportunidade de corrigir os erros do passado.No entanto, o fracasso do processo constituinte agravou a crise de confiança. Muitos chilenos acreditam que as elites políticas são incapazes de produzir um texto constitucional que seja aceitável para a maioria da população.A segunda lição é que a necessidade de os partidos políticos consolidarem sua presença territorial e entenderem melhor as necessidades cidadãs é urgente. O processo constituinte se encerrou com milhões de chilenos optando por partidos como a Lista del Pueblo, de esquerda radical, e o Partido Republicano, de extrema direita, mostrando um vazio político em busca de referências sólidas.A legitimidade da democracia representativa depende da representação efetiva dos interesses dos cidadãos. Quando os partidos políticos não conseguem conectar-se com as preocupações da população, eles perdem a legitimidade e a confiança dos cidadãos.No caso chileno, a polarização do processo constituinte contribuiu para a fragmentação do sistema partidário. Isso tornou mais difícil para os partidos políticos representarem os interesses da população de forma efetiva.Crise de confiançaO fracasso do processo constituinte é um momento de reflexão para a democracia chilena. O país precisa encontrar uma forma de superar a crise de confiança e de fortalecer as instituições democráticas.Uma possível solução seria retomar o processo constituinte, mas desta vez com um enfoque mais moderado e consensual. Os partidos políticos deveriam deixar de lado suas diferenças ideológicas e se concentrar nos temas que unam a maioria dos chilenos.Outra possível solução seria continuar reformando a Constituição de 1980 de forma gradual. Essa opção seria mais realista, já que seria mais fácil alcançar um consenso entre os partidos políticos. As reformas poderiam incluir medidas para fortalecer os direitos humanos, os direitos sociais e a democracia representativa.Qualquer solução que for adotada, é importante que o processo seja transparente e participativo. A população deve ter a oportunidade de se envolver na discussão e de fazer suas vozes serem ouvidas.O fracasso do processo constituinte é uma oportunidade para a democracia chilena aprender com seus erros. Se os partidos políticos, as instituições públicas e a população puderem trabalhar juntos para superar a crise de confiança, o país poderá construir um futuro mais justo e equitativo para todos.A terceira lição é que as necessidades concretas dos cidadãos devem ser o foco central da ação política e ser atendidas com seriedade e eficácia. O governo deve mostrar resultados tangíveis, especialmente nas áreas de educação e segurança. Declarações pós-eleitorais dos líderes dos partidos devem ter correspondência em ações legislativas e na gestão de agendas colaborativas.A democracia representativa só é legítima se for capaz de atender às necessidades dos cidadãos. Quando o governo não consegue mostrar resultados tangíveis, ele perde a confiança dos cidadãos.No caso chileno, a rejeição da proposta constitucional foi em parte motivada pela percepção de que o processo não estava atendendo às necessidades dos cidadãos. A população chilena está preocupada com questões como desigualdade, acesso à educação e segurança pública. O governo chileno precisa mostrar resultados concretos na resolução desses problemas.O futuro da democracia chilena precisa de vários pontos de convergência entre governo e oposição, mas também de algumas renovações básicas para que a principal parte nessa equação democrática, a sociedade, entenda e participe sem depender de alucinações cada vez mais típicas da esquerda e da direita na América Latina. Reformar o sistema eleitoralO sistema eleitoral atual é majoritário, o que favorece a fragmentação política e dificulta a formação de maiorias estáveis. Uma reforma para introduzir um sistema proporcional seria mais favorável à representação da diversidade de opiniões da população.Fortalecer os partidos políticosOs partidos políticos são essenciais para a democracia, pois são responsáveis por organizar a representação dos interesses da sociedade. No entanto, os partidos políticos chilenos estão enfraquecidos, o que dificulta a formação de consensos. É preciso fortalecer os partidos políticos, tornando-os mais inclusivos e representativos da diversidade da sociedade.Promover a educação cívicaÉ importante que a população esteja informada sobre os seus direitos e deveres cívicos. A educação cívica deve ser promovida nas escolas e na sociedade civil, para que as pessoas possam participar ativamente da vida democrática.A democracia chilena está em um momento crítico. O fracasso do processo constituinte é um sinal de que o país precisa enfrentar desafios importantes. No entanto, também é uma oportunidade para a democracia chilena aprender com seus erros e construir um futuro mais justo e equitativo para todos. 
12/18/20234 minutes, 22 seconds
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Na Alemanha há censura por causa da guerra no Oriente Médio?

Uma guerra pode fazer todo tipo de vítimas, não apenas mortos e feridos no campo de batalha ou entre os civis próximos. A Alemanha se orgulha por ser um país de cena cultural aberta e livre, sobretudo depois da reunificação levada a cabo em 1991. Entretanto, no passado recente, artistas e intelectuais têm manifestado preocupação diante do que descrevem como um clima de “repressão” por acusações que consideram exageradas de antissemitismo, o que teria se acentuado a partir de outubro deste ano, com o conflito envolvendo o Hamas, o governo israelense, o ataque terrorista de 7 de outubro e o bombardeio e ocupação da Faixa de Gaza, com vítimas civis tanto do lado israelense quanto do palestino.  Flávio Aguiar, analista políticoA reclamação dos artistas e intelectuais alcançou repercussão internacional graças a um artigo no New York Review of Books (19/10/2023) e uma reportagem no The New York Times (7 e 8/12/2023). O artigo é assinado por Susan Neiman, de origem judaica, diretora do Einstein Forum, organização acadêmica com sede em Potsdam, ao lado de Berlim, voltada para a cooperação internacional. Nele, a autora deplora que o esforço por combater o antissemitismo descambou para uma às vezes velada, às vezes ostensiva repressão contra quem manifeste críticas a Israel e ao governo israelense. Uma das bases deste desvirtuamento estaria em resolução adotada pelo Parlamento Federal que considera qualquer forma de boicote a Israel como um ato antissemita; outra base seria também a consideração de que a segurança de Israel tornou-se uma “razão de Estado” na Alemanha, o que implica um apoio incondicional às ações daquele país e de seu governo. A partir daí, qualquer declaração ou ação de artistas ou intelectuais que propiciem uma acusação ou sequer suspeita de antissemitismo leva à exclusão dos autores dos planos de fomento - financiamento - público de atividades culturais, venham a acusação ou a suspeita de onde vierem. Aponta ela que esta prática vem ocorrendo já há alguns anos no país.Casos A reportagem do The New York Times lista uma série de casos de artistas que tiveram exposições ou premiações canceladas, ou suspensas por fazerem declarações consideradas hostis a Israel depois do ataque de 7 de outubro e da retaliação israelense em Gaza e na Cisjordânia ocupada. Também comparece à lista pelo menos um caso de artista que fez anos atrás uma declaração considerada hostil a Israel. Um dos casos mais contundentes listados no jornal é o da artista judia sul-africana Candice Breitz que, por ter criticado a retaliação de Israel em Gaza, teve sua exposição, prevista para 2024, cancelada no estado de Saarland. Diga-se de passagem que a exposição nada tinha a ver com a questão palestina ou israelense, versando sobre prostituição na África do Sul.O antissemitismo continua sendo um problema ora latente, ora explícito na Alemanha, assim como em outros países, e merece repulsa, assim como a islamofobia ou qualquer outra forma de discriminação racial, cultural, política, religiosa, de gênero ou ainda outras. O problema, aponta Neiman em seu artigo, é que esta preocupação vem descambando para o que chama de uma forma de “histeria” que promove ou aceita qualquer tipo de denúncia, com ou sem fundamento, como motivo suficiente para cancelar atividades ou personalidades de iniciativas culturais.Artistas e intelectuais de origem judaica, além de outras e outros, têm se manifestado em favor do diálogo ao invés da exclusão. A ministra da Cultura alemã, Claudia Roth, também se manifestou em favor de uma maior tolerância, afirmando que a exclusão deva ser um último recurso, ao invés de algo liminar. Entretanto, o problema persiste, uma vez que curadores de arte e diretores de museus ou outras instituições culturais temem perder o apoio institucional caso alguma de suas atividades levante uma sombra de suspeita de antissemitismo.Problema também em outros paísesO problema não é só da Alemanha. Em novembro, o conhecido artista chinês Ai Wei Wei, que apoia as reivindicações dos palestinos, teve uma exposição em Londres cancelada porque seus patrocinadores consideraram que este não era “o momento oportuno” para fazê-la, diante de apreensões por ele formuladas sobre a situação dos palestinos na Faixa de Gaza. Disseram respeitar o artista, e que considerariam a conveniência de retomar a iniciativa em outra ocasião. Nos Estados Unidos, denúncias da deputada do Partido Republicano por Nova York Elise Stefanik, uma entusiasta apoiadora de Donald Trump, levaram à convocação pela Câmara de três presidentas de universidades norte-americanas, Harvard, Princeton e o MIT, Massachussets Institute of Technoogy.As três foram acusadas de não porem ênfase suficiente na condenação do eventual ou suposto antissemitismo em manifestações pró-palestinos entre seus estudantes. Em consequência, a presidenta da Universidade de Princeton, Elizabeth Magill, renunciou. A deputada republicana comemorou: “Uma já foi”. Há quem veja nisto o renascimento do macarthismo repressivo dos anos 50, de triste memória. 
12/11/20235 minutes, 40 seconds
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Disputa entre Venezuela e Guiana pelo Essequibo coloca Brasil em situação desconfortável

Segundo Caracas, mais de 95% dos eleitores apoiaram a proposta de criar a província venezuelana do Essequibo no referendo realizado neste domingo (3). A disputa territorial entre a Venezuela e a Guiana gera tensão na região e preocupa a comunidade internacional. O analista político da RFI, Thiago de Aragão, avalia que o litígio coloca o Brasil em uma situação desconfortável. Thiago de Aragão, analista políticoA América do Sul tem sido palco de uma disputa complexa entre a Venezuela e a Guiana, centrada em um referendo realizado neste domigno, que poderia resultar na anexação de territórios em disputa. No entanto, essa disputa ganhou uma nova dimensão com a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) de se opor ao referendo e a eventual anexação do Essequibo. Além disso, um importante ator internacional, a multinacional Exxon, desempenha um papel crucial nesse cenário.Enquanto o embaixador venezuelano, Carlos Amador Pérez Silva, enfatiza que a Venezuela não tem intenção de invadir a Guiana, as suspeitas de que membros do governo venezuelano estão envolvidos em atividades ilegais, como a exploração de ouro, levantam desconfiança sobre as ações da Venezuela na região. É essencial compreender o contexto interno da Venezuela para entender plenamente a situação.O governo de Nicolas Maduro enfrenta desafios crescentes, incluindo recursos financeiros cada vez mais escassos devido à falta de capacidade de gestão e altos níveis de corrupção. A economia está em colapso, o que leva a um desespero crescente para manter-se no poder.Nesse contexto, a ameaça de invasão à Guiana pode ser vista como uma cortina de fumaça para desviar a atenção da população venezuelana de seus problemas internos. Cogitar uma invasão é uma estratégia desesperada de um governo que luta para lidar com questões econômicas e políticas cada vez mais espinhosas.Capacidade militar: uma comparação desigualAo avaliar a capacidade militar da Venezuela em comparação com a Guiana, fica evidente que a Venezuela possui uma vantagem significativa. A Venezuela tem uma força militar muito maior e mais bem equipada, incluindo um exército consideravelmente maior em termos de pessoal e equipamento. Por outro lado, a Guiana possui uma força militar muito menor em termos de pessoal e equipamento. Sua capacidade de defesa é limitada em comparação com a Venezuela, tornando-a vulnerável a qualquer ameaça militar significativa.A Guiana tem cerca de 3.000 soldados equipados com veículos de combate, enquanto a Venezuela possui um contingente militar muito maior, com aproximadamente 123.000 militares distribuídos em várias ramificações.O exército venezuelano está equipado com uma variedade de veículos militares, incluindo 173 tanques de batalha principais (MBTs), como AMX-30V e T-72B1, bem como veículos de reconhecimento, veículos de combate de infantaria (IFVs) e veículos de transporte de pessoal blindados (APCs).Fator Internacional e a desesperança de MaduroDiante dessa disparidade na capacidade militar, é importante reconhecer que a Venezuela, se desejasse invadir a Guiana, teria a capacidade de fazê-lo. No entanto, o fato de a Venezuela alardear o referendo e a decisão da CIJ de rejeitar a organização da consulta popular indicam que uma invasão não é o caminho escolhido. A comunidade internacional desempenha um papel fundamental em desencorajar qualquer ação militar.Os Estados Unidos e outros países têm se manifestado contra qualquer agressão e em apoio à soberania da Guiana. Essa pressão internacional desempenha um papel significativo em manter a estabilidade na região.Além disso, o papel da Exxon, que é a maior exploradora de petróleo na Guiana, torna a situação ainda mais complexa. A multinacional americana possui seu maior investimento no mundo nesse país. Essa presença maciça da Exxon na Guiana é um fator que coloca ainda mais pressão sobre a Venezuela, por conta da importância estratégica da Guiana para os EUA.Situação delicada para o BrasilNo entanto, a situação também coloca o Brasil, sob o governo do presidente Lula, em uma posição desconfortável. O Brasil é um aliado de longa data de Nicolas Maduro, mas compreende que não há argumentação legítima por parte da Venezuela para realizar tal provocação contra a Guiana. O país se encontra em uma delicada encruzilhada, buscando equilibrar suas relações regionais enquanto defende os princípios de paz e resolução diplomática de disputas.À medida que essa disputa complexa se desenrola, é crucial manter um olhar crítico sobre a situação, lembrando que a desconfiança em relação ao governo venezuelano e suas verdadeiras intenções não pode ser ignorada. A Guiana, nossa vizinha na região, deve continuar a buscar soluções que garantam sua segurança e soberania, enquanto mantém a porta aberta para o diálogo e a diplomacia. A América do Sul enfrenta desafios complexos, mas a busca pela paz e pela resolução pacífica de disputas deve sempre prevalecer.
12/4/20234 minutes, 17 seconds
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Os traços em comum das vitórias da extrema direita na Holanda e na Argentina

A extrema direita europeia comemora duas vitórias seguidas. A primeira aconteceu além-mar: a de Javier Milei na distante Argentina. A segunda foi em casa: a vitória do Partido pela Liberdade, do radical Geert Wilders, na Holanda. Há traços em comum em ambas as vitórias. Flávio Aguiar, analista políticoA de Milei teve uma diferença de votos em relação a seu rival Sergio Massa, muito maior do que a prevista nas pesquisas de opinião que lhe eram favoráveis, havendo outras que davam a vitória ao adversário. A de Wilders surpreendeu mais ainda os institutos de pesquisa, pois estes o colocavam num modesto quarto lugar na fragmentada política holandesa, onde há uma miríade de partidos pequenos, médios e grandes.Qual o traço em comum?As extremas direitas desfrutam do que se pode chamar de um “voto escondido”, que só aparece no momento decisivo da eleição.Provavelmente entre os que se declaram “indecisos”, talvez também entre os que declaram a intenção de votar em branco ou de anular o voto. Há também a migração de parte do voto conservador nos partidos tradicionais, mais ainda para a direita. Outro traço em comum está no emprego de certas palavras-chave, como a de “mudança” ou de “desconfiança” em relação à política e políticos tradicionais.A extrema direita parece capitalizar, em momentos de profunda crise econômica, o descontentamento e a desilusão com a política e os políticos como um todo: é o chamado “voto no outsider”, ou “aquele que vem de fora do sistema”, o que não deixa de ser uma ilusão, pois os políticos que tiram vantagem deste estado de espírito em geral crescem dentro deste mesmo “sistema”.Tal foi o caso de Milei, cuja carreira política começou na mídia, mas enveredou pelo parlamento nacional em 2021.Wilders é um político veterano, dos mais antigos na política holandesa. No Brasil, o próprio Jair Bolsonaro desfrutou de anos como deputado no Congresso Nacional.DiferençasMas entre Milei e Wilders há também algumas diferenças notáveis. O primeiro radicalizou o quanto pôde suas declarações polêmicas durante a campanha presidencial, atacando ferozmente tudo e todos, inclusive os políticos conservadores que depois vieram a apoiá-lo no segundo turno, contra o candidato de centro-esquerda.Já Wilders, nesta campanha de 2023, digamos, “amaciou” seu discurso. Conhecido inimigo de imigrantes e refugiados, islamofóbico, defensor histórico de propostas como a de proibir mesquitas e o próprio Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, começou a dizer que pretendia “governar para todos os holandeses”, independentemente de origem ou religião. A tal ponto chegou sua conversão a este novo perfil, que seus adversários chegaram a dizer que ele pretendia passar por uma “Madre Teresa” na política.Outra diferença significativa está na natureza da própria eleição. No sistema presidencialista argentino, Milei foi eleito diretamente chefe de Estado, embora seu partido seja absolutamente minoritário no parlamento, o que aponta para uma necessária negociação com as forças conservadoras tradicionais no país (se ele a fará é outro capítulo desta história).NacionalismosJá no fragmentado quadro político holandês, o partido de Wilders foi o mais votado, mas alcançou 37 cadeiras das 150 cadeiras da Câmara Baixa. Os partidos conservadores tradicionais mostram-se recalcitrantes em aceitá-lo como futuro primeiro-ministro, o que pode colocá-lo na difícil posição de “ganhar, mas não levar” no cômputo político definitivo.E tais processos e procedimentos na Holanda costumam ser muito complicados: a coalizão que ora deixa o poder levou quase um ano para ser negociada, e se desfez em poucas semanas, o que levou a esta eleição que favoreceu Wilders e seu partido radical. Seja como fôr, a eleição holandesa mostra a força crescente da extrema-direita numa Europa que enfrenta uma situação econômica muito difícil.Mesmo que não ganhe ou não leve, é ela que vem ditando a pauta política, brandindo a xenofobia, ou seja, a rejeição a estrangeiros, sejam refugiados ou imigrantes, a rejeição ao Islã e, com maior ou menor veemência, a desconfiança quanto à União Europeia. Aliás, durante sua campanha, Wilders anunciou que, caso chegasse ao governo, promoveria um plebiscito sobre a permanência da Holanda na União Europeia, o que mostra que os velhos nacionalismos estreitos, que devastaram o continente tantas vezes no passado, continuam na espreita.
11/27/20235 minutes, 5 seconds
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Os reflexos do encontro entre Biden e Xi Jinping para a eleição presidencial dos EUA em 2024

No cenário político atual, a reunião entre Joe Biden e Xi Jinping em São Francisco assume um papel crucial, especialmente considerando as próximas eleições presidenciais dos EUA em 2024. Este encontro, que ocorreu à margem da cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), reuniu os líderes das duas maiores economias mundiais, abordando temas cruciais como comércio, tecnologia, direitos humanos e questões territoriais.  Thiago de Aragão, analista políticoEmbora não se esperasse grandes acordos ou anúncios, a ênfase foi dada na manutenção de linhas de comunicação abertas para evitar um clima de conflito aberto. Esse diálogo pode ser interpretado como uma tentativa de Biden de equilibrar a rivalidade competitiva com a China, mantendo uma postura firme, mas evitando o agravamento das tensões, especialmente em áreas sensíveis como Taiwan e o Mar do Sul da China. Para Biden, a gestão desta relação bilateral é crítica, considerando a aproximação das eleições presidenciais. A maneira como ele navega nesse relacionamento com a China pode influenciar significativamente a percepção do público americano sobre sua capacidade de lidar com desafios internacionais complexos. Um equilíbrio cuidadoso é necessário para evitar o agravamento das tensões, ao mesmo tempo em que defende os interesses americanos. Impacto na corrida eleitoral O encontro também teve um foco em questões de cooperação global, como a luta contra as alterações climáticas e o tráfico de fentanil. Esses temas são importantes tanto para a política interna quanto para a imagem internacional dos EUA, e podem servir como áreas de colaboração potencialmente benéfica para ambas as nações.No entanto, com as eleições presidenciais de Taiwan em 2024 e a possibilidade de um retorno de Donald Trump à Casa Branca, o ano promete ser repleto de incertezas. A abordagem de Biden em relação à China, especialmente nas questões de Taiwan e direitos humanos, pode ter implicações profundas na corrida eleitoral, possivelmente influenciando a escolha dos eleitores americanos.Em resumo, a reunião entre Biden e Xi em São Francisco, embora discreta em termos de resultados tangíveis, é um momento significativo na política externa dos EUA. As repercussões deste diálogo podem se estender até as eleições presidenciais de 2024, afetando a narrativa política e a percepção pública sobre a eficácia do governo Biden no cenário internacional.
11/20/20234 minutes, 25 seconds
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Na Europa, a extrema direita se aproxima de Israel

A guerra no Oriente Médio está provocando uma maior inclinação do eixo de grande parte da extrema direita europeia para o lado israelense do conflito. Flávio Aguiar, analista políticoO caso mais chamativo desta tendência é o da líder do Rassemblement National - Reunião Nacional - francês, Marine Le Pen. Em declarações à imprensa e no Parlamento Nacional ela manifestou seu apoio irrestrito à sobrevivência de Israel e o seu “direito à auto-defesa”.Jordan Bardella, o presidente do Partido, complementou: “Para muitos judeus franceses o Reunião Nacional representa um escudo contra a ideologia islamista”.Críticos da líder francesa veem neste seu movimento uma tentativa - que qualificam como “demagógica” - de apagar o passado antissemita do partido, quando se chamava “Frente Nacional” e era liderado por seu pai, Jean-Marie Le Pen, condenado em processos por minimizar o Holocausto.Apontam que ela está mirando a eleição presidencial de 2027, quando o atual presidente, Emmanuel Macron, não poderá concorrer, uma vez que a Constituição francesa proíbe o exercício de mais de dois mandatos presidenciais consecutivos. E lembram que de eleição em eleição os votos em Le Pen vem crescendo continuamente.Itália, Espanha e AlemanhaNa Itália, o líder do partido Lega, Matteo Salvini, igualmente de extrema direita, também se posicionou ao lado de Israel numa manifestação por ele convocada na cidade de Milão. Foi cauteloso ao afirmar que “o inimigo não é o Islã, mas o extremismo islamista”.Na Hungria não houve surpresas. O primeiro-ministro Viktor Orbán é um antigo aliado não só de Israel, mas da direita israelense, e um ardoroso defensor da “civilização europeia”. E não tardou em declarar que qualquer manifestação que apoiasse o “terrorismo do Hamas” seria proibida. Assim mesmo, destacou que deveria haver ajuda humanitária à população civil de Gaza.O caso mais contundente deste apoio de extrema direita a Israel veio do espanhol Vox, que se declara herdeiro do franquismo falangista e até dos Cavaleiros Templários da Idade Média. O secretário-geral do partido, Ignacio Garrido, acusou o governo socialista do primeiro-ministro Pedro Sánchez e  Yolanda Diaz, a líder do Sumar, uma coalizão de esquerda que apoia o governo, de supostamente “justificarem” os ataques do Hamas.O líder do Partido e deputado Santiago Abascal chegou a dizer que “se possível devia-se matar os terroristas antes que eles matassem inocentes”, numa tirada que lembra o filme “Minority Report”, em que potenciais criminosos eram “neutralizados” antes que cometessem seus supostos crimes.O Vox se comprometeu igualmente a apresentar um projeto de lei ao Parlamento proibindo a imigração proveniente de “países de cultura islâmica enquanto não se possa assegurar sua integração”, seja lá o que isto signifique.Na Alemanha a situação se apresentou de modo um pouco mais complexo. No Bundestag, o Parlamento Federal, o líder do AfD, Alternative für Deutschland, Alexander Gauland, declarou que “o ataque [do Hamas] não atingiu apenas Israel, ele nos atingiu também; Israel é o Ocidente numa vizinhança que rejeita e combate o Ocidente”.Já o presidente do partido, Tino Chrupalla, condenou o ataque, mas ressaltou que o momento é “para a diplomacia”. Outros membros do partido criticaram esta sua declaração, inclusive um grupo auto-intitulado “Judeus com o AfD”. Deve-se ressaltar que recentemente membros do partido foram acusados e processados como defensores, simultaneamente, de antissemitismo e de islamofobia.Posição semelhante de dirigentesUma observação: em grande parte, exageros retóricos à parte, estas posições de partidos de extrema direita na Europa não diferem substancialmente das posições de grande parte dos governantes europeus e autoridades da União Europeia, embora estes últimos ponham mais ênfase nas preocupações humanitárias em relação aos civis de Gaza. Entretanto, elas apontam para a busca de apoio mais amplo nos países onde aqueles partidos de extrema direita atuam.Por outro lado, atividades racistas, sejam antissemitas, islamofóbicas ou outras contam com a participação de um sem número de pequenas células clandestinas, cujo comportamento frequentemente violento será certamente reforçado pela circunstância da guerra.
11/13/20235 minutes, 17 seconds
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Pesquisa revela que idade de Biden pode influenciar o cenário político futuro dos EUA

Em meio aos novos dados de seis estados-chave de batalha, onde o atual presidente enfrenta desafios em quatro, torna-se essencial focar em um elemento que se destaca na última  pesquisa eleitoral realizada pelo The New York Times: a idade dos candidatos. Este fator crítico pode influenciar significativamente o cenário político futuro dos Estados Unidos, e levou David Axelrod, um destacado estrategista político democrata e ex-funcionário da Casa Branca, a fazer uma reflexão pública. Thiago de Aragão, analista políticoEntre os eleitores entrevistados, Trump lidera à frente de Biden em quatro dos seis estados estratégicos (Arizona, Geórgia, Nevada e Pensilvânia), empata em outro (Michigan) e perde de Biden em apenas um (Wisconsin). Em 2020, Trump perdeu em todos esses estados, mas agora suas vantagens nas pesquisas têm pelo menos 5 pontos percentuais, enquanto a vantagem de Biden em Wisconsin (2 pontos) está dentro da margem de erro da pesquisa.Esses números alarmantes levaram Axelrod a fazer uma ponderação pública no domingo (5). O democrata, mais conhecido por seu papel fundamental nas campanhas presidenciais de Barack Obama em 2008 e 2012, além de ter atuado como conselheiro sênior em sua administração, destacou que o presidente Joe Biden precisa ponderar cuidadosamente se deve prosseguir com sua candidatura à reeleição."Apenas @JoeBiden pode tomar essa decisão," escreveu Axelrod em sua conta no X (antigo Twitter). "Se continuar concorrendo, ele será o candidato do Partido Democrata. O que ele precisa decidir é se isso é prudente, se está em SEU melhor interesse ou no interesse do país?"Mais notório por ser a figura motriz por trás das campanhas presidenciais bem-sucedidas de Barack Obama e por ter ocupado uma posição de alto conselheiro em sua administração, Axelrod estava reagindo às novas pesquisas do jornal The New York Times que mostravam Biden enfrentando dificuldades em estados-chave na disputa eleitoral contra o ex-presidente Donald Trump. Axelrod apresentou esses números como uma avaliação realista da situação."É muito tarde para mudar de rumo," ele escreveu. "Muita coisa acontecerá no próximo ano que ninguém pode prever, e a equipe de Biden afirma que sua determinação em concorrer é firme", acrescentou."Ele já desafiou a sabedoria convencional antes," continua Axelrod, "mas isso gerará tremores de dúvida no partido — não é 'alarmismo', mas uma preocupação legítima."Idade virou tema central da campanhaA idade e as incertezas políticas são agora temas centrais à medida que as eleições de 2024 se aproximam, e a decisão de Biden terá um impacto significativo não apenas em sua trajetória pessoal, mas também no futuro político do país.Uma pergunta de grande relevância para as eleições de 2024 é: os eleitores estão dispostos a eleger um homem que terá 86 anos quando seu mandato terminar em janeiro de 2029? Um ano antes da votação, a resposta parece ser não. Sete em cada dez eleitores prováveis nos estados estratégicos concordam que Biden "é simplesmente velho demais para ser um presidente eficaz", enquanto apenas 28% discordam.Surpreendentemente, mesmo com apenas três anos a menos do que Biden, Trump é visto como um "jovem" em comparação ao rival. Somente 39% dizem que o principal candidato republicano "é simplesmente velho demais para ser um presidente eficaz," enquanto uma maioria de 58% discorda.
11/6/20234 minutes, 13 seconds
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A guerra entre Israel e o Hamas e o labirinto das palavras

Na sexta-feira, 27 de outubro, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução proposta pela Jordânia pedindo uma “trégua humanitária”, sustentável e incondicional, que permitisse o acesso da população da Faixa de Gaza à ajuda que lhe está sendo concedida por inúmeros países da cena internacional. Flávio Aguiar, analista políticoA resolução, que não é vinculatória ou coercitiva, foi aprovada por 120 votos a favor, 14 contrários, 45 abstenções e 14 ausências, dentre os 193 países membros da Assembleia Geral.Como de costume, o exame dos votantes é revelador sobre o cenário geopolítico. Além de Estados Unidos e Israel, votaram contra a resolução apenas Áustria, Hungria, República Tcheca, Croácia, Guatemala, Paraguai e mais seis pequenos países-ilhas ou arquipélagos do Oceano Pacífico.Dentre as abstenções, houve o voto de vários tradicionais aliados dos Estados Unidos, como Canadá, Reino Unido, Itália, Índia, Alemanha, Ucrânia, Japão, Coreia do Sul, Polônia e Austrália. A França votou a favor da resolução, bem como o Brasil. A resolução, aliás, retomava a proposta levada pelo Brasil para o Conselho de Segurança da ONU, que só não foi aprovada graças ao veto dos Estados Unidos. Embora não seja coercitiva, a resolução tem inegável peso político, evidenciando o isolamento dos Estados Unidos e de Israel no cenário geopolítico.Vocabulário do conflitoEm meio à guerra das propostas apresentadas sobre a questão, as poucas aprovadas e as muitas rejeitadas, destaca-se a dança nada alegre, por vezes macabra, das palavras em jogo. Por mais confusas que pareçam, elas obedecem a um vocabulário preciso, definido pela Organização das Nações Unidas. “Cessar-fogo” ou “trégua” implicam uma adesão acordada entre as partes em guerra, seja temporária ou permanente, em geral antecedendo uma solução negociada diplomaticamente para o conflito. Nem os Estados Unidos nem Israel aceitam tais termos, alegando que eles favorecem o Hamas e contrariam o “direito de Israel à autodefesa”.Já uma “pausa humanitária” implica a suspensão temporária de ataques para que algum tipo de socorro possa ser levado à população civil atingida. Ao contrário do “cessar-fogo” ou “trégua”, ela pode ser adotada unilateralmente por uma das partes do conflito. O mesmo acontece em relação a um “corredor humanitário”, como o que se pretende estabelecer a partir do Egito para socorrer a população civil de Gaza.Pode-se constatar a complexidade da questão lembrando que na semana passada uma reunião de cúpula da União Europeia demorou dois dias para chegar a uma resolução pedindo o estabelecimento de “pausas humanitárias” no bombardeio aéreo da Faixa de Gaza, pois este termo não seria contrário ao “direito de Israel à autodefesa” diante do ataque “terrorista” do Hamas.Este termo - “terrorista”  - é outro que entra na dança das palavras. O Hamas é considerado oficialmente como “terrorista” apenas por sete países (Austrália, Canadá, Israel, Japão, Paraguai, Reino Unido e Estados Unidos) além da União Europeia. Fica a pergunta se a adesão da UE à definição implica o seu reconhecimento automático por parte dos 27 países-membros.Em 2018, o governo dos Estados Unidos apresentou uma resolução ao Conselho de Segurança da ONU declarando o Hamas um grupo “terrorista”, mas ela teve um único voto a favor, o norte-americano. Igual tentativa fracassou na Assembleia Geral. Em parte, isto se deve à  complexidade do Hamas, que tem um braço político e social e outro militar - as Brigadas Izz-al-Din e Qassam - ambas atuando com grande independência.Mudança ?Talvez o ataque de 7 de outubro passado, inequivocamente um ato terrorista contra a população civil, venha a mudar esta situação. Mas é difícil. Os países árabes tendem a não aceitar uma resolução que defina aquela ação do Hamas como “terrorista” sem que igual classificação seja aplicada aos bombardeios de Israel na Faixa de Gaza.Enquanto prossegue a dança diplomática das palavras, também prossegue o martírio da população civil de parte a parte: até o domingo, 28 de outubro, os números oficiais ostentavam quase 8 mil palestinos mortos em Gaza, além de mais de uma centena na Cisjordânia ocupada por Israel, com cerca de 20 mil feridos, e 1.405 mortos em Israel, com 5.431 feridos. Uma grande parte destes números era de crianças e mulheres. E no baile das palavras permanecia barrada a palavra “paz”.
10/30/20235 minutes, 30 seconds
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Guerra entre Israel e Hamas pode impactar eleições presidenciais nos Estados Unidos

Com as crescentes tensões entre Israel e Hamas, uma pergunta é inevitável: como a guerra atual impactará as eleições presidenciais do próximo ano nos Estados Unidos?  Thiago de Aragão, analista políticoDe acordo com a recente pesquisa Econômica All-America da CNBC, o público americano quer que o governo dos Estados Unidos apoie mais Israel do que os palestinos e que haja forte apoio financeiro militar dos Estados Unidos para Israel. No entanto, uma porcentagem significativa quer que os EUA sejam imparciais no conflito.Esses resultados podem afetar negativamente o apoio do presidente Biden, que neste momento está em baixa, e abrir espaço para que o ex-presidente Donald Trump volte a disputar a presidência. Biden perderia para Trump por 4 pontos em uma possível disputa direta.Os dados da pesquisa indicam que 39% da população acredita que o governo dos EUA deve favorecer Israel nesse conflito com os palestinos, em comparação com 34% após a guerra de Gaza em 2014. Enquanto isso, 36% acreditam que os EUA devem tratar ambos os lados igualmente, em comparação com 53% em 2014.Dezenove por cento estão indecisos, número que aumentou 9% em relação a 2014, sugerindo que a situação ainda é incerta e que as ações de um dos lados ainda podem influenciar a opinião pública.Ajuda militarOs resultados da pesquisa também mostram que a maioria (74%) acredita que é importante que o governo dos EUA financie a ajuda militar a Israel. Esse número pode ser comparado aos 72% que dizem que é importante financiar a segurança na fronteira com o México, assim como a ajuda humanitária estrangeira.Uma maioria menor, mas ainda sólida (61%), responde que é importante financiar a ajuda militar à Ucrânia, em comparação com 52% que apoiam a ajuda militar e econômica a Taiwan.A pesquisa revela que o apoio a Israel em relação aos palestinos é impulsionado pelos republicanos, com 57% afirmando que o governo dos EUA deveria favorecer Israel, em comparação com apenas 29% dos democratas e 27% dos independentes. Em contrapartida, 44% dos democratas e 47% dos independentes querem que o governo trate ambos os lados da mesma maneira.Esses dados podem indicar um desafio para o partido do presidente Biden, uma vez que é improvável que a postura pró-Israel se torne menos importante para os eleitores, especialmente quando se trata de votos de republicanos.Além disso, há uma clara diferença de opiniões entre gerações nessa questão. Os eleitores democratas mais jovens demonstram mais interesse em serem imparciais, enquanto a faixa etária acima de 50 anos parece apoiar Israel em detrimento dos palestinos.Portanto, se a guerra atual continuar, o apoio a Israel pode se tornar um fator importante para os eleitores, e pode levar a uma mudança significativa nas eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos. É necessário que os candidatos recordem a importância do diálogo e que sejam capazes de encontrar soluções para esse conflito.
10/23/20234 minutes, 54 seconds
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Guerra no Oriente Médio entre Israel e o Hamas divide a Europa

O primeiro efeito na Europa dessa nova fase da guerra no Oriente Médio, entre Israel e o a organização palestina Hamas, foi jogar a guerra na Ucrânia para segundo plano. Em seguida, o ataque terrorista do Hamas, deflagrado em 7 de outubro, e a retaliação como de costume duríssima por parte do governo israelense, provocou diferentes reações no continente europeu. Flávio Aguiar, analista políticoTodos os governos da Europa se solidarizaram com Israel e condenaram o Hamas. Mas houve nuances na reação geral.A Dinamarca e a Suécia logo anunciaram a suspensão temporária da ajuda financeira aos palestinos para uma “revisão de seus programas”. Já as autoridades da União Europeia e de outros países decidiram que não interromperiam a ajuda, feita através de organismos da ONU e de organizações como a Autoridade Palestina.Nas ruas das cidades europeias, no entanto, a situação é bem distinta. As manifestações de apoio ao povo palestino e às suas reivindicações se multiplicaram em todo o continente. Muitos destes protestos envolveram um apoio à ação do Hamas.As manifestações pró-palestinos foram proibidas em quase todo o continente, decorrendo daí confrontos com a polícia e prisões de manifestantes.Segurança reforçadaAs medidas de segurança foram reforçadas em toda a Europa. Houve pelo menos um atentado fatal na França e uma ameaça de bomba levou ao fechamento do Museu do Louvre, em Paris.Há um temor generalizado de que esta nova fase da guerra fortaleça o recrudescimento de manifestações antissemitas.Na mídia, a reação inicial também se concentrou no repúdio à violência desencadeada pelo Hamas em território israelense.Nos últimos dias, no entanto, cresceram as manifestações de pesar e temor diante da situação dos palestinos na Faixa de Gaza, que enfrentam os contínuos bombardeios aéreos por parte de Israel que atingiram inclusive hospitais e outras instalações civis.O temor aumenta diante da expectativa de uma intervenção terrestre do Exército israelense, o que pioraria muito as já deterioradas condições de vida em Gaza, com o suprimento de água, eletricidade e alimentos cortado pelo governo de Tel Aviv.Na Faixa de Gaza, espremida entre sua fronteira com Israel ao norte e a leste (51 km), o Mar Mediterrâneo a oeste e uma nesga de fronteira com o Egito ao sul (11 km), vivem 2,3 milhões de palestinos.Em termos de comparação, o Distrito Federal Brasileiro tem um pouco mais de habitantes, 2,6 milhões. Mas a Faixa de Gaza tem 365 km2, enquanto o DF é mais de 15 vezes maior, com 5,8 mil km2.Guerra de narrativasA guerra no campo de batalha desencadeou, é claro, uma guerra de narrativas sobre ela. As autoridades da União Europeia advertiram as plataformas na internet, em particular o X (ex-Twitter) de Elon Musk, sobre a profusão de fake news que utilizam, muitas vezes, imagens de conflitos antigos para reforçar as denúncias sobre atrocidades cometidas por ambos os lados no presente.Por hora, há uma série de incógnitas e fios soltos nas narrativas apresentadas.Qual será o destino de Gaza, depois da ação do governo israelense, que poderá destruir o território?Qual será a situação do Hamas?E qual o futuro do próprio governo de Israel, apontado como o mais direitista da história do país? Partidários afirmam que ele sairá reforçado. Vozes mais críticas dizem que ele sairá fragilizado, acusado de negligência diante do perigo que se armava nas catacumbas de Gaza.Como ficarão as relações de Israel, da Autoridade Palestina e de outros grupos palestinos com os países árabes e outros países da cena internacional?Entre tantos fios soltos, um está certamente firme no tecido atual: por enquanto, a paz não tem a menor chance na região.
10/16/20234 minutes, 41 seconds
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Conflito entre Israel e Gaza pode trazer turbulência econômica em região crucial para o petróleo

O recente conflito entre Israel e os militantes palestinos do Hamas tem suscitado preocupações sobre o seu possível impacto nos mercados petrolíferos globais. No entanto, especialistas do setor energético sugerem que as repercussões podem ser limitadas, a menos que o conflito se intensifique ainda mais. Thiago de Aragão, analista políticoIsrael e a Palestina não são tradicionalmente reconhecidos como grandes atores na indústria petrolífera, mas a região onde o conflito está ocorrendo é de importância crítica para a produção de petróleo. Isso gera temores de que o conflito possa ter consequências mais amplas nos mercados petrolíferos mundiais. Especialistas em Nova York afirmaram que poderíamos testemunhar um "aumento instintivo" nos preços do petróleo quando os mercados abrissem na segunda-feira (9), o que realmente ocorreu. Esse aumento pode ser uma reação imediata à incerteza causada pelo conflito em curso. No entanto, os especialistas destacam a importância de avaliar a evolução da situação, uma vez que o verdadeiro impacto dependerá, em grande parte, da duração e intensidade do conflito.A situação econômica em Israel sofre um golpe severo com os ataques do Hamas. De acordo com relatos de Wall Street, os preços das ações de empresas israelenses registraram uma queda significativa, e muitas empresas tiveram que fechar as portas no dia seguinte ao assalto. Isso destaca a vulnerabilidade econômica do país diante de eventos desse tipo. Um elemento-chave a ser considerado é o potencial para uma escalada do conflito, já que a região onde ocorre é crucial para o transporte e produção de petróleo. Um agravamento adicional da situação poderia desestabilizá-la, com consequências imprevisíveis para os mercados petrolíferos globais. Além disso, o bloqueio do Estreito de Hormuz por navios iranianos é uma preocupação significativa. Isso poderia impedir a saída de quase 25% do petróleo consumido globalmente por dia, colocando o Irã no epicentro desse conflito entre Israel e o Hamas e elevando significativamente os riscos na região. Irã alvo de IsraelO Irã é tido como um dos principais financiadores do Hamas. Isso aumenta a preocupação de que a curto ou médio prazo, o país possa se tornar um alvo de ataques israelenses. Qualquer ação militar no Golfo Pérsico poderia desencadear uma escalada nas tensões e afetar o fornecimento global de petróleo, levando a aumentos de preços e instabilidade nos mercados.A presença dos Estados Unidos, que enviaram um porta-aviões ao Mediterrâneo e vários caças para colaborar com os israelenses, pior a quadro. Em resumo, enquanto os especialistas em Nova York observam um aumento imediato nos preços do petróleo em resposta ao conflito Israel-Hamas, é importante ter em mente que o impacto real nos mercados petrolíferos globais dependerá da duração e intensidade do conflito.A possibilidade de consequências no Irã e a presença dos Estados Unidos na região acrescentam uma dimensão adicional à complexidade dessa situação, que exige monitoramento atento à medida que se desenrola. A estabilidade no Golfo Pérsico é fundamental para a segurança do fornecimento de petróleo em escala global, e o mundo está observando com apreensão os acontecimentos na região.
10/9/20234 minutes, 35 seconds
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O direito ao aborto na Europa e a polêmica brasileira

No dia 22 de setembro, pouco antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, inaugurou a votação sobre o processo de descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas da gravidez. O voto da ministra, que era a relatora do processo, foi positivo. A votação será retomada presencialmente em data ainda a ser fixada. Flávio Aguiar, analista políticoO tema é polêmico, envolvendo aspectos de saúde pública, éticos, religiosos, jurídicos, penais e last, but not least, de direitos humanos, no caso do direito das mulheres ao controle sobre seu próprio corpo, conforme as defensoras e os defensores da descriminalização, ou do direito do feto à vida desde a concepção, conforme as opositoras e os opositores.O tema do aborto se implantou de vez no Brasil, curiosamente dentro e fora do país. Na semana passada o filme brasileiro Levante, de Lilah Halla, ganhou o primeiro prêmio da categoria ficção no Festival de Cinema Latino-Americano em Biarritz, na França. A protagonista do filme é uma jogadora de vôlei que, às vésperas de um jogo decisivo para sua carreira, descobre que está grávida e deseja interromper a gravidez. O filme já merecera menção de melhor filme de estreia na mostra paralela do Festival de Cannes, também na França. E no começo do ano o filme Infantaria, de Laís Santos Araújo, que também aborda o tema do aborto, ganhara o Prêmio Especial do Júri na seção Generation 14Plus, na Berlinale, o Festival Internacional de Cinema de Berlim.Na maioria dos países europeus o aborto mediante pedido da mulher grávida é descriminalizado. Encontram-se neste caso países tão diferentes em matéria de tradições culturais, políticas e religiosas como a Itália e a Rússia, a França e a Turquia, a Irlanda e a Suécia, Portugal e Hungria, Espanha e Ucrânia, para citar alguns exemplos. Em alguns casos a liberalização da prática do aborto foi muito precoce, como na extinta União Soviética e também em vários países que pertenciam ao finado Pacto de Varsóvia, do antigo Leste geopolítico da Europa. Em geral o prazo da permissão varia entre 10 e 14 semanas de gravidez. Na maioria dos países o prazo é de 12 semanas. Mas há exceções: na Islândia o prazo é de 22 semanas, e na Holanda, 24.A Finlândia e o Reino Unido são considerados países onde há leves restrições ao aborto, embora neste último país seja permitido requerer um aborto até as 24 semanas de gravidez, Já a Polônia, Liechtenstein, Mônaco e San Marino são considerados países onde as restrições são muito severas, como no Brasil, onde o aborto só é admitido em casos de estupro, risco de vida da mãe e anencefalia do feto. Em San Marino um plebiscito recente aprovou a descriminalização, mas a matéria ainda deve ser regulada em lei.Em Malta e Andorra o aborto é proibido. Um caso curioso é o da Dinamarca, país considerado liberal na matéria. Entretanto nas Ilhas Faroe, sob sua jurisdição, o direito ao aborto ainda é restrito por limitações muito severas.Organizações não-governamentais assinalam que a descriminalização ou legalização do aborto é uma coisa; mas a garantia de acesso é inteiramente outra.  Apontam como exemplo o caso da Itália, onde a maioria dos médicos se recusa a fazer abortos, alegando motivos éticos ou religiosos. Sublinham ainda que o custo da operação pode ser muito alto, como no caso das clínicas particulares na Hungria. Por fim, defendem que a regulamentação do aborto deixe de ser feita dentro do Código Penal e passe definitivamente integrar o capítulo dedicado à Saúde Pública ou o dedicado a Direitos Humanos. Motivo: mesmo onde seja apenas descriminalizado, o aborto continua sendo uma prática ilegal. Só que a paciente e quem faça o aborto não serão punidos, mas “perdoados”.O dia 28 de setembro é considerado mundialmente como o Dia Internacional pelo Aborto Seguro. Faz muito tempo que a data integra as mobilizações em favor da descriminalização do aborto na América Latina. A partir de 2011 a Rede Internacional de Mulheres pelos Direitos de Reprodução decidiu que a data deveria ser adotada mundialmente. A escolha do dia 28 de setembro se deu para comemorar a data em que, no ano de 1871, o Parlamento do então Império do Brasil aprovou a Lei do Ventre Livre, que declarava libertos os filhos de escravas.E foi no dia 28 de setembro que a ministra Rosa Weber pediu sua aposentadoria da presidência e do seu cargo de ministra do Supremo Tribunal Federal, seis dias após declarar seu voto histórico pela descriminalização do aborto até as 12 semanas de gravidez.
10/2/20235 minutes, 37 seconds
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A surpreendente crise da economia alemã seria a nova vilã da Europa?

Durante décadas a Alemanha foi a cereja do bolo na economia europeia. Seus pilares eram uma grande estabilidade monetária com um mínimo de inflação, um sistema de transporte muito eficiente, um padrão de consumo interno alto e estável, uma pauta de exportações e importações de alto padrão e ainda um equilíbrio político considerado inabalável, com a alternância ou combinação entre social-democratas, verdes e as uniões cristãs, a social da Baviera e a democrata do resto do país. Flávio Aguiar, analista políticoCom tais predicados, o governo de Berlim se tornou o fiel da balança da União Europeia e do continente como um todo, exercendo uma parceria sobretudo com Paris. Ao mesmo tempo, se revelou o carro-chefe da economia continental, graças à sua variada pauta de importações e exportações.Dos dez países que mais importam da Alemanha, oito são europeus - os outros dois são a China e os Estados Unidos. O mesmo se aplica às exportações. A economia continental europeia está presa à alemã como um comboio em uma locomotiva. Ou um peixe no anzol?De repente, não mais que de repente, este belo edifício mostrou rachaduras nos alicerces, e hoje ameaça ruir, arrastando o continente inteiro. A inflação subiu meteoricamente, de quase 0% para cerca de 10% ao ano, em média, com alta de 20% no setor de alimentos, e de 40% do na energia. A demanda interna caiu, a externa balançou perigosamente com as oscilações da economia chinesa e a pressão protecionista dos Estados Unidos.A indústria alemã, setor estratégico das exportações e importações, sobretudo de veículos, auto-peças e acessórios, de produtos farmacêuticos, artefatos elétricos, aviões e helicópteros, além de outros, entrou em depressão. No começo de 2023, o FMI previu uma retração de 0,1% na economia do país. Depois aumentou a cariação para 0,2%, e agora a estimativa está em 0,4% negativo.Como assim? O que aconteceu? As respostas são várias e variadas, mas há alguns pontos de convergência.Alimentação e energiaEm geral, as consequências da guerra na Ucrânia são apontadas como o principal fator inflacionário, sobretudo nos setores já em destaque: alimentação e energia. Com a redução das importações de grãos e óleos da Ucrânia, o preço de produtos agrícolas foi para as nuvens.A indústria alemã também dependia fortemente das importações de gás russo, e, com as sanções econômicas impostas ao país, Moscou apertou a torneira do fornecimento. Além disso, os gasodutos que ligavam os dois países sofreram atentados até hoje sem explicação oficial. As previsões parecem ter subestimado as consequências do incidente, e o efeito imediato sobre a indústria alemã foi muito pesado.Há outros fatores menos evidentes entre as raízes da crise. A pandemia atingiu duramente o comércio, provocando o fechamento a princípio de pequenas lojas e logo depois também de alguns grandes estabelecimentos, em função inclusive do aumento exponencial de compras pela internet, que permanecem em alta. As reformas de inspiração neoliberal implementadas no começo do século, com o aperto nos investimentos sociais e a compressão das aposentadorias, começam a cobrar seu preço, diante de uma população cujo envelhecimento cresce a olhos vistos.Extrema direitaPara completar este quadro sombrio, as intenções de voto no partido Alternative für Deutschland, AfD, de extrema direita, anti-União Europeia, ameaçador para imigrantes e refugiados, crescem assustadoramente, sobretudo nos estados da antiga Alemanha Oriental e entre os jovens, região e faixa etária mais duramente atingidos pelo desemprego e pela queda do poder aquisitivo.O AfD está em segundo lugar nas pesquisas, atrás apenas da democrata CDU, que, pressionada pela deserção de eleitores, vem tornando seu programa cada vez mais conservador. Não há risco imediato para as instituições democráticas da Alemanha, mas já há coriscos e trovoadas na linha do horizonte.As previsões e declarações mais otimistas arrefeceram. A guerra se prolonga, e a recessão alemã veio para ficar, afetando o continente inteiro. A questão mais relevante hoje é o quanto esta crise vai durar. E até o momento nenhuma bola de cristal de economista, de político, jornalista, banqueiro, agente financeiro, sindicalista, etc., arrisca seu pescoço em uma previsão.
9/18/20235 minutes, 17 seconds
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Biden consolida influência americana na Ásia na cúpula do G20

O panorama geopolítico do Ásia-Pacífico tem sido palco de intensas movimentações estratégicas por parte dos Estados Unidos. Durante a recente cúpula do G20 na Índia, o presidente norte-americano, Joe Biden, posicionou-se como um contraponto à crescente influência da República Popular da China.  Thiago de Aragão, analista políticoA aproximação dos EUA com o Ásia-Pacífico não é um fenômeno recente. Foi inicialmente evidenciada com a política de “Pivô para a Ásia”, em 2012, sob a administração de Barack Obama. A ênfase nessa região foi continuada por Donald Trump, que adotou a perspectiva de um “Indo-pacífico livre e aberto”, atribuindo à Índia um papel estratégico significativo. Embora o presidente Biden siga os passos de seus antecessores, ele se destaca por sua proatividade notável. Sua atuação é marcada pela participação direta em eventos significativos na Ásia e pelo fortalecimento de alianças regionais, refletindo um compromisso renovado dos EUA com a região.Estratégias de Biden na ÁsiaNa ausência de representantes chineses e russos na cúpula do G20, Biden aproveitou para consolidar importantes alianças, dando ênfase à coalizão Aukus e revitalizando a Quad. Seu objetivo primordial é ampliar a influência americana na Ásia, apresentando-se como alternativa ao projeto chinês da Rota da Seda. Esta estratégia envolve acordos que abrangem setores vitais, como ferrovias, portos e conexões energéticas.Visitas Diplomáticas e AliançasA dedicação de Biden à Ásia é evidente em suas viagens diplomáticas. Em maio de 2021, ele se encontrou com líderes aliados, como aqueles da Coreia do Sul e Japão. No ano seguinte, participou da Cúpula da ASEAN no Camboja e do G20 na Indonésia, reforçando o compromisso dos EUA com a região.No contexto de segurança, Biden tem dado prioridade às coalizões denominadas “minilaterais”. Caracterizadas por sua flexibilidade, essas coalizões têm objetivos estratégicos bem definidos. O Aukus, formado em 2021 entre Austrália, Reino Unido e EUA, destaca-se nesta categoria, resultando em iniciativas como o fornecimento de submarinos nucleares à Austrália. Além disso, Biden revitalizou a Quad e promoveu um acordo trilateral de segurança com Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos, solidificando ainda mais a rede de alianças norte-americanas na região.Em resumo, a estratégia de Biden no Ásia-Pacífico reflete um compromisso profundo e renovado dos Estados Unidos com a região, buscando equilibrar o poder e influência em um cenário geopolítico em constante evolução.
9/11/20234 minutes, 34 seconds
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Alta de 100% do preço do azeite espelha "mudanças dramáticas" na Europa

O aumento estratosférico do preço do azeite de oliva nos supermercados é global. Na Europa, o produto subiu 100%, impactando a economia de três grandes produtores europeus: Espanha, Itália e Grécia. A inflação não é a única responsável pela alta dos preços. Flávio Aguiar, analista políticoRecentemente, a imprensa relatava que muitos consumidores brasileiros estão espantados diante do aumento estratosférico do preço do azeite de oliva nos supermercados. Na Europa ocorre o mesmo espanto, num momento em que a espiral inflacionária corrói o poder aquisitivo dos consumidores em todos os países, notadamente o daqueles do andar de baixo da pirâmide social.Se ultimamente a inflação dos alimentos passou dos 20% anuais na maioria dos países europeus, a do azeite de oliva foi superior aos 100%.O impacto dessa alta na economia, e mesmo na culinária global, é pequeno. O azeite é responsável por apenas 2% do consumo de óleos comestíveis em escala mundial. A fatia maior fica com seus primos, os óleos de soja, canola, milho e girassol.Entretanto, o peso do produto na economia dos três maiores produtores e exportadores do azeite é enorme. Espanha, Itália e Grécia são responsáveis por 66% da produção mundial. Além disto, é um elemento fundamental da economia de Portugal. "Ouro líquido"Na maior produtora, a Espanha, se diz  que a região da Andaluzia está para o azeite assim como a Arábia Saudita está para o petróleo. Aliás, algum tempo atrás o litro do azeite valia em média cinco vezes o litro do petróleo; agora vale dez vezes. Na Espanha é chamado de “ouro líquido”.Qual a principal causa deste aumento vertiginoso? Produtores, técnicos e economistas são unânimes: a escassez do produto, determinada pelas prolongadas secas dos últimos tórridos verões que assolam o continente europeu. Por trás de tudo, assoma o fantasma do aquecimento global.Em um ano, entre 2022 e 2023, a produção de azeite caiu 20% na Europa. Os fornecedores se voltaram para produtores alternativos, como Turquia, Tunísia, Marrocos e Argélia. Mas a queda da produção e a escassez do produto impuseram limites mais rígidos às exportações destes países, em alguns casos chegando à proibição.Se a participação do azeite de oliva na economia global e europeia é menor, o mesmo não se pode dizer de seu valor simbólico e cultural, intimamente associado à história e a civilização do continente, embora sua fonte originária seja na Ásia Menor, mais precisamente na Anatólia, cujo território pertence hoje maioritariamente à Turquia, e também na Pérsia e na Mesopotâmia.O azeite de oliva foi largamente utilizado na Grécia e na Roma antigas, na cozinha, no tratamento do corpo e até na iluminação. Seu uso em rituais religiosos remonta a milênios antes de Cristo e foi potenciado pelo judaísmo e o cristianismo.Hoje, além de ser utilizado em produtos cosméticos, é parte essencial da chamada “Dieta Mediterrânea”, considerada a mais saudável da Europa, rica em legumes, verduras e peixes, num continente onde é frequente o abuso de gorduras, carnes vermelhas e embutidos.Mudanças dramáticasO caso do azeite faz parte da série de mudanças dramáticas que atingem hábitos, costumes e a paisagem física e cultural da Europa.Um outro exemplo: no verão europeu, ouvem-se cada vez mais crianças dizendo às mamães que não querem "ficar em casa”. Por quê? Porque em grande parte da Europa as casas e os prédios foram feitos para guardar, ao invés de dissipar o calor. Resultado: na onda de calor geral, as moradias se transformam em verdadeiras saunas de grande porte.Uma outra área onde as mudanças são perceptíveis no continente é a política. A já citada Andaluzia espanhola sempre foi considerada como um reduto da centro-esquerda, do Partido Socialista Obreiro da Espanha. Os últimos resultados eleitorais registraram a queda da sigla, em favor dos partidos de direita, o Partido Popular e o Vox, este último autoproclamado herdeiro da tradição falangista e ditatorial de Francisco Franco.
9/4/20234 minutes, 22 seconds
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Ron DeSantis acumula erros nas primárias republicanas e vira meme nos EUA

Ron DeSantis, governador da Flórida e candidato presidencial pelo Partido Republicano americano, é um exemplo para todos que desejam entender como não se deve gerir uma campanha presidencial. Não se trata apenas de um candidato com um desempenho abaixo do esperado. No caso de DeSantis, chega a ser patética sua postura em relação a inúmeros temas de alta importância para os americanos.  Thiago de Aragão, analista políticoO lançamento oficial da campanha de DeSantis, em maio, pelo Twitter, foi recheado de falhas técnicas, a ponto de ninguém conseguir ver ou ouvir nada do que estava sendo falado. Comparado com o lançamento de outras campanhas presidenciais, a dele ficou registrada como uma das piores. No entanto, o pior ainda estava por vir. DeSantis lançou um novo programa escolar para as escolas da Flórida, que entre muitas coisas, ensinava que os negros americanos ”se beneficiaram da escravidão, pois aprenderam inúmeros talentos diferentes”. Isso levou a uma queda considerável no número de doadores para a campanha do republicano. Em um dos vídeos de campanha, desta vez com foco contra homossexuais, DeSantis aparece soltando raios laser pelos olhos contra homens musculosos e sem camisa. Além de patético, o vídeo foi criticado por inúmeros republicanos, tanto na Flórida como em outros estados americanos.Ações controversas e postura ineficazRon DeSantis demonstra claramente a sua incapacidade para a liderança presidencial com suas ações controversas e postura ineficaz. O desrespeito manifestado por ele em relação a importantes questões sociais e raciais, como evidenciado pelo conteúdo inaceitável do seu programa escolar, aliena um amplo espectro de potenciais eleitores e prejudica a sua reputação perante o eleitorado.Além disso, a gestão ruim, desde as falhas técnicas no lançamento até a criação de vídeos ofensivos, indica uma falta de competência para gerir campanhas eficazes. Essas falhas, aliadas a uma postura que muitos consideram insultuosa e desrespeitosa, tornam DeSantis um candidato presidencial inviável.Donald Trump, provável nome dos republicanos nas eleições presidenciais americanas de 2024, segue como uma liderança quase incontestável dentro do partido. DeSantis acreditou que, devido ao fato de Trump ser perdoado pelos republicanos a cada fala desastrada ou comportamento reprovável, teria o mesmo tratamento.Vários candidatos republicanos, como Nikki Haley, por exemplo, tentam manter um comportamento ao menos normal em suas propostas e posicionamentos, na esperança de que, caso Trump derrote Joe Biden (o provável candidato democrata), um cargo interessante possa cair em seu colo. Antimanual de campanhaNo caso de DeSantis, cada bobagem dita (que choca até os republicanos) diminui consideravelmente a possibilidade dele ser um integrante chave no gabinete de Trump, caso esse eleito. Enquanto Trump é tratado como folclórico pelos seus adoradores, DeSantis gera um desconforto profundo. O seu comportamento pessoal tem se tornado meme e tem sido alvo de críticas constantes.Em suma, a campanha de Ron DeSantis para a presidência é um verdadeiro manual de como não conduzir uma corrida eleitoral. Ao invés de utilizar sua plataforma para promover políticas produtivas e coesas, DeSantis optou por abordar questões sociais de maneira controversa e ofensiva, alienando potenciais apoiadores e manchando sua reputação.Portanto, a menos que haja uma mudança significativa em sua abordagem, é improvável que ele seja considerado uma opção viável para a presidência.
8/28/20235 minutes
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Análise: a difícil devolução de peças espoliadas em guerras e invasões aos países de origem

O recém-empossado presidente do Paraguai, Santiago Peña, pretende retomar com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, as negociações para que se devolvam ao seu país troféus tomados durante a guerra no século XIX. O pedido envolve centenas de armas, bandeiras, estandartes, o arquivo militar e objetos pessoais do presidente paraguaio Solano Lopez. Flávio Aguiar, analista políticoNo passado já houve a devolução de alguns objetos tanto por parte do governo brasileiro quanto por parte dos governos do Uruguai e da Argentina, países que também participaram da guerra contra o Paraguai, devastado por ela.A peça mais importante do pedido que agora será reencaminhado é um canhão chamado de “El Cristiano”, que hoje está no pátio do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Ele tem este nome porque foi confeccionado com o bronze derretido de sinos das antigas missões jesuíticas no Paraguai.Esse tipo de devolução de objetos tomados por países, no mais das vezes conquistadores, de países no mais das vezes conquistados, vem se tornando cada vez mais comum, sobretudo na Europa.Na Alemanha, há a já veterana devolução de objetos artísticos tomados ou comprados a preço vil por oficiais e líderes nazistas de famílias judias assassinadas ou em fuga.Recentemente foram assinados protocolos de devolução de objetos daquele tipo por parte da Alemanha e da França à Nigéria e também à República dos Camarões, na África.A Alemanha se prepara para devolver ao Brasil um fóssil de dinossauro contrabandeado do Ceará. A França vai fazer o mesmo, devolvendo 611 objetos indígenas levados ilegalmente do Brasil.Nem sempre essas devoluções são tranquilas. Há quem alegue que esses países do antigo Terceiro Mundo não têm condições objetivas de salvaguardar tais objetos. Outros alegam que muitos deles foram comprados em transações legais e legítimas.Também se deve olhar com cautela a generosidade das devoluções. A Dinamarca vai devolver um manto sagrado dos tupinambá para o Brasil, que possui desde o século XVI ou XVII. Ótimo. Mas é um dos cinco que possui. Só há dez exemplares dessa peça notável no mundo. Todas estão na Europa, onde vão permanecer.Dos poemas de HomeroO caso mais espetacular nessa matéria é o do chamado “Tesouro de Príamo”, que o arqueólogo alemão Heinrich Schliemann trouxe do que ele supunha ser a Troia dos poemas de Homero para Berlim, ao final do século XIX. Consta de inúmeras joias e outros objetos de valor que Schliemann pensava que pertenceram ao rei Príamo da legendária cidade tomada pelos gregos nos poemas de Homero.Críticos de Schliemann dizem que ele, usando pás e escavadeiras onde hoje os arqueólogos usam colherzinhas de chá e escovas de dente, mais destruiu do que achou. Dizem que ele conseguiu o que nem os piratas gregos conseguiram no poema de Homero: arrasar Troia de vez.Acontece que aqueles eram os métodos usados pela arqueologia do tempo, não apenas por Schliemann. Interessava conseguir o máximo num mínimo de tempo, e de gastos.De todo modo, acontece que Schliemann não era apenas um arqueólogo inexperiente. Era também um historiador ingênuo. Encarava os míticos poemas de Homero como se fossem modernos guias de viagem, tomando-os ao pé da letra.No fim da Segunda Guerra, os soviéticos levaram na surdina o “Tesouro de Príamo” para a Rússia. Durante décadas ele foi dado por perdido, até que em 1994 o Museu Pushkin, em Moscou, admitiu que o possuía.A Alemanha quer o espólio de volta. A Rússia se nega a entregá-lo, alegando que é uma compensação pelos danos praticados pelos nazistas em seu território.Mas… mais gente entrou na história. A Grécia alega que parte dos objetos do “Tesouro” foram obtidos na ilha de Micenas, não em Troia. A Turquia alega que a maior parte das escavações de Schliemann aconteceram em seu território. Até os descendentes do diplomata britânico Frank Calvert, que mostrou o sítio escavado ao arqueólogo amador, alegam que uma parte do espólio foi obtido numa antiga fazenda dele.Segundo a lenda, a guerra de Troia durou dez anos. A controvérsia jurídica em torno do “Tesouro” pode durar décadas ou centenas de anos.Voltando ao caso do canhão “El Cristiano”, melhor de fato seria devolvê-lo. A manutenção desses “troféus de guerra” ajuda a naturalizar a violência dos conflitos. Se fosse tecnicamente possível, o melhor mesmo seria refundi-lo a fim de reconstruir os sinos das antigas missões, que foram destruídos para que uma arma de guerra viesse a existir.
8/21/20234 minutes, 45 seconds
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Eleições nos EUA: anúncio oficial da candidatura de Biden será feito esse mês

A eleição presidencial de 2020 começou com um número histórico de candidatos concorrendo ao cargo, o que pode se repetir em 2024. Até agora, os republicanos que anunciaram suas candidaturas para presidente superam os democratas por 12 a 3. O presidente em exercício Joe Biden anunciou sua candidatura para a eleição de 2024 no final de abril, juntamente com Robert F. Kennedy Jr. e Marianne Williamson como os atuais candidatos democratas. Thiago de Aragão, analista políticoO partido Democrata vai selecionar oficialmente seu candidato presidencial em agosto de 2024 na Convenção Nacional em Chicago, Illinois. A eleição é prevista para ser mais uma batalha entre o ex-presidente Donald Trump e o presidente Joe Biden.Avaliação de campanhaA equipe de campanha de Biden tem ignorado as médias recentes de pesquisas baixas, notando semelhanças com os resultados antes das eleições de meio de mandato de 2022, nas quais o Partido Democrata se saiu bem. Embora as avaliações de aprovação do presidente Biden ainda sejam mais altas do que as de Donald Trump, o restante de seu mandato e outros fatores relacionados à confiança do eleitorado podem representar desafios para sua campanha. Os números mais recentes sugerem que o presidente Biden está enfrentando uma taxa de desaprovação de quase 55%.Pesquisas recentes conduzidas pela Emerson College com eleitores de Michigan, indicaram que o presidente Biden e Donald Trump possuem uma taxa de aprovação de 44% cada, e uma pesquisa conduzida pela Marquette Law School mostrou eleitores de Wisconsin divididos 50-50 entre os dois candidatos. Por outro lado, uma pesquisa conduzida pela Quinnipiac University com moradores da Pensilvânia destacou eleitores inclinados a Donald Trump com 47-46 sobre Biden.Agenda de campanhaO presidente Biden ainda não ofereceu detalhes concretos sobre sua agenda de campanha em 2024. No entanto, o sucesso em sua agenda "Build Back Better" com a aprovação de uma lei de infraestrutura bipartidária, clima e contas de saúde provavelmente estará na vanguarda de sua estratégia de campanha.A campanha de Biden também deve destacar os aspectos negativos das posturas de política de seus concorrentes republicanos em várias questões, como aborto e controle de armas. Os estados do cinturão da ferrugem, como Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, foram cruciais para a vitória de Biden na eleição de 2020. O presidente teve sucesso em virar cada um desses estados, que foram anteriormente ganhos por Donald Trump em 2016, apesar de ser uma batalha eleitoral acirrada.Sua campanha e o Comitê Nacional Democrata já começaram a prestar atenção específica a esses estados, bem como ao estado de residência de Trump, a Flórida. Além disso, uma proposta recentemente derrubada em Ohio, tipicamente republicana, para restringir o aborto, pode chamar a atenção da campanha de Biden como um trunfo em sua candidatura. Da mesma forma, Arizona e Geórgia apareceram no final da eleição de 2020 como estados potencialmente vantajosos para a campanha de Biden, o que provavelmente se repetirá na eleição de 2024 em termos de defesa do estado por sua equipe de campanha. A Carolina do Norte também pode se tornar um centro de atividade, já que o atual presidente perdeu anteriormente por apenas um ponto percentual.DesafiosOutros fatores podem ter um impacto significativo na campanha do presidente Biden para a eleição de 2024, incluindo supostas atividades ilegais de seu filho - Hunter Biden, preocupações com o bem-estar e a liderança do presidente, bem como incertezas sobre a capacidade de liderança da vice-presidente Kamala Harris.A recente controvérsia foi iniciada após um relatório de um denunciante da Receita Federal alegando interferência na investigação de Hunter Biden em 2018. Os eleitores de Biden ainda demonstraram algum tipo de preocupação com sua saúde física e mental para os próximos anos. Mesmo assim, o Partido Democrata entende que o atual presidente é quem reúne as melhores chances de derrotar novamente o potencial candidato Republicano, Donald Trump. 
8/14/20235 minutes, 2 seconds
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Descriminalização da maconha: tendência na Europa é de tolerância com usuário

No Brasil, o debate sobre a descriminalização do uso recreativo da canábis, a popular maconha, ganhou realce com o começo da votação sobre a matéria no Supremo Tribunal Federal (STF). No momento da redação deste comentário, o placar estava em 4 x 0 pró-descriminalização. Flávio Aguiar, analista políticoAs opiniões se dividem. Os defensores da medida alegam que descriminalizar o uso das drogas pode ajudar a combater o tráfico e também a corrupção na polícia. Lembram a histórica ineficácia da Lei Seca nos Estados Unidos, durante a década de 1920, que proibia a fabricação e a comercialização de bebidas alcoólicas, e terminou por incrementar o crime organizado, como o liderado pelo famoso gângster Al Capone.Aqueles contrários alegam que a descriminalização de uma droga, como a maconha, vai potencializar o caminho para o uso e o tráfico de drogas mais pesadas, como a cocaína, a heroína e outras, o que fortaleceria o tráfico.Há também quem diga que o tema deveria ser debatido no Congresso Nacional, e não no STF.Na Europa, a consideração do uso e cultivo da maconha varia bastante de país para país. Mas há tendências comuns e agrupamentos de países por regiões.De modo geral, a tendência dominante, mesmo em países onde o uso recreativo da maconha seja proibido, é a de criminalizar o tráfico e ser mais tolerante em relação ao usuário. A ação policial contra o usuário tende a se restringir aos casos de conduta perigosa, como a de dirigir drogado, ou considerada turbulenta em público.Com variantes legais e de tolerância ou rigor, essa é a tendência dominante em países como Portugal, Espanha, Itália, Luxemburgo, Bélgica, Dinamarca, Áustria, Irlanda, Reino Unido, Holanda, França e Irlanda. Em alguns desses países, como na Holanda, permite-se a compra e venda de pequenas quantidades de maconha, em locais especializados e fiscalizados.Já em países como a Grécia, a Noruega, a Suécia e a Finlândia o rigor na aplicação da lei que proíbe o uso da maconha é maior. No antigo Leste europeu, os países se dividem: há os mais liberais, como a República Tcheca, a Croácia, a Polônia e a Estônia, e os menos tolerantes, como a Hungria, a Romênia, a Eslováquia e a Sérvia.As situações acima descritas podem mudar, com a ascensão generalizada das forças políticas de extrema-direita, costumeiramente mais conservadoras.Uso recreativoNa Alemanha, o atual governo prepara uma legislação para, ainda em 2023, descriminalizar o uso recreativo da maconha, sua comercialização e cultivo individual em pequenas quantidades.Um acontecimento curioso, registrado há mais de dez anos em Berlim, ilustra bem as contradições e tendências deste século XXI.É comum encontrar aposentados nas ruas catando latinhas de refrigerante e cerveja para aumentar suas rendas, porque a pensão é muito reduzida em relação ao salário que ganhavam na ativa.Um belo dia a polícia descobriu uma autêntica quadrilha de idosas e idosos que aumentavam sua féria vendendo maconha, e só maconha, nada de cocaína ou coisas mais pesadas. Todas e todos estavam na casa dos setenta anos ou pouco menos. Constatou-se que eram remanescentes da revolucionária “geração de 1968”. Consumidores inveterados de maconha, decidiram aumentar seus ganhos vendendo os excedentes do que plantavam. Mais: a “capo” do grupo, que controlava a contabilidade com firmeza, era a mãe de um deles, que já estava numa casa avançada dos 90 anos. Perplexas, a polícia e a justiça tomaram uma atitude original. Não processaram nem prenderam as velhinhas e os velhinhos, desde que assumissem o compromisso de parar com seu florescente negócio e de ir catar latinhas como os demais. Assim foi dito, assim foi feito, e todos foram felizes para sempre com este “happy end” digno de uma comédia cinematográfica.
8/7/20235 minutes, 18 seconds
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No calor excessivo, a Europa se volta para a sesta

Tradicionalmente, muitos habitantes do norte europeu veem a sesta como um ato exótico e não laboriosamente muito virtuoso, comum no sul do continente ou em terras distantes, como o México ou em regiões tropicais das Américas. Flávio Aguiar, analista políticoEntretanto, na semana passada o Dr. Johannes Niessen, presidente da Associação Alemã de Médicas e Médicos dos Departamentos de Saúde Pública, propôs que a sesta fosse adotada oficialmente em seu país, a Alemanha. Motivo: a intensa onda de calor que atingiu não só a Europa, mas todo o hemisfério norte durante o mês de julho deste ano, considerado o mais quente de toda a história humana.A temperatura média do planeta subiu dos tradicionais 15 graus para inacreditáveis 17,5°, um salto que prenuncia catástrofes globais inclusive em breve.As ondas extremas de calor vem se tornando mais intensas e comuns em todo o hemisfério norte e particularmente na Europa, um continente que vem se aquecendo mais rapidamente do que os outros.As explicações reúnem elementos muito diversos, desde o crescimento de zonas urbanas em áreas antes rurais, até a permanência de uma corrente de vento do Atlântico para o continente, a muitos quilômetros de altura, que facilita a existência de bolhas de ar quente na superfície terrestre.Mas sobre e sob todos esses elementos paira a atividade humana industriando o aquecimento global.Oficialmente a temperatura mais alta registrada na Europa aconteceu na Sicília, em 2021: 48,8 graus Celsius. Entretanto, medidas não oficiais, mas confiáveis, já registraram até 50 graus ou um pouco mais, como na cidade de Atenas, neste verão. O calor excessivo tem castigado mais o sul do continente: Portugal, Espanha, o sul da França, a Itália, a Grécia e o mar mediterrâneo. Seus efeitos, entretanto, se estendem mais para o norte, com cidades como Paris e Berlim registrando temperaturas de quase 40 graus.E o fenômeno é mundial: da costa oeste dos Estados Unidos às planícies da Ásia central proliferam as ondas de calor que duram semanas a fio.A cidade de Phoenix, no estado do Arizona, nos EUA, registrou a fantástica temperatura mínima de 36 graus numa das madrugadas deste mês.Efeitos sobre o corpo humanoSegundo especialistas médicos, o calor excessivo pode ter efeitos devastadores sobre o corpo humano, provocando desidratação, ataques cardíacos, doenças nos rins e outras cardio-vasculares, além da perda do dono, caso as altas temperaturas se prolonguem durante a noite.O verão europeu, com dias muito longos e noites muito curtas, potencia tais efeitos. A recomendação é comer porções pequenas muitas vezes durante o dia e tomar mais de dois litros de água a cada 24 horas, conforme o peso e o tamanho da pessoa.Porém, outros hábitos devem mudar. Na Itália e na Espanha há negociações entre sindicatos, empresas e governos para mudar os horários de trabalho. Na Itália já há empresas da construção civil que adotam o horário das seis da manhã às duas da tarde.Na Espanha e na Grécia a sesta é definida oficialmente, com os estabelecimentos comerciais e até escritórios fechando duas ou três horas durante a tarde. O hábito de estende a Portugal, ao sul da França, à Itália e até à Rússia, durante os meses de verão.Origem da palavra sestaA palavra "siesta", sesta em português, "sieste" em francês e também "siesta" em italiano e em romeno, tem origem na expressão latina hora sexta, que designação o meio-dia no horário canônico romano, durante a Idade Média. A hora prima correspondia às seis horas da manhã, depois das matinas, antes do amanhecer e da laudes, no amanhecer, quando determinadas orações deveriam ser feitas, como nas vísperas depois do pôr do sol e nas completas, ou nove da noite.Os benefícios da sesta para a saúde são muitos: ajuda a estabilizar a pressão, diminui o estresse e a propensão a doenças cardio-vasculares, além de proteger quem a pratique da exposição ao sol e ao calor nas horas mais quentes do dia.Assim, não se surpreenda se em breve, ao chegar à Alemanha, você receba um convite para seguir o horário da "Mittagsschlaf", sesta, em alemão.
7/24/20235 minutes, 6 seconds
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Trump continua a liderar a corrida entre pré-candidatos republicanos à Presidência dos EUA

À medida que as eleições presidenciais americanas de 2024 se aproximam rapidamente, uma coisa é bastante clara - Donald Trump é o líder entre os candidatos republicanos. Apesar de quatro anos tumultuosos no cargo, a popularidade do ex-presidente se mantém entre um grupo relevante de republicanos e parece que sua influência (e controle) sobre o partido veio para ficar.  Mas enquanto a nomeação de Trump parece provável, ainda há um homem que pode ficar no seu caminho: o governador da Flórida, Ron DeSantis. Apesar de ser bem visto dentro do partido, DeSantis tem feito uma campanha sem brilho e está ficando rapidamente atrás de Trump nas pesquisas. Se DeSantis não mudar logo seu jogo, parece que Trump vai entrar em 2024 sem ser desafiado.De Santis é considerado um comunicador com altos e baixos, que o faz ser questionado constantemente por algumas frases sem nexo ou comportamentos estranhos quando está perto de seus potenciais eleitores. Por mais que Trump tenha afastado muitos Republicanos tradicionais do Partido, um grupo importante, principalmente do centro-oeste americano, segue enxergando nele um líder quase messiânico. Apesar de sua força, Trump precisará correr atrás do prejuízo para ter um apoio sólido como teve durante a sua primeira (e vitoriosa) campanha. Os apoiadores financeiros observaram atentamente as pesquisas relacionadas às chances de Trump derrotar o atual Presidente Joe Biden caso se confirme como o candidato Republicano. Internamente, Trump seguirá como dono do Partido. As acusações esdrúxulas e sem provas de que as eleições de 2020 foram roubadas acabou por afastar alguns Republicanos dos estados litorâneos, mas sedimentou ainda mais o eleitor republicano dos estados agrícolas e cidades com menos de 200 mil habitantes. Por outro lado, os contínuos problemas com a justiça (que incluem assédio sexual e sonegação de impostos) e o cansaço de parte da população em relação às mesmas narrativas repetidas de Trump, fazem com que ele não seja tão favorito, mesmo contra Joe Biden. Além de Trump e De Santis, alguns outros postulantes à posição de candidato presidencial pelo Partido Republicano incluem: Nikki Haley, ex-embaixadora americana na ONU, Mike Pence, ex-vice-presidente de Trump, Tim Scott, Senador pela Carolina do Sul e outros personagens mais irrelevantes do partido. Mesmo com tantos candidatos e sabendo que Trump é o favorito, todos esses concorrentes evitam criticar publicamente o ex-presidente, por temor da agressividade dos eleitores mais fanáticos de Trump. Não existe ainda a certeza absoluta que Trump será o candidato. No entanto, usando com maestria a velha máxima: se não dá para convencê-los, confunda-os, Trump mantém um grupo leal de seguidores que abraçam a ideia de fraude nas urnas como carro-chefe numa eleição cada vez mais complexa.
7/17/20234 minutes, 49 seconds
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Partidos de extrema direita crescem na Europa com versões atualizadas do nacionalismo

Na semana passada, um pequeno terremoto agitou a cena política alemã. Pela primeira vez o partido Alternative für Deutschland (AfD), de extrema direita, conseguiu eleger um prefeito no país. Trata-se de Hannes Loth, da pequena cidade de Raghun-Jessnitz, no estado da Alta Saxônia. No município de quase 9 mil habitantes, Loth, com 51% dos votos, derrotou seu adversário Nils Neumann, que se apresentava como candidato independente.  Dias antes, o AfD conseguira eleger seu primeiro administrador distrital, em Sonneberg, no estado da Turíngia. Este estado é o único da Alemanha a ter um governador do Die Linke, partido de esquerda. Mas se houvesse eleição hoje, o AfD chegaria na frente, com 28% dos votos, contra 22% da Linke, e a conservadora União Democrata Cristã (CDU) em terceiro, com 21%.Estes números confirmam o enraizamento da extrema direita na antiga Alemanha Oriental. Mas o AfD vem fazendo progressos em todo o país. Se houvesse hoje eleições gerais, a CDU viria em primeiro lugar, com 28% dos votos. Também pela primeira vez o AfD chegaria em segundo, com 20%, superando o Partido Social-Democrata (SPD), do atual chanceler Olaf Scholz, que ficaria em terceiro, com 18%. Os Verdes teriam 14% e o liberal FDP, ambos da coalizão governamental, ficaria com 7%. A Linke, com apenas 4%, sequer entraria no Parlamento Federal alemão, o Bundestag.Outros paísesNa Espanha, o Vox, que se declara herdeiro do ditador Francisco Franco e dos Cavaleiros Templários da Idade Média, também fez progressos nos últimos tempos, embora na última pesquisa seu ímpeto tenha arrefecido. Esta deu, em primeiro lugar, o conservador Partido Popular (PP), com 31,3% dos votos. Em segundo, vem o Partido Socialista Operário Espanhol, atualmente no governo, com 29,5%. Em terceiro vem o Vox, com 14,8% e em quarto a frente de esquerda, Sumar, com 13,4%; 11% ficariam para outros partidos. O Vox e o PP vêm fazendo alianças em várias regiões, desbancando o Partido Socialista em alguns de seus redutos tradicionais.Partidos de extrema direita lideram os governos da Itália, da Polônia e da Hungria. Na Finlândia, a extrema direita passou a integrar o governo, e na Suécia dá apoio decisivo ao novo governo conservador. Na Grécia, onde os conservadores conseguiram expressiva vitória recentemente, três partidos de extrema direita conseguiram entrar no Parlamento Nacional.E na cada vez mais convulsionada França a candidata Marine Le Pen, também de extrema direita, ganha mais votos a cada eleição que disputa.De um modo geral, os partidos de extrema direita mantém-se fiéis a seu nacionalismo nostálgico e xenófobo, voltado sobretudo contra os imigrantes e refugiados não europeus. Mas em outros pontos alguns deles vêm modificando suas teses tradicionais. Por exemplo, já não falam em “sair” da União Europeia, mas em “reformá-la”. Quanto à moeda única, o euro, vêm mantendo o que se pode chamar de um “silêncio obsequioso”. Tradicionalmente acusados de serem simpáticos ao presidente russo, Vladimir Putin, vêm se distanciando dele, devido à guerra na Ucrânia.Estes partidos também são favorecidos pela atitude de militantes dos partidos conservadores tradicionais, que se aproximam de suas bandeiras, como as da hostilidade aos imigrantes não europeus, na tentativa de recuperar votos que estão perdendo. No fundo, esta atitude legitima tais bandeiras aos olhos do eleitorado.Curiosamente, a principal exceção a este quadro, que muitos analistas avaliam como ameaçador para a democracia no continente, está na seguidamente conservadora Inglaterra. As últimas pesquisas dão uma vantagem estável para o Labour, o Partido Trabalhista, com uma votação estimada entre 43 e 47%, com tendência de alta, enquanto os Tories, o Partido Conservador, atualmente no governo, ficam entre 22 e 29%, com tendência de baixa. Já o Partido Reformador do Reino Unido, Reform UK, de extrema direita, ficaria apenas entre 4 e 9%.O primeiro grande termômetro deste novo desenho político ocorrerá na Espanha, cuja eleição nacional está marcada para o próximo 23 de julho.
7/10/20235 minutes, 17 seconds
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Biden foca em economia na sua pré-campanha eleitoral no Estados Unidos

À medida que se aproximam as eleições presidenciais americanas de 2024, o atual presidente Joe Biden e os seus assessores estão fazendo campanha para recordar aos eleitores os progressos realizados durante o seu mandato. O chefe de Estado acredita que, se conseguir comunicar com êxito todos os avanços desde que assumiu o cargo há quatro anos, os eleitores estarão mais dispostos a conduzi-lo à Casa Branca para um segundo mandato. Thiago de Aragão, analista políticoA equipe está preparando uma extensa campanha publicitária que destaca o que a administração Biden alcançou para o povo americano desde 2021. Isto inclui o aumento do acesso aos cuidados de saúde, a implementação de reformas progressivas e, principalmente, a melhora no ambiente econômico, apesar dos juros ainda estarem bem altos, assim como a inflação. Esse será o ponto crítico, principalmente pelo fato de que a maioria dos americanos acreditam que os Republicanos são melhores para gerir a economia do que os Democratas. A decisão de Biden de se apoiar fortemente no seu histórico econômico mostra que ele está confiante. No entanto, a sua equipe ainda tem muito trabalho pela frente para convencer os eleitores de que a situação econômica é controlável e continuará a melhorar sob o comando do democrata. O risco de uma recessão, que já foi alto, ainda não desapareceu completamente. Alguns assessores de Biden ainda são céticos em relação a uma campanha política centrada na economia, principalmente num ambiente de juros e inflação altos. Por outro lado, se não houver recessão e a economia continuar mostrando sinais de melhoras com a queda da inflação, queda na taxa de desemprego e, consequentemente, queda nos juros, o governo terá um bom material nas mãos para vender a ideia de Biden 2.0. O sucesso da campanha de reeleição de Biden reside na capacidade da equipe para gerir este delicado equilíbrio: manter o crescimento econômico, mas também a vigilância contra a inflação, para convencer os eleitores de que ele é o mais adequado para conduzir a América a um futuro mais brilhante e com maior prosperidade. Os riscos são elevados para a administração Biden, mas se conseguirem gerir ambas as tarefas com sucesso, então o democrata poderá estar no seu caminho de reeleição. Estratégia de Bill Clinton como modeloFocar na economia como carro-chefe de uma campanha eleitoral não é novidade. Bill Clinton adotou essa estratégia em 1992 e saiu vencedor. Em 1996, adotou a estratégia que os assessores de Biden querem adotar como modelo. Mas para que a tática funcione, a economia precisa estar boa a um ponto em que o eleitor menos instruído consiga identificar diferenças positivas em relação a um momento anterior a Biden. Para que essas mudanças sejam claras e perceptíveis, a melhora precisa ser substancial e passa, invariavelmente, pela questão da inflação e dos juros. Conseguir o equilíbrio certo desta vez será ainda mais importante para a campanha de reeleição de Biden, uma vez que poderá determinar se ele irá ou não se candidatar a um segundo mandato em 2024. O clima econômico continua a ser motivo de preocupação e desconcerto entre o público. Numa pesquisa recente do Pew Research Center, a inflação foi considerada a principal preocupação dos norte-americanos. Isto é especialmente preocupante, dado que o índice de aprovação global do presidente Biden no emprego se situa atualmente em apenas 35%.
7/3/20234 minutes, 42 seconds
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As “sepulturas flutuantes” da Europa

Um helicóptero sobrevoa um barco cheio de gente que está afundando. Dirigindo-se aos náufragos, o piloto do helicóptero pergunta: “ei, vocês viram um submarino por aí?”. Uma charge como esta apareceu na mídia, reunindo, de modo macabro, dois acontecimentos da semana passada. Flávio Aguiar, analista políticoUm deles era a tragédia do submarino que implodiu enquanto buscava os destroços do Titanic no fundo do Oceano Atlântico, provocando a morte de seus cinco ocupantes.O outro era um dos tantos naufrágios no mar Mediterrâneo de botes repletos de refugiados que, vindos do norte da África ou do Oriente Médio, buscam alcançar a Europa. Desta vez, a tragédia aconteceu perto do porto grego de Kalamata, no sul do país.A charge contrastava a intensidade das buscas do submarino com passageiros milionários numa viagem que muitos consideraram fútil, com o que denunciava ser uma suposta negligência criminosa das marinhas e autoridades europeias para com o drama das pessoas que, aos milhares, buscam a fuga de territórios devastados por guerras ou pela pobreza.  Na tragédia de Kalamata o navio pesqueiro transportava 750 pessoas quando naufragou, às 23 horas da terça-feira (13). Ela deixou um rastro de 104 sobreviventes, 78 corpos resgatados e mais de 500 desaparecidos.Pode-se fazer uma série de críticas à charge. Brinca com a morte de pessoas. Reúne acontecimentos distantes e com protagonistas diferentes. Milhares de quilômetros separam os dois naufrágios, entre o norte do Atlântico e o mar Jônico, no Mediterrâneo. Na busca do submarino atuaram sobretudo as guardas costeiras dos Estados Unidos e do Canadá. No naufrágio do pesqueiro as supostas acusações de negligência apontavam para a guarda costeira da Grécia, que localizara o navio muito antes da tragédia e nada fizera.Seja como for, com críticas ou não, a charge chama a atenção para um debate que vem tomando vulto entre representantes de organizações não governamentais que monitoram os refugiados do Mediterrâneo e muitas vezes os socorrem."Hostilidade aos não-europeus?"Afinal, há ou não há uma atitude de crescente hostilidade por parte das autoridades e marinhas da Europa em relação a estes migrantes não-europeus? Muitas vozes deste debate apontam o contraste entre esta suposta ou temida hostilidade com os africanos, árabes e outros com a fraterna boa vontade em relação aos refugiados ucranianos que, no fim de contas, são europeus. Apontam, também, que a guerra na Ucrânia e seu fluxo de refugiados ergueram uma cortina de fumaça sobre os outros migrantes, tornando-os invisíveis até que uma desgraça aconteça, como no caso de Kalamata.Há versões conflitantes sobre o acidente. A guarda-costeira grega diz que o navio seguia um curso normal em direção à Itália até o momento do naufrágio. Outras fontes, inclusive a BBC, dizem que o navio ficou parado durante horas antes de virar e afundar. Ainda uma terceira versão diz que perto das 23 horas, uma embarcação mercante tentou rebocá-lo com uma corda, o que teria provocado o naufrágio.A conta de acidentes deste tipo no Mediterrâneo é assustadora. Segundo aquelas ONGs, desde 2014 mais de 21 mil pessoas morreram ou desapareceram na arriscada travessia.  Ainda segundo estas mesmas fontes, as atitudes repressivas das marinhas e outras autoridades fazem com que estas viagens, sem dúvida ilegais, abandonem as rotas seguras e busquem outras mais perigosas.Alguns dias depois do desastre perto de Kalamata, outro barco virou quando seguia da Tunísia para a Itália, com 46 migrantes a bordo. Nove foram salvos, 37 desapareceram.Nada indica que este fluxo de desesperados venha sequer a diminuir, pelo menos no curto prazo. As guerras, a crescente desigualdade, a pobreza e a falta de perspectiva continuarão a provocar a busca destas viagens em embarcações precárias, batizadas, com justiça, de “sepulturas flutuantes”.     
6/26/20234 minutes, 20 seconds
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Domínio de portos pela China prejudica estratégia de países ocidentais

O domínio dos portos chineses vem prejudicando a estratégia de parte do ocidente para depender menos da China. Diversas empresas dos Estados Unidos e da Europa manifestaram a intenção de transferir parte de sua produção da China para a Índia e países do sudeste asiático, devido às crescentes tensões entre Washington e Pequim. Contudo, dados recentes apontam que essas regiões não possuem capacidade para competir com os chineses. Thiago de Aragão, analista políticoDe acordo com a ONU, atualmente 80% das mercadorias no mundo são transportadas por navio. No entanto, enquanto a China possui 76 terminais portuários capazes de acomodar grandes navios, países do sul e sudeste asiático têm apenas 31 dessas estruturas. Estima-se que os chineses tenham investido pelo menos US$ 40 bilhões entre 2016 e 2021 em infraestrutura portuária, o que resultou em uma capacidade de manejo de contêineres maior do que todos os países do sul e sudeste asiático juntos. Essa discrepância evidencia os desafios que empresas vão enfrentar ao tentar realocar suas cadeias de suprimentos para fora da China. Embora alguns países estejam buscando diversificar suas fontes de importação e reduzir a dependência, essa mudança será lenta e levará anos para se concretizar.Títulos pandaHá um firme interesse do governo chinês em expandir ainda mais sua capacidade portuária. Não é à toa que o governo chinês decidiu lançar seus títulos panda (título da dívida soberana). O Banco da China (BOC), em conjunto com o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, sigla em inglês) emitiram 2,5 bilhões de yuans (aproximadamente US$ 349,33 milhões) em títulos panda.Esses títulos têm um prazo de vencimento de cinco anos e uma taxa de juros de cupom de 2,7%. Os recursos levantados por meio desta emissão serão direcionados para o apoio ao desenvolvimento de infraestrutura sustentável.A peculiaridade deles é que são emitidos por entidades estrangeiras dentro da China continental. Os ativos pandas geralmente têm prazos mais curtos e pagam taxas de juros mais altas do que os títulos do governo chinês denominados em moeda local. Essa diferença ocorre porque os investidores estão assumindo um risco cambial ao investir em moeda estrangeira.O AIIB lançou seu primeiro lote de títulos panda em 2020, levantando 3 bilhões de yuans desde então. Linhas de crédito para uma melhora na infraestrutura do país - incluindo no setor energético - serão mais comuns durante os próximos 12 meses do governo de Xi Jinping, reeleito em março para um terceiro mandato na presidência do país. 
6/19/20232 minutes, 49 seconds
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EUA: diálogo com a China é essencial para reduzir chances de conflito

Recentemente, as tensões entre os Estados Unidos e a China aumentaram substancialmente. Em resposta, o presidente chinês Xi Jinping deixou claro que a China irá aumentar a sua capacidade de defesa e implementar um sistema de alerta para detectar ameaças militares. O governo chinês vem, ao longo dos últimos meses, buscando modernizar vários armamentos, aumentar a capacidade de produção de navios militares, além de modernizar softwares utilizados em seus aviões de caça. Thiago de Aragão, analista políticoEstas preocupações ecoaram no fórum de segurança de Shangri-la, em Singapura, onde vários líderes mundiais se reuniram recentemente para discutir essa e outras questões. Em especial, os funcionários dos governos dos Estados Unidos e da China demonstraram esforços para iniciar um diálogo construtivo, a fim de fazer face à sensação de perigo demonstrada por ambas as partes.Ainda não é claro quais medidas específicas poderão ser tomadas para desanuviar a situação, mas dada a gravidade deste conflito, é promissor que tais discussões estejam sendo realizadas.As palavras do secretário da Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, durante o fórum, de que a recusa da China em iniciar as conversas prejudica os esforços para manter a paz, podem ter sido uma forma de expressar a sua preocupação pela falta de progressos nesta situação.Infelizmente, a recente passagem de navios americanos e canadenses pelo Estreito de Taiwan, quando um navio de patrulha chinês chegou a apenas 150 metros de um navio americano, com risco de potencial colisão, é um sinal de que estão surgindo novas áreas de contenção e sugere que a situação entre estes dois países pode ainda estar longe de ser resolvida. O governo chinês se mostrou muito desconfortável com os recentes exercícios militares realizados entre EUA e aliados regionais (Japão, Austrália, Filipinas e Indonésia). Além disso, os EUA estão aumentando a capacidade de interoperacionalidade de tecnologias militares americanas e japonesas.No fórum de segurança de Shangri-La, o ministro da Defesa chinês, Li Shangfu, declarou que a China "reforçaria a sua posição de liderança na região", e deixou claro que não tolerará o trânsito militar americano e de seus aliados em águas no qual os chineses consideram seu território. Naturalmente, os americanos e aliados argumentam que a navegação não cometeu nenhuma ilegalidade, já que as águas eram consideradas internacionais.Consequentemente, muitos observadores continuam pessimistas quanto à perspectiva de se conseguir um diálogo significativo num futuro próximo. Existem inúmeras arestas entre os dois lados que impossibilitam um diálogo franco entre os dois países.Tudo leva a crer que as tensões militares entre estas duas potências mundiais não deverão diminuir tão cedo, continuando ambas as partes a preparar-se para um potencial conflito. Como tal, parece claro que é necessário fazer mais para garantir a paz.
6/5/20235 minutes, 21 seconds
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Percepção de equivalência de culpa da guerra na Ucrânia desqualifica o Brasil como mediador

Durante a reunião do G7, Lula voltou a se colocar como um possível mediador para buscar a paz entre russos e ucranianos. No entanto, algumas críticas e comentários do presidente brasileiro demonstram que ele ainda não vê a origem da guerra a partir de uma invasão russa. Lula afirmou ainda que a busca pela paz que a Ucrânia quer é irreal, pois ela representa a rendição total da Rússia. Thiago de Aragão, analista político Quando a soberania de um país que estava quieto em seu canto é violada por meio de uma invasão, não dá para relativizar o ato do agressor e equalizá-lo ao comportamento do agredido. A Ucrânia, violentada pela invasão russa, certamente não quer dividir a culpa da guerra com seu agressor. A percepção brasileira de equivalência de culpa é exatamente o que desqualifica o Brasil para o papel de mediador.  É absolutamente compreensível que o presidente Lula busque esse protagonismo como mediador. Afinal, sua reputação internacional que já era grande, se tornou maior ainda a partir da ausência internacional e das trapalhadas de seu antecessor. No entanto, prestígio não é sinônimo de conhecimento factual e conceitual do que está acontecendo. Durante o G7, Lula acertou em alguns pontos. De fato, o mundo não precisa de uma Guerra Fria. No entanto, ela existe. Criticar o criticável, sem apresentar uma solução estruturada, é chover no molhado. Óbvio que o mundo não precisa de uma nova Guerra Fria, mas, surpresa, ela está aí e nos resta compreender suas nuances para evitar que ela se torne quente.  Lula criticou fortemente o presidente americano Joe Biden por se colocar tão fortemente contra a Rússia em sua condenação à invasão da Ucrânia. Qual seria o comportamento ideal então? Estimular uma equivalência de culpa entre o agredido e o agressor gera um sentimento de repulsa tão profunda no agredido, que compreendo o fato de Volodymir Zelensky ter desistido de ir à reunião marcada para as 15h15 (hora local) no hotel onde Lula estava hospedado.  As consequências desta guerra no Donbass e em inúmeras localidades ucranianas são tão trágicas e tão dispendiosas que é absolutamente inaceitável ignorar ou relativizar o comportamento do governo russo. O mundo tem de compreender que há um claro agressor neste conflito e, se queremos trazer a paz, temos de ter uma solução prática e concreta para pôr fim a este conflito de uma forma que não premie a Rússia. Como obter uma solução onde a paz é gerada por uma navalhada na própria carne para entregar um naco para os russos?  O mundo precisa de um mediador que enxergue essa realidade e atue na busca de uma solução viável que satisfaça os dois lados sem recompensar o país agressor. O Brasil tem potencial para se tornar esse mediador, mas não com a percepção que se tem hoje do conflito ucraniano-russo. Lula está correto em afirmar que a postura de Biden o impede de mediar a guerra, afinal, os EUA já se posicionaram amplamente a favor dos ucranianos (como boa parte do planeta). Por outro lado, Lula ainda não percebeu que o comportamento do Brasil até agora, legitimado pela fala de Serguei Lavrov (“os interesses russos estão bem alinhados com a proposta brasileira”), também impede o Brasil de mediar, pois seu lado já foi escolhido, mesmo que não queira deixar isso claro. 
5/22/20234 minutes, 50 seconds
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Brasil, Ucrânia, Rússia, Europa: uma equação complicada

Imaginemos uma equação matemática assim disposta: (Ucrânia + EUA, OTAN e aliados) contra Rússia / China e Brasil. O resultado seria ainda uma incógnita. O fato é que ninguém sabe como esta guerra vai terminar, nem quando. O secretário-geral da ONU António Guterres sentenciou: a paz está longe, porque ambos os lados do conflito ainda “estão convencidos de que vão vencer”. Flávio Aguiar, analista político Diante desta expectativa, a insistência com que o governo brasileiro insiste em falar em paz pode parecer uma retórica vazia, embora acompanhado pela China. Mas não é bem assim. Em matéria de geopolítica e diplomacia as coisas são mais complexas. A posição brasileira de não enviar armas para Kiev pode suscitar críticas por parte dos Estados Unidos e seus aliados europeus. Mas estas críticas, curiosamente, são mais veementes entre os governados do que entre os governantes. O fato é que por onde passem o presidente Lula e seu assessor especial Celso Amorim são recebidos de braços abertos, com ou sem críticas, de Washington a Moscou, de Buenos Aires a Pequim. Exemplos recentes, além da visita de Amorim a Moscou e Kiev: o presidente Lula foi oficialmente convidado pelo primeiro-ministro japonês para a próxima reunião do G7 em Hiroshima, de 19 a 21 de maio; o primeiro-ministro holandês disse que quer explicar ao presidente Lula a posição dos países europeus que apoiam Kiev, mas, ao mesmo tempo, declarou que quer conversar com ele sobre “muitos outros assuntos”. Pragmatismo político Depois da longa hibernação provocada pela política externa confusa e obtusa do governo anterior, agora todos querem conversar com o atual governo brasileiro. Para colocar a questão em termos muito pragmáticos, muito ao gosto das finanças internacionais: um mercado de quase 220 milhões de habitantes não pode ficar na berlinda. Alguns comentaristas na mídia costumam cair na armadilha de considerar a posição brasileira sobre a guerra isoladamente, sem levar em conta o conjunto da sua política externa. O termo que a melhor define apareceu em artigo recente da revista norte-americana Foreign Affairs: “restauração” (edição de 23/03/2023, assinatura de Husseis Kalut, da Universidade de Harvard, e de Feliciano Guimarães, da Universidade de São Paulo). O governo brasileiro busca restaurar a posição de liderança que já teve em relação aos países do chamado “Sul” do mundo, e por isso mantém uma política de equidistância em relação às atuais potências geopolíticas e seus aliados mais próximos. Busca restaurar a credibilidade e o prestígio de que sua diplomacia quase sempre desfrutou desde a segunda metade do século XIX, onde os alinhamentos automáticos foram a exceção, nunca a regra. O Brasil não é um país mundialmente relevante do ponto de vista militar. A política externa brasileira sempre se pautou pelo chamado “soft power” e pelo multilateralismo, e no século XXI pela liderança na questão ambiental, que foi rompida pelo governo anterior. O governo brasileiro quer demonstrar que pode dialogar com todo mundo o tempo todo. Na Europa, o governo brasileiro dialoga com Emmanuel Macron em Paris e com Charles III e Rishi Sunak em Londres; com Olaf Scholz em Berlim, com Pedro Sánchez em Madri, António Costa em Lisboa, e com Joe Biden, Vladimir Putin, Volodymyr Zelensky, Xi Jinping e outros mais. Quanto à insistência na palavra “paz”, bem, pode-se esperar de tudo no atual estado da arte da geopolítica, menos resultados imediatos. Decididamente o mundo - inclusive a Europa - passa por um momento de rearmamento geral, intensificado pela guerra na Ucrânia. Em tal circunstância, é melhor acreditar no ditado tão brasileiro: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
5/15/20234 minutes, 17 seconds
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Para neutralizar influência crescente da China na América Latina, EUA devem buscar flexibilidade

Em 2017, o Panamá tomou a decisão de mudar sua lealdade de Taiwan para a China, o que causou reações perplexas em Washington. Isso aconteceu devido ao crescente investimento chinês que o país havia recebido e sua determinação em garantir alianças estratégicas. A China considera Taiwan uma província rebelde e parte de seu território. Pequim pretende recuperar a ilha mesmo que seja pela força. O Canal do Panamá é um exemplo perfeito de por que a China valoriza essa parceria, visto que ele é de extrema importância comercial e econômica. O país da América Central não é o único a se aproximar da China recentemente – Nicarágua e Honduras também estão estreitando os laços com a nação asiática. Belize permanece fiel a Taiwan, mas pode mudar de lado em um futuro próximo, apesar do governo local ter reafirmado sua lealdade a Taiwan.  A influência da China na América Latina difere da influência dos Estados Unidos. As propostas chinesas são personalizadas e dinâmicas, colocando soluções acima dos problemas. Este aspecto contrasta com a abordagem americana, que dá prioridade a políticas mais rígidas e consistentes. Apesar de as políticas chinesas estarem longe de serem perfeitas, a abordagem mais flexível e adaptável de Pequim pode ajudar o país a se estabelecer na cena internacional. Além disso, é importante destacar a diminuição da influência dos Estados Unidos na América Latina. Países como o Brasil e o México estão cada vez mais interessados em expandir sua presença global, o que pode significar olhar para além das parcerias tradicionais com os EUA. Além disso, há crescente ceticismo em relação ao compromisso contínuo dos Estados Unidos com a região. No entanto, é vital observar que a China ainda não é um parceiro perfeito e que deve ser tomado com cuidado. A história ensinou a importância da diversificação de parceiros para evitar que um único país gere uma dependência desproporcional. Dito isto, a China está fazendo sua presença ser sentida na América Latina e pode representar um desafio significativo para a hegemonia dos Estados Unidos na região. China tem abordagem diferenciada É importante ressaltar também que a China está se expandindo em todo o mundo a um ritmo incrível, e sua abordagem diferenciada é atraente para muitos países que desejam tomar decisões mais adaptáveis aos desafios políticos, econômicos e ambientais enfrentados. Isso não significa que devemos ficar despreocupados com as políticas chinesas, mas sim fazer análises cuidadosas e adotar medidas preventivas quando necessárias. Enquanto os Estados Unidos focam em lidar com problemas urgentes, como a imigração ilegal, a corrupção e o narcotráfico, a China faz uma abordagem diferente, focando em investimentos para expandir sua influência regional. Embora muitas vezes as promessas de investimentos sejam exageradas, para os políticos latino-americanos com mentalidade de curto prazo, a oferta da China pode parecer mais atraente do que se envolver em narrativas conflituosas com os Estados Unidos. No entanto, pode ser benéfico para Washington adotar uma abordagem positiva e propositiva, trabalhando em estreita colaboração com os países da região, a fim de neutralizar o impacto das ações chinesas. Os EUA devem estar atentos e buscar melhores maneiras de manter sua influência na região de forma mais adaptável. Isso garantirá uma maior diversificação de opções para os países latino-americanos e, consequentemente, um ambiente mais equilibrado para o desenvolvimento e crescimento.
5/8/20235 minutes, 1 second
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Inflação provocada por guerra na Ucrânia turbina atos de 1° de Maio na Europa

Melhores salários, melhores condições de trabalho, melhorar as pensões e as aposentadorias, mais oportunidades para trabalhadores jovens, e também fim das discriminações de gênero, combate aos preconceitos sexuais, combater o aquecimento global: esta pauta ampliada vai dominar as comemorações do Dia do Trabalhador ou do Trabalho nesta segunda-feira (1°), em um grande número de cidades europeias Flávio Aguiar, analista político Depois de anos de relativa letargia ou congelamento os movimentos de trabalhadores estão renascendo das próprias cinzas. Diante de uma inflação galopante turbinada pelas consequências da guerra na Ucrânia, os movimentos sindicais tradicionais e alternativos vem crescendo em toda a Europa. A sindicalização, antes em recesso, está aumentando em muitas cidades. Ao lado das centrais sindicais de longa tradição surgem cada vez mais movimentos alternativos buscando congregar os novos imigrantes que chegam ao continente de todos os lados, fugindo de guerras ou da piora nas condições de trabalho e sobrevivência em muitos países. Além dos ucranianos, continuam a chegar levas e mais levas de fugitivos da África e do Oriente Médio. Os naufrágios trágicos no Mediterrâneo continuam, sem trégua. “Solidários para sempre” Em Berlim a DGB, a central sindical alemã, lançou a palavra de ordem “Ungebrochen Solidarisch”, “Solidários para Sempre”, ou “sem Limites”, numa tradução livre. A passeata da DGB termina por volta do meio-dia, como tradicionalmente, junto ao Portão de Brandemburgo, numa grande festa, com muita música e cerveja. À tarde há manifestações alternativas em bairros populares como Kreuzberg e Neuköln. E no final do dia, grupos radicais, em geral de inspiração anarquista, realizam nova passeata a partir destes bairros, que costuma terminar em violência, com quebra-quebra e repressão por parte da polícia. O quebra-quebra, aliás, já começou nesse domingo (30) quando se comemora a chamada “Noite de Walpurgis”, ou “Noite das Bruxas”, com vitrines quebradas e os carros incendiados. Atos em outros países europeus Na França as manifestações têm por tema dominante os protestos contra a reforma da Previdência, aumentando a idade mínima das aposentadorias para 64 anos, e pelo aumento do custo de vida, sobretudo de alimentos, energia e combustíveis. Na Itália as três grandes centrais sindicais, CGIL, CISL e UIL, lançam no primeiro de maio uma campanha unificada pela valorização do trabalho, que deve se estender ao longo do ano. Na Espanha e em Portugal, os trabalhadores vão às ruas por melhores salários, mas também pedindo mais solidariedade com os refugiados, jovens. Em Londres ocorre uma grande manifestação que converge para a Praça de Trafalgar, no centro da cidade, reivindicando, além de reajustes ou aumentos de salário, melhores condições de trabalho, melhores serviços para a população e a preservação de empregos. A guerra entre Moscou e Kiev não parece poder acabar em breve, comprometendo nos países europeus as importações de grãos, em geral provenientes da Ucrânia, e de fertilizantes e gás, que costumavam vir sobretudo da Rússia. Isto significa que a inflação, puxada pelos preços de produtos agrícolas e da energia, vai continuar em alta, alimentando a carestia e os protestos.
5/1/20233 minutes, 47 seconds
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Brasil e China precisam superar desafios para implementarem acordos

Recentemente, o Brasil e a China assinaram acordos comerciais que somam US$ 10 bilhões, fruto da visita de alto nível liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A relação entre os países vem se desenvolvendo e fortalecendo há anos. Nesse terceiro mandato de Lula à frente do governo brasileiro, parece que esta relação com a China atingirá níveis nunca antes vistos de aproximação. Os anúncios são positivos, falta ver como as dificuldades em implementá-los serão resolvidas.  Thiago de Aragão, para a RFI Embora o comércio entre o Brasil e a China possa gerar benefícios para ambas as partes, existem preocupações de que o mesmo possa causar uma desindustrialização no Brasil. Para evitar isso, a administração Lula busca incentivos chineses para promover áreas industriais e tecnológicas focada em tecnologias verdes. Além disso, o governo brasileiro também está considerando políticas industriais que possam turbinar a indústria nacional. Essas políticas industriais, no entanto, não são novidade para Lula. Em seus governos anteriores, a implementação de uma nova política industrial ficou apenas na ideia e no gasto, sem a execução. No entanto, com escassos recursos financeiros disponíveis para projetos como este, o governo brasileiro terá que ser criativo para conseguir alcançar seus objetivos. Para isso, ele pode usar os recursos internos do país - incluindo matérias primas e um grande mercado interno - a fim de tornar as indústrias brasileiras mais competitivas e capazes de produzir produtos que possam ser comercializados internacionalmente. Apesar de flertar com a ideia de incentivos e eventuais subsídios para a indústria brasileira, no fim Lula sabe que a complexa matriz tributária (além da alta carga) são os empecilhos mais comuns para o desenvolvimento da indústria nacional.  Desafios O anúncio de projetos e acordos pode ter sido saudado como um passo positivo, mas é evidente que ainda há muitos desafios a serem ultrapassados quando se trata de implementar as iniciativas. As transferências de tecnologia exigirão negociações delicadas entre dois países com sistemas industriais e regulamentos muito diferentes. A fábrica de hidrogênio verde envolverá investimentos dispendiosos em infraestruturas num setor energético que enfrenta numerosos obstáculos. Os projetos eólicos offshore serão dificultados por uma falta de experiência quando se trata de gerar energia renovável na região. E a empresa binacional de logística agrícola poderá enfrentar dificuldades devido à complexa regulamentação aduaneira do Brasil. Tudo isto significa que, embora o memorando da semana passada tenha sido certamente um passo à frente, é demasiado cedo para dizer se estes projetos serão bem sucedidos.  No entanto, é bom sempre lembrar que inúmeros acordos e memorandos assinados em 2015, entre a então presidente Dilma Rousseff e Xi Jinping, ficaram apenas no papel. Um dos mais chamativos, foi o acordo da rodovia Trans-Pacífico, que não conseguiu avançar por problemas, inexperiências ou perda de interesse de um lado, ou de outro. Muitos dos projetos formados por Lula nessa última viagem correm o mesmo risco. 
4/24/20234 minutes, 44 seconds
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Governo alemão apresenta projeto para regularizar uso recreativo da maconha

O governo alemão apresentou na semana passada um projeto de lei que regulamenta o uso recreativo da maconha. “Recreativo” significa o uso individual por prazer, sem finalidade médica. Algo semelhante a tomar um aperitivo no final da tarde. Flávio Aguiar, analista político O projeto foi apresentado pelo ministro da Saúde, Karl Lauterbach, do Partido Social Democrata, e pelo ministro da Agricultura, Cem Özdemir, do Partido Verde. O texto provocou uma reação negativa imediata por parte da União Social Cristã, partido da Baviera predominantemente católica. Mas a expectativa é de que o projeto seja aprovado no Bundestag, o parlamento federal alemão. O projeto já vinha sendo elaborado pelo governo alemão há algum tempo. A versão inicial era mais "aberta" do que a apresentada agora, que recuou em alguns pontos. Na versão atual, indivíduos maiores de idade (a partir de 18 anos) seriam autorizados a terem posse de 25 gramas de maconha, o que equivale mais ou menos ao suficiente para preparar até cem cigarros (cinco maços) ou “baseados”, na gíria brasileira, dependendo da sua pureza ou mistura com tabaco. Além disto, os usuários estariam autorizados a terem três pés de maconha em suas residências, desde que, no caso de uma fiscalização, comprovem que há medidas de segurança para impedir o acesso às plantas por parte de menores de idade. O uso e a posse da maconha estarão proibidos nos arredores de escolas e creches. O projeto original previa a criação de lojas de venda da maconha. Houve um recuo nesta matéria, para uma adequação às normas da União Europeia. Ainda assim, o projeto prevê a criação de “clubes” onde os consumidores de maconha poderão trocar experiências, sementes e espécimes, com um número limitado a 500 sócios para cada clube. Países avançam na legislação Se o projeto for aprovado, a Alemanha passará a pertencer a um grupo crescente de países onde o uso recreativo da maconha é liberado, dentro de certas regras, havendo cinco países onde esta liberação é mais ampla (Canadá, México, Espanha, Portugal e Uruguai) e outros 25, nos cinco continentes, onde a liberação ao uso existe, mas de forma mais restrita. Além disto, há o caso da Austrália e dos Estados Unidos, onde a liberação da maconha é de competência estadual. E há ainda o caso de países onde o porte e o uso da erva é ilegal, mas existe uma política de tolerância informal. Este, inclusive, é o caso atualmente na Alemanha. Especialistas consideram que a liberação parcial ou completa do uso da maconha é fundamental para coibir seu tráfico e de outras drogas, uma vez que a “cannabis”, nome científico da planta, com frequência é a ponta de lança para o tráfico de outras drogas mais pesadas, como a cocaína, a heroína, o crack, o ecstasy, etc. Os defensores do projeto alemão estão divididos em relação ao seu atual formato. Eles estão satisfeitos, por um lado, porque o consideram um avanço. E insatisfeitos, por outro, porque argumentam que, enquanto não houver a possibilidade de comercializar a maconha em lojas autorizadas, o tráfico ilegal continuará a ter terreno favorável para se expandir.
4/17/20233 minutes, 38 seconds
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Lula precisa tomar cuidado com as tensões geopolíticas no encontro com Xi Jinping em Pequim

A viagem de Lula à China cumpre a meta inicial de seu governo no campo da diplomacia: demonstrar uma equidistância dos EUA e da China, a fim de buscar se beneficiar das relações com os dois países. Essa foi a postura dos dois primeiros governos de Lula e, obviamente, faz muito sentido, dado o posicionamento histórico brasileiro de neutralidade no que é possível. Thiago de Aragão, analista político Por mais que a lógica na cabeça de Celso Amorim, assessor-chefe da Assessoria Especial do presidente Lula, seja baseada na noção de equidistância, o que muda desde quando Lula encerrou seu segundo governo é a situação geopolítica global. Lula conversou com Joe Biden em sua ida aos EUA e deixou claro ao presidente americano que não tomará parte em ações de contenção da influência chinesa na América Latina. Não era o que Biden queria ouvir, mas tampouco foi uma surpresa para o governo americano. Xi Jinping certamente não pedirá para o Brasil tomar uma posição pública de aliança com a China e antagonismo em relação aos EUA, pois a diplomacia chinesa não funciona assim. No entanto, muita coisa mudou nesses últimos anos. O mundo está mais polarizado do que nunca e Lula, mesmo com o seu alto interesse em política externa, precisa estar atento a detalhes que normalmente não são levados em conta por assessores próximos. Em primeiro lugar, as tensões entre China e EUA são crescentes e dinâmicas. Os nervos estão à flor da pele, e o governo brasileiro deve tomar muito cuidado com o que o presidente Lula dirá em Pequim. Um posicionamento a favor da China contra Taiwan cairia muito mal na comunidade internacional. Assim como Lula minou a possibilidade de mediar um cessar-fogo entre Ucrânia e Rússia a partir do momento que dividiu, irmãmente, a culpa pela guerra entre os dois países. Em relação a Taiwan, o ideal é ficar quieto e não mencionar nada nessa linha. Um segundo ponto importante é que certamente Lula e seus assessores mais próximos sabem que a “tecnologia” é o ponto central das tensões entre EUA e China. A Huawei é vista como um grande risco por americanos e europeus, enquanto o governo Lula não vê a empresa chinesa dessa forma. Um eventual anúncio de cooperação e/ou de comercialização de produtos tecnológicos ligados às listas de sanções impostas pelos americanos contra a China poderá prejudicar e muito a ampliação de empresas americanas e europeias operando no Brasil. No campo das telecomunicações, por exemplo, poderia surgir uma crise de confiança no fluxo de dados entre empresas no Brasil que trabalham com operadoras que utilizam os kits de 5G da Huawei. Terceiro ponto: o posicionamento chinês a favor da Rússia na guerra da Ucrânia é público e notório. Um comunicado conjunto entre Lula e Xi nessa linha, independentemente da mensagem que saia dos dois, não seria bem recebido e seria visto como um erro diplomático. Dada a posição de Xi em relação à guerra, qualquer coisa que saia da boca de Xi sobre esse tema, com Lula em pé ao seu lado, seria prejudicial. Apesar desses riscos “operacionais”, a viagem não deixa de ser extremamente importante para o país. A China, como principal parceira econômica do Brasil, inevitavelmente estimula a ida de uma enorme comitiva brasileira. Enquanto os acordos que serão discutidos e assinados no campo do agronegócio e comércio serão indubitavelmente positivos, os que poderão surgir nas áreas de cooperação em ciências e tecnologia merecem uma atenção maior aos riscos. A diplomacia brasileira está acostumada a missões presidenciais repletas de alegrias, oba-oba e boas notícias. A ida de Lula à China conterá tudo isso, dado o perfil do presidente brasileiro. No entanto, desde a ida de Lula ao Irã em 2010 para tentar, ao lado de Mahmoud Ahmadinejad, fechar um acordo nuclear, o Brasil não tem um presidente visitando um país onde riscos silenciosos podem se tornar custosos, seja por uma frase mal colocada ou um sorriso fora de hora. O ponto de interrogação permanece em relação à esdrúxula ideia da diplomacia brasileira de mediar uma solução para a guerra na Ucrânia. Obviamente, China e Rússia se colocarão a favor do plano brasileiro, pois beneficia claramente a Rússia ao tentar equiparar os atos russos aos ucranianos. Lula é um presidente ativo na política externa e benquisto em vários países do mundo. Isso não quer dizer, no entanto, que entenda dos detalhes e nuances dos temas complexos da geopolítica global. O projeto de mediar o fim da guerra, apresentando tudo que a Rússia sonha em ter, prejudica e muito a imagem do Brasil no mundo, mesmo em um momento em que praticamente qualquer coisa que Lula faça gere resultados melhores do que a bizarra política externa de Ernesto Araújo e Jair Bolsonaro. Na China, Lula terá em Xi Jinping um aliado para esse plano de mediação, justamente por ser inatingível e benéfico apenas para a Rússia e, consequentemente, para a China.
4/10/20234 minutes, 58 seconds
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A questão social ferve na Europa

Há mais de dez anos fui a Frankfurt-am-Main cobrir uma reunião da DGB, a Deutscher Gewerkschaftsbund, a Federação Alemã de Sindicatos. Também participei de uma reunião da Federação e de sindicatos em Berlim. Eu acompanhava uma delegação da CUT brasileira, convidada a participar dos encontros.  Flávio Aguiar, analista político Numa das exposições, um dos principais dirigentes da DGB expôs que a ação da Central e de um dos principais sindicatos alemães, o IG Metall, o dos metalúrgicos, baseava-se sobretudo numa estratégia que ele chamou de “Win-Win”, valendo-se do verbo inglês “to win”, “ganhar”. Aquela expressão se poderia traduzir por “Ganha-Ganha”. Referia-se a uma política de cooperação, ao invés de confronto, entre trabalho e capital, sindicatos e patrões. A moldura desta estratégia era a de uma inflação próxima de zero, aliada a se privilegiar a manutenção de postos de trabalho sobre a perspectiva de novos reajustes ou ganhos salariais. Esta situação parecia sólida e duradoura como uma rocha. É verdade que a crise financeira de 2008 e o avanço da precarização dos contratos de trabalho expunham algumas rachaduras naquela rocha, mas não suficiente para abalá-la. O esforço maior dos sindicatos mais fortes, como o dos metalúrgicos, era o de estender aos trabalhadores precarizados as condições dos contratos regulares, os de “carteira assinada”, como a gente diria em termos de Brasil.  Mais recentemente, os efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia catapultaram a inflação, que passou a crescer regularmente, chegando a mais de 10% anuais na média, e dando pinotes e corcovos de 20 a 40% no caso dos alimentos e da energia. Em resumo, aquela rocha, que parecia tão firme, derreteu e a questão social se avolumou, assumindo agora ares de correnteza à solta, e não só na Alemanha. O resultado é que na semana passada ocorreu algo que não acontecia no país há muito tempo. Durante 24 horas, a Alemanha praticamente parou, graças a uma greve múltipla nos transportes aéreos, ferroviários, urbanos, interurbanos e regionais. Motivo: insatisfação com os salários diante do aumento generalizado do custo de vida. Com a inflação na casa dos dois dígitos anuais, a maioria dos trabalhadores vem obtendo reajustes de 4 a 5%, quando obtêm. Mesmo o poderoso IG Metall conseguiu um reajuste de apenas 8,5% para a categoria. Protestos na França e no Reino Unido A insatisfação e os movimentos vêm crescendo de modo exponencial também na França e no Reino Unido. Na França houve seguidas manifestações de rua contra a reforma da Previdência decretada unilateralmente pelo governo de Macron, elevando a idade mínima de 62 para 64 anos. O movimento é tão forte e tão amplo que muitos analistas apontam que a reforma decretada não é suficiente, por si só, para explicá-lo. O custo de vida também joga combustível na fogueira, além de outros fatores, como meio ambiente e piora nas condições de trabalho. Outro componente não desprezível são os protestos contra a repressão policial, considerada excessiva em muitos casos. No Reino Unido as greves têm se multiplicado, sendo mais dramática a situação da área de saúde. O caso é emblemático. O Reino Unido tinha um sistema público de saúde considerado exemplar desde a década de 1940, mas ele foi praticamente destruído a partir do governo neoliberal de Margaret Thatcher, e os atuais planos conservadores de austeridade fiscal não o ajudaram a se recuperar. As greves se sucedem sem parar. Crise veio para ficar O que acontecerá no plano político? É difícil dizer. Grande parte dos partidos social-democratas e socialistas aderiram a princípios neoliberais nas duas últimas décadas. Conseguirão recuperar parte do eleitorado perdido, que migrou à esquerda e à direita? Os conservadores manterão o poder que hoje têm na França e no Reino Unido? Recuperarão terreno na Alemanha? As esquerdas conseguirão capitalizar o descontentamento? Ou será a extrema direita, como ocorreu nas décadas de 20, 30 e 40 do século passado, com trágicas consequências? Uma coisa é certa: a crise veio para ficar. Naqueles encontros da DGB alguns dos dirigentes sindicais alemães criticaram veladamente seus colegas da CUT brasileira por serem “muito radicais”. Gostaria de saber o que diriam agora.
4/3/20234 minutes, 49 seconds
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A turbulência bancária não acabou

Tentei entender o que estava acontecendo no sistema bancário internacional, que entrou em crise na semana passada, com a insolvência real ou projetada de quatro bancos, três nos Estados Unidos e um - o maior deles - na Europa. Depois de algumas tentativas sem sucesso, tal é a opacidade do “economês”, consegui entender alguma coisa. Daí que o resumo deste comentário é o seguinte: aperte o cinto, porque a turbulência não acabou. Flávio Aguiar, analista político Para começar, imaginemos estar a bordo de uma esquadrilha de aviões sobrevoando o oceano. De repente, a esquadrilha entra numa zona de turbulência. Alguns dos aviões apenas sacodem muito. Mas outros caem num vácuo, e mergulham vertiginosamente em direção ao naufrágio. Ocorre que os aviões da esquadrilha estão interligados por fios invisíveis a olho nu, mas reais. Ou seja, se alguns aviões caem, os outros, no mínimo, também começam a cair, ou pelo menos sacodem muito mais. Foi o que aconteceu. O primeiro avião a cair no vácuo foi o norte-americano Silicon Valley Bank - SVB. A sua queda foi provocada por uma cadeia de fatores. O primeiro deles foi a junção de duas tempestades no horizonte: a pandemia e suas consequências, e a guerra na Ucrânia, que elevou a inflação no mundo inteiro. Para combater a inflação o Federal Reserve Bank, FED, o Banco Central dos Estados Unidos, fez uma dramática elevação da taxa básica de juros, de 0,08% em março de 2022 para 4,57% em março de 2023. Isto desvalorizou os títulos de` longo prazo do Tesouro dos EUA, porque estes têm uma remuneração fixa, que fora estipulada com o taxa de juros baixa. Com a alta, eles perderam o interesse. O SVB apostara muito de seu capital nestes títulos. Também apostara muito em financiar o setor digital de vendas e serviços, inflado durante a pandemia no mundo inteiro. Com o fim da fase aguda desta, o setor se retraiu, pelo menos nos EUA. E as suas empresas pequenas, médias e grandes foram obrigadas a buscar seus capitais depositados para equilibrar suas perdas. Começou uma retirada maciça das contas do SVB. Para atender a demanda, este teve de vender seus títulos de longo prazo - desvalorizados. Uma coisa não cobriu a outra, e o banco quebrou. A desconfiança instalada no sempre nervoso e temperamental “mercado” contaminou dois outros bancos nos Estados Unidos, o Silvergate e o First Republican. O primeiro também quebrou, o o segundo teve de ser socorrido antes que também quebrasse. A bomba agora está nas mãos do governo de Joe Biden, para socorrer os correntistas, sobretudo o das contas não seguradas. Ressalte-se que o SVB costuma ser um grande financiador das campanhas do Partido Democrata. O caso Credit Suisse Enquanto isto, do outro lado do Atlântico, o poderoso Credit Suisse já vinha de um período de turbulência, provocada por suspeitas de gestão inadequada, que levaram a uma retirada de 124 bilhões de euros de suas reservas em 2022, quase 700 bilhões de reais. Os rumores - verdadeiros ou falsos - de gestão problemática se avolumaram no começo deste ano, e começou uma nova corrida de retiradas. Para complicar, um outro bombardeiro peso pesado da esquadrilha, o Banco Nacional da Arábia Saudita, principal acionista do Credit Suisse, anunciou que não colocaria novos fundos neste. A corrida se avolumou, e o Credit começou a despencar no vácuo. Só não caiu de vez porque o Banco Central Suíço  deu-lhe um balão de oxigênio de 62 bilhões de euros, 343 bilhões de reais, para garantir-lhe a liquidez. Mas a hemorragia não parou por aí. A desconfiança em relação ao Credit Suisse continua, e muitos investidores estão saindo de seu cercado em busca de investimentos mais seguros ou rentáveis. Os sinais de um pânico no futuro a frente da esquadrilha se levantaram no horizonte, junto com o fantasma da crise financeira de 2008. Resultado: segundo o jornal El País, da Espanha, numa semana as bolsas financeiras da Europa tiveram uma perda de 50 bilhões de euros em retiradas, ou seja, 13% de seu valor, o equivalente a todo o Banco Santander. O Banco Central Europeu anunciou, olimpicamente, que não via sinais de “contágio”. E o UBS - União de Bancos Suíços, o maior do país, anunciou estar estudando a possibilidade comprar o Credit Suisse. Apesar do otimismo do Banco Central Europeu, e da expectativa de que nos Estados Unidos o governo democrata não vai deixar o setor se estrangular com uma eleição prevista para o ano que vem, o clima geral é o de que “o BCE e Washington no creen en brujas, pero que las hay, las hay”. E para nós, você e eu, sentados numa das aeronaves, sem qualquer influência sobre os pilotos ou os comandantes da esquadrilha, e com um serviço de bordo cada vez mais magro, tudo o que resta a fazer é apertar os cintos e rezar.
3/20/20234 minutes, 46 seconds
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Entenda por que colapso de banco do Vale do Silício causa apreensão em vários países

Em um movimento dramático no domingo (12), o Tesouro dos Estados Unidos assumiu o comando e forneceu uma salvação para os clientes do Silicon Valley Bank (SVB) protegendo todos os seus depósitos além dos limites federalmente segurados.  Thiago de Aragão, de Washington Esta medida foi tomada após o banco PNC Financial recusar qualquer oferta de aquisição do SVB, que atende a uma série de empresas de tecnologia do Vale do Silício. Sem esta ação decisiva do governo americano, estes clientes poderiam ter grandes prejuízos.  O SVB era uma potência no mundo financeiro, oferecendo recursos inestimáveis a empresas de tecnologia em setores-chave. Do software empresarial e fintech à tecnologia de fronteira e às ciências da vida, o empreendedorismo floresceu graças, em parte, à instituição, que proporcionava linhas de crédito para as start-ups. A falência de uma instituição financeira como o SVB, que não acontecia desde a crise de 2008, enviou ondas de choque ao mundo financeiro, mostrando que todos os sistemas bancários precisam permanecer vigilantes contra colapsos. Felizmente - embora não sem consequência - o Tesouro dos EUA interveio com uma ação decisiva que deu alguma garantia a outros bancos. Nos próximos dias, a administração Biden deve informar o Congresso sobre as decisões tomadas sobre o SVB, antes de seu colapso. Depois disso, será possível fazer um exame mais profundo do impacto que o banco teve na indústria tecnológica e o que deu errado com a instituição, tão influente no mundo das finanças. Em resposta à recente incerteza financeira, o Tesouro dos EUA pretende implementar medidas de proteção para investidores e clientes, para que episódios de instabilidade como o atual não se repitam no futuro. Parceiro de empresas chinesas e de tecnologia A queda do SVB deixou muitos fundos de cobertura e empresas de tecnologia chinesas numa situação financeira arriscada. Sem acesso ao mercado americano, estas empresas estão agora desesperadas por financiamento para se manter solventes. O banco tinha se tornado um parceiro importante destas empresas, com os recursos necessários para expandir as suas operações nos EUA e na Europa. As empresas, que antes eram prósperas no Vale do Silício, e seus investidores entraram em pânico devido a um potencial efeito dominó do setor bancário, desencadeado pelo inesperado colapso da SVB.  Os bancos devem se armar contra futuros choques financeiros, considerando os riscos de liquidez e flutuações das taxas de juros, bem como de instabilidade sistêmica. Medidas pró-ativas ajudarão a garantir que, independente de crises, as instituições estejam preparadas para resistir. Infelizmente, o colapso do SVB mostrou a rapidez com que uma tempestade pode se materializar, mas ainda há tempo para que outros bancos tomem medidas antes de enfrentar dificuldades semelhantes.
3/13/20235 minutes, 22 seconds
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Estudo faz paralelo entre desmatamento e diminuição das chuvas

Uma equipe da Universidade de Leeds, na Inglaterra, quantificou pela primeira vez a perda de chuvas nas florestas tropicais em relação ao desmatamento. Já havia relatos dispersos sobre a diminuição das chuvas em áreas desmatadas. Mas o estudo da universidade britânica mediu com critérios científicos esse paralelo.  O estudo mostrou que quando a área desmatada passa de 50 km² a perda de chuvas no microclima regional passa a ser mais significativa. Se a área desmatada chega a 200 km², para cada 1% de perda na floresta há uma perda correlata de 0,25% na quantidade local de chuva. Isto se deve ao fato de que nas florestas tropicais a quantidade de chuva depende também da quantidade de evaporação de água propiciada pela própria floresta. Segundo o professor Dominick Spraklen, um dos membros da equipe, dependendo da região amazônica de 25% a 50% da quantidade de chuva se deve a esta reciclagem da água feita pela própria floresta. O estudo levanta a hipótese de que a floresta amazônica pode estar perto de perder a quantidade de chuva necessária para sua sobrevivência. O alerta se estende às outras duas grandes florestas tropicais no mundo: a da bacia do Congo, na África, e a da Indonésia, na Ásia. E o estudo demonstra que a diminuição das chuvas nas florestas tropicais também afeta negativamente a agricultura e a qualidade vida nas cidades que as bordejam. Pior seca em 500 anos Entretanto, o problema da água não se restringe às áreas tropicais. Ele também se manifesta em regiões temperadas, como a Europa. Os cientistas estimam que a seca de 2022 no continente foi a pior em 500 anos, afetando gravemente rios de Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, e também de outros países. Mas o problema é mais grave do que se pensava porque não se refere apenas à água de rios e lagos na superfície. Um estudo da Universidade de Saskatchewan, no Canadá, com base em dados obtidos através do sistema norte-americano e alemão de satélites conhecido como GRACE, mostrou que há uma perda significativa de água nos aquíferos subterrâneos europeus. Em parte, esta perda se deve à falta de água ou de sua má distribuição na superfície, forçando agricultores e regiões urbanas a explorarem mais intensamente os reservatórios subterrâneos. Segundo dados do GRACE cerca de 30% do território europeu padece de problemas com a água durante todo o ano, e os outros 70% pelo menos durante os meses mais quentes. O problema é mais grave nas ilhas do Mediterrâneo e nos países continentais do sul da Europa. O estudo mostra que desde o começo do século XXI a perda anual de água no continente europeu é de 84 gigatons por ano. Um gigaton equivale a um bilhão de toneladas de água. A perda anual equivale a um lago Ontário, entre o Canadá e os Estados Unidos, que tem quase 19 mil km². Os cientistas envolvidos na pesquisa atribuem a perda à combinação do aquecimento global que, segundo eles, provoca uma distribuição muito desigual de chuvas, e à maior intensidade na exploração dos aquíferos subterrâneos. A distribuição desigual das chuvas pode ser catastrófica, provocando inundações em alguns locais e secas extremas em outros, além de dificultar a reposição das reservas em aquíferos. Poluição provocada pelo homem intensifica o problema O problema se complica mais ainda devido a práticas humanas, tanto nas áreas rurais como nas urbanas e industriais, que poluem sistematicamente as águas disponíveis. O seu enfrentamento depende tanto de soluções técnicas quanto de políticas adequadas de controle sobre os poluentes - os químicos e seus distribuidores humanos. No segundo semestre deste ano, a Organização das Nações Unidas realizará uma segunda conferência mundial sobre o tema em Nova Iorque. As dificuldades de se obter um grande acordo mundial sobre o tema são enormes, sobretudo no que se refere aos aquíferos subterrâneos, porque eles são invisíveis a olho nu. Bem diz o ditado: “o que os olhos não veem o coração não sente”. Mas se não vermos o que está acontecendo, a catástrofe será maior do que a que já se previa que poderia acontecer.
3/6/20234 minutes, 51 seconds
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Protestos contra reforma eleitoral podem redefinir corrida eleitoral no México

Milhares de mexicanos consternados foram à Praça Zócalo da Cidade do México no domingo em uma manifestação coletiva de dissidência contra a reforma eleitoral proposta pelo presidente Andrés Manuel López Obrador, conhecido pelo acrônimo AMLO. Políticos da oposição e organizações da sociedade civil uniram forças sob uma mensagem comum, de que as mudanças no Instituto Nacional Eleitoral (INE) não podem ser aceitas sem consentimento popular. Esta é apenas mais uma manifestação de uma população indignada, cujos protestos sobre este assunto se tornaram ainda mais fortes desde que começaram, há cinco meses. Thiago de Aragão, analista político Milhares de manifestantes tomaram as ruas e ocuparam a simbólica Plaza de la Constitución em frente à sede do Supremo Tribunal, exigindo que o Congresso escute suas exigências de reformas constitucionais. O ministro aposentado José Ramon Cossio falou apaixonadamente do pódio sobre a defesa da democracia e do respeito inabalável pela Carta Magna do país. As modificações das leis eleitorais recentemente aprovadas pelo Poder Legislativo do México são fortemente contestadas e enfrentam um exame rigoroso no Supremo Tribunal do país. O ex-ministro Cossío endossa as críticas, afirmando que a Constituição salvaguarda a democracia ao possibilitar o equilibrio entre poderes e o controle de políticos que atualmente ocupam posições governamentais. Isso garante uma importante proteção dos direitos dos cidadãos, apesar das tentativas do presidente López Obrador de silenciar os juízes da Suprema Corte que avaliam essas mudanças. Foi a manifestação mais significativa desde que López Obrador foi eleito em 2018 e uma indicação de que seu partido está passando pelo período mais tumultuado até agora. As ruas estavam cheias de manifestantes desde o início da manhã e a mídia social viu um afluxo de imagens mostrando uma forte oposição em meio a uma solidariedade esperançosa para a mudança na política mexicana. Eleição presidencial de 2024 AMLO está esperando uma grande manifestação de apoio no dia 18 de março, quando ele levará à mesma praça Zócalo o comício de aniversário de uma de suas maiores realizações: a expropriação de petróleo. Com as promessas dos apoiadores de que eles encherão a praça, parece que esse evento cheio de ímpeto acrescentará mais um capítulo triunfante nos livros de história de sua presidência. Na semana passada, o Senado do México finalmente ratificou o "plano B" da reforma eleitoral proposta por Obrador. O texto limita o poder do INE, uma instituição que supervisiona as eleições em escala nacional, levando à dissolução de 300 conselhos distritais para realizar uma economia de 3,5 bilhões de pesos mexicanos. Enquanto os representantes do governo argumentam que isso melhora a situação financeira do INE, os oponentes estão preocupados com o que parece ser uma quantia ínfima, mas de alto valor para a democracia. Com uma supervisão mais limitada, aumenta o risco de o México enfrentar eleições menos seguras e transparentes nos 32 estados do país. Lopez Obrador terá um grande desafio pela frente. Mesmo sem concorrer à reeleição no pleito programado para 2024, seu sucessor no partido Morena iniciará a campanha na condição de favorito. Para a oposição, essa ação contra o INE caiu como uma luva, pois essa é a grande chance que tem em mãos para enfraquecer o poder e a popularidade de AMLO.
2/27/20235 minutes, 7 seconds
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Os prisioneiros da guerra entre Rússia e Ucrânia

“Nós precisamos vencer o Golias russo”, com estas palavras o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, definiu o papel de seu país e de seu governo na guerra que nesta semana vai completar o primeiro ano de vida e mortes, em seu discurso durante a abertura da Berlinale, o Festival Internacional de Cinema da capital alemã, na noite de 16 de fevereiro. Flávio Aguiar, analista político  E no encerramento de sua fala de dez minutos, reiterou a imagem, repescando uma expressão do tempo da Guerra Fria entre capitalismo e comunismo: “Nós todos somos o Davi do Mundo Livre”. Dessa forma, explicitou o meta-discurso que acompanha o desempenho de suas Forças Armadas no campo de batalha. Meta-discurso: a referência retórica que projeta no campo de valores éticos e até estéticos aquilo que acontece no mundo real, no caso, o conflito que vem sendo descrito como o mais cruento na Europa desde a Segunda Guerra, apesar das atrocidades cometidas por todos os lados na chamada Guerra Civil Iugoslava, entre 1991 e 2001. O esforço retórico para enquadrar a atuação do governo de Kiev na moldura bíblica evoca comparações curiosas. Na narrativa sagrada para os cristãos, o pastor de ovelhas Davi vence o gigante Golias porque tem por trás de si a força de Jeová, o Senhor dos Exércitos de Israel, por ele invocada. Volodymyr Zelensky, que se projeta como Davi, tem por trás de si todo o peso do Ocidente ressuscitado: os Estados Unidos, o Reino Unido, a OTAN e a União Europeia, que lhe fornecem bilhões de dólares e euros em armamentos. Seu esforço retórico é o de convencer o mundo de que ao lado da força das armas por que implora continuamente, ele conta com a força superior da razão e da ética, o que lhe concede uma dimensão histórica e messiânica.  O lado russo Do lado russo, o esforço não é menor. Vladimir Putin tem diante de si o desafio de transformar a invasão de outro país num gesto defensivo, o que também exige uma certa cabriola discursiva. A referência buscada é a da Grande Guerra Patriótica, como é descrita, desde os tempos da finada União Soviética, a resistência custosa em termos de vidas, mas bem sucedida ao então invasor nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. A referência à “desnazificação” da Ucrânia é constante, projetando uma proteção histórica e grandiosa da ameaçada “Mãe Pátria”, batizando com tintas de heroísmo nacional a ocupação da zona fronteiriça da Ucrânia, para a salvaguarda de sua população, e também a reanexação da península da Crimeia, que já fora russa no passado, até os anos 50 do século XX. Até hoje ninguém entendeu o porquê do então primeiro-ministro soviético Nikita Kruschev ter doado o território à Ucrânia. Acontece que as palavras não são neutras, elas cobram seu preço. Davi não pode perder para Golias; nem mesmo a possibilidade do empate lhe é concedida. Se ele não matasse o gigante, ficaria desmoralizado perante o rei Saul, perante Israel, perante seus irmãos e seu pai Jessé, e também perante Jeová. Se Kiev não “vencer a guerra”, como hoje se apregoa no Ocidente, ela não passará de uma aventura que torrou recursos bilionários e contribuiu para devastar um país. Do outro lado, a Pátria Grande também não admite concessões, nem empates tampouco. Somente a vitória garante a sua integridade. Se a Rússia não “vencer”, de algum modo “a guerra”, ela também não passará de uma invasão desnecessária que devastou um país vizinho e sacrificou a vida de milhares de seus soldados e civis do outro lado. Temos assim uma guerra em que, tanto quanto senhores, os envolvidos nela são prisioneiros de suas palavras. E de momento não têm como escapar desta cumbuca em que meteram suas mãos. Significado de "vitória"  O que significa a palavra “vitória” para Zelensky e seus aliados? Expulsar os russos dos territórios ocupados a partir do começo da guerra, em 24 de fevereiro de 2022? Reconquistar a Crimeia? Afundar a economia russa e derrubar Vladimir Putin? Qualquer destes objetivos parece hoje muito difícil de atingir. E para Putin, o que significa a palavra “vitória”? A Rússia parece não ter condições de ocupar a Ucrânia, nem política, nem econômica, nem militarmente. Derrubar Zelensky parece estar fora de alcance. Manter os territórios ocupados como um tampão para proteger a Crimeia, onde tem bases militares e navais? Mesmo esses últimos objetivos envolvem um custo enorme para a economia do país, acossada pelas sanções econômicas, apesar da asa protetora da China, embora esta pareça reservadamente crítica em relação à guerra. É claro que tudo pode mudar de uma hora para outra. Mas de momento a possibilidade de deter a matança no curto prazo parece muito remota. Usamos a palavra porque uma guerra sempre envolve a promoção de uma enorme matança. Isso nos lembra a sabedoria antiga das palavras de um ditado muito popular no nosso Brasil: “macaco velho não mete a mão em cumbuca”. 
2/20/20236 minutes, 18 seconds
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Espionagem: rivalidade entre EUA e China atinge novo patamar

A disputa entre EUA e China tem se intensificado nos últimos anos. A rivalidade entre as duas maiores economias do mundo tem sido cada vez mais evidente, desde a guerra comercial até as disputas militares. O caso dos balões revelado nos últimos dias demonstra que a espionagem China-EUA atingiu o nível mais elevado de todos os tempos. Thiago de Aragão, analista político Os Estados Unidos têm uma força militar significativamente maior que a China, mas os especialistas acreditam que o país asiático está rapidamente alcançando ou ultrapassando os Estados Unidos em termos de tecnologia militar. Os próximos passos na disputa entre EUA e China dependem das intenções de ambas as partes. Os Estados Unidos parecem estar focados em manter sua supremacia militar no Pacífico, enquanto a China busca expandir sua influência regional e global. O governo dos EUA tem feito pressão sobre seus aliados para que não façam negócios com a China, enquanto Pequim continua a investir em infraestrutura e tecnologia militar para fortalecer sua presença na região. Além disso, os Estados Unidos também estão trabalhando para conter o avanço da China no setor de telecomunicações, impondo restrições às empresas chinesas como Huawei e ZTE. Por outro lado, a China tem procurado reforçar sua presença militar na região do Indo-Pacífico, construindo bases militares em ilhas artificiais e realizando exercícios militares frequentes nas proximidades de Taiwan. No futuro próximo, é provável que vejamos um confronto direto entre os dois países sobre questões regionais importantes como Taiwan e o Mar da China Meridional. É possível que os Estados Unidos tentem bloquear ou limitar o avanço da China nessas áreas por meio de sanções comerciais ou diplomáticas. No entanto, qualquer escalada militar direta poderia ter consequências catastróficas para todos os envolvidos. Espionagem Os últimos desenvolvimentos na espionagem China-EUA destacam a intensificação da rivalidade entre os dois países. Com ambos os lados acusados de utilizar tecnologias avançadas para realizar espionagem cibernética e física, esta batalha contínua por hegemonia assumiu uma nova dimensão. Os Estados Unidos e a China estão agora envolvidos em uma corrida armamentista cada vez maior, enquanto cada lado tenta ganhar uma borda sobre o outro.  Isto levou ambos os países a intensificarem seus esforços em áreas tais como tecnologia, vigilância e coleta de inteligência humana. Além disso, tem havido relatos de tentativas da China de roubar propriedade intelectual de empresas e universidades americanas. A crescente hostilidade entre as duas nações é ainda evidenciada pelo aumento das tensões em relação a acordos comerciais e atividades militares no Mar do Sul da China. Resta saber se as conversas e negociações diplomáticas podem levar a uma resolução deste conflito rapidamente, ou se as tensões continuarão a aumentar no futuro.  Independentemente do resultado, é evidente que a espionagem entre os dois países atingiu o nível mais alto de todos os tempos. Como ambos os lados procuram obter uma vantagem sobre o outro, a espionagem entre os dois países é provável que continue a ser uma característica proeminente dessa rivalidade contínua. Legalidade de operações aéreas questionada O incidente de os EUA abaterem um balão espião chinês levantou muitas questões sobre relações internacionais e questões de segurança. Muitos argumentaram que isto mostra a vontade dos EUA de tomar medidas militares para proteger seus próprios interesses, enquanto outros questionaram se uma medida tão extrema se justificava ou não, dadas as circunstâncias.  Há também questões sobre a legalidade de tais ações, pois o direito internacional é muitas vezes obscuro quando se trata de atividade militar em solo ou espaço aéreo estrangeiro. Como as tensões entre os EUA e a China continuam a aumentar, será importante monitorar de perto a situação e considerar todos os resultados possíveis antes de tomar qualquer outra medida. O pior cenário nas tensões EUA-China envolveria um conflito militar em larga escala. Os dois países têm visões diferentes sobre uma série de questões, do comércio aos direitos humanos e a disputa do Mar do Sul da China. Se estes desentendimentos se agravarem, poderá levar a um grande confronto entre os dois lados. Tal conflito poderia começar com Washington impondo sanções a empresas ou indivíduos chineses, levando a medidas de retaliação por parte de Pequim. Isto poderia desencadear uma guerra comercial, com outros países potencialmente se envolvendo na luta. Em casos extremos, poderia até mesmo levar a um conflito militar total envolvendo tropas terrestres e ataques aéreos. As consequências de tal conflito seriam de longo alcance e poderiam ter efeitos devastadores na economia global. Os custos econômicos de um conflito militar em larga escala entre os dois concorrentes seriam imensos, com indústrias inteiras sendo afetadas e perdas significativas de empregos em ambos os países. Há também o potencial de instabilidade política a longo prazo em várias partes do mundo, bem como os danos ambientais causados pelo próprio conflito. Espaço para evolução diplomática? Portanto, é essencial que ambos os lados tomem medidas para diminuir as tensões e evitar que ocorra o pior cenário possível. Isto exigirá diálogo, diplomacia e compromisso a fim de resolver as divergências em questão. Também é importante que outros países se envolvam nessas conversas e atuem como mediadores entre os dois lados. Em última análise, uma resolução pacífica é a única maneira de garantir que os EUA e a China possam continuar a ter relações fortes no futuro.
2/13/20235 minutes, 29 seconds
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O acordo entre União Europeia e Mercosul vai sair do papel?

Depois de mais de 20 anos de complicadas negociações o acordo entre a União Europeia e o Mercosul chegou ao papel, isto é, chegou a uma redação acordada entre os encarregados de viabilizá-lo. Entretanto a questão que se coloca agora é a de se ele sairá do papel, isto é, se será implementado depois de sua aprovação pelos poderes legislativos de todos os países envolvidos. Flávio Aguiar, analista político Há novas expectativas positivas a respeito, mas também há grandes resistências e problemas a resolver. Ao mesmo tempo em que a redação do acordo chegava a termo, ele próprio empacava em ponto morto, sobretudo devido à política do governo anterior do Brasil, totalmente avessa à proteção do meio-ambiente. A situação melhorou com o compromisso do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de proteger os biomas e o meio ambiente do país de um modo geral, retomando uma liderança internacional que o Brasil já teve no passado. Isto ficou claro durante a visita, na semana passada, do chanceler alemão Olaf Scholz ao Brasil. A mídia alemã deu grande destaque à diferença de posição entre os dois governos no que se refere ao fornecimento de armamentos ao governo da Ucrânia, em guerra com a Rússia. Esta mídia, cujo apoio ao governo de Kiev é amplo, geral e irrestrito, viu com grande desagrado a negativa do presidente Lula quanto a entregar a munição que fabrica para os tanques Leopard 2 que a Alemanha se comprometeu a enviar para o governo ucraniano. Mas o fato é que o encontro entre os dois governantes abordou e se pôs de acordo quanto a uma enorme série de iniciativas de cooperação, entre elas a de retomar o caminho para a efetivação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, tema que o chanceler alemão já abordara com o presidente Alberto Fernandez na sua passagem prévia por Buenos Aires. Esta retomada tem o apoio também de Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia para Questões do Meio-Ambiente e de Josep Borrel, vice-presidente para Relações Internacionais e de Segurança. Mas é do lado europeu que partem as principais resistências quanto à implementação do acordo, sobretudo da parte do setor agrícola francês. Logo depois da visita de Scholz à América do Sul, o ministro francês da Agricultura, Marc Ferneau, declarou que se a França admite a possibilidade do acordo, ela não o ratificaria “no seu estado atual”, numa referência a questões ambientais e também ao que considera a busca de “um acordo comercial justo”. A questão é controversa, ou como dizia um colega meu de universidade, é “uma faca de muitos gumes”, cortando para vários lados. Temas controversos A União Europeia está endurecendo seus critérios quanto ao uso de agrotóxicos para produtos importados. Alguns desses produtos proibidos ou de uso bastante restrito, como os chamados “neonicotinoides”, são utilizados no Brasil, em que o governo anterior desenvolveu uma política de franca liberação no uso de agrotóxicos. Porém não se pode esquecer que muitos desses produtos proibidos na Europa são fabricados… na própria Europa e exportados para dezenas de países pelo mundo afora, inclusive para o Brasil! O acordo não se refere apenas ao comércio, embora este aspecto seja o mais destacado em suas repercussões. Várias tarifas sobre importação e exportação seriam gradualmente eliminadas, beneficiando no Mercosul a exportação de produtos agrícolas, carne bovina e de frango, açúcar, arroz, milho, óleos vegetais e outros, e na União Europeia a exportação de veículos, maquinário, produtos químicos e farmacêuticos. Do lado brasileiro há preocupações também por parte de associações ambientalistas e dos povos originários, alegando que a sociedade civil não foi devidamente ouvida quanto aos termos do acordo, cujo conteúdo é largamente desconhecido. Como se vê, o caminho para a implementação desse acordo será longo e labiríntico. Entretanto há um aspecto paradoxal que deve ser ressaltado. Não vamos cometer a loucura de dizer que há guerras que vem para o bem, mas sem dúvida a já mencionada guerra entre a Rússia e a Ucrânia é um dos fatores que está ajudando a retomada do caminho para a implementação do acordo. O conflito, cujo fim está longe de aparecer no horizonte, provocou uma carestia de energia e de produtos agrícolas e de insumos necessários para o setor em toda a Europa, forçando os países do continente a buscar novos mercados onde se abastecer. A Ucrânia vai levar muito tempo para se recuperar da devastação a que está submetida, e as relações da União Europeia com a Rússia estão seriamente abaladas e assim permanecerão por muito tempo. Também por isto os olhos europeus voltaram a se fixar na produção do Mercosul.
2/8/20235 minutes, 31 seconds
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Opinião: Decisão alemã de enviar tanques Leopard 2 para a Ucrânia foi difícil mas acertada

Olaf Scholz, chanceler alemão, fez a coisa certa quando cedeu às pressões domésticas e internacionais, e finalmente resolveu enviar tanques “Leopard” para a Ucrânia. Certamente não foi uma decisão fácil, já que esses blindados são as joias do exército alemão. Observar a reação e eficiência desses tanques em operação na Ucrânia pode gerar enorme confiança ou decepção em cima da capacidade operacional do veículo. Essa preocupação é essencialmente compartilhada entre militares alemães de alto nível, mas não tanto entre os membros do gabinete de Olaf Scholz. Tendo durante tantos anos sido dependente do gás russo, Scholz constata o que o resto da Europa percebeu há um ano: o afastamento da Rússia é pra valer. Não há uma nostalgia alemã dos dias em que o gás russo fluía nas tubulações da Renânia Vestfália, da Bavária e da Baixa Saxônia. O que há é uma cautela relacionada ao medo da guerra começar a fugir do controle, de uma forma irreversível. Scholz teme que a entrega dos “Leopards” leve a um espiral que consuma cada vez mais materiais militares alemães. Se por um lado, ninguém precisa ser Nobel da Paz para compreender que a ajuda aos ucranianos representa uma ajuda à democracia, por outro, Scholz sabe que a cada tanque enviado à Ucrânia, ele precisa mais que nunca que a Rússia não vença a guerra.  A decisão de enviar os tanques foi uma decisão difícil, mas não foi tomada só. O presidente norte-americano Joe Biden também colocou a cara a tapa quando aprovou o envio de tanques M1 Abrams à Ucrânia. Essa decisão faz a de Scholz parecer mais fácil, dilui um pouco a pressão, mas dobra a raiva e o desespero de Putin. A Ucrânia, obviamente, necessita mais e mais. Está claro que nem Rússia ou Ucrânia são fortes o suficiente para vencer o oponente. O fato de Kiev precisar recuperar territórios, faz com que sua necessidade de armamentos para contra-ataques seja mais imediato e impactante.  Mal a tinta da caneta da assinatura de Scholz para enviar tanques “Leopard 2” secou, a Ucrânia já colocou na mesa uma demanda mais ousada, robusta e que, sim, poderia virar totalmente a balança da guerra a seu favor. Mas também aumentaria consideravelmente a possibilidade da guerra extrapolar as fronteiras ucranianas. Numa expectativa ousada, porém compreensível, os ucranianos agora querem uma coalizão de caças de diversos países da OTAN, para a formação de uma força aérea de combate sem precedentes desde o pós-guerra. Os EUA contribuiriam com F-16s, o Reino Unido com Tornados, Suécia com seus Gripens, França com os Rafales e espanhóis e italianos enviando seus Eurofighters.  Guerra europeia Se hipoteticamente isso acontecesse, a Ucrânia teria uma vantagem aérea que possivelmente viraria a balança para seu lado. Justamente por isso, a Rússia poderia “apelar” para jogar por tudo ou nada. A apelação poderia envolver ataques, deliberados ou “sem querer” contra alvos da OTAN na Polônia, Romênia, Letônia, Lituânia e Estônia. Isso, sabemos, poderia desencadear uma guerra europeia.  Dificilmente Putin não entenderia isso como uma expressão clara de que a OTAN entrou na guerra. A linha vermelha que não deve ser cruzada, para Putin é essa: a entrega de caças. Para a Ucrânia, os caças são exatamente o que eles desesperadamente precisam.  No entanto, é preciso viver um dia de cada vez e observar a reação russa ao desempenho dos M1 Abrams e Leopards em combate. Mais importante, ver como esses tanques podem afetar o rumo da guerra. Nos aproximamos de um afunilamento perigoso: Ucrânia precisa de mais, OTAN não consegue dar mais, Putin está sentindo a pressão da guerra e das sanções. A exposição do limite no qual todos se encontram não representa, necessariamente, uma aproximação a um cessar-fogo. Infelizmente, aparentam representar a aproximação de um estágio pior na guerra.
1/30/20234 minutes, 39 seconds
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O mundo se solidariza com Lula e a democracia brasileira

As notícias e as cenas do ataque contra os prédios dos três poderes constitucionais por partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro estão correndo o mundo. Flavio Aguiar, analista político De todos os quadrantes e de governantes de diferentes tendências ideológicas estão chegando mensagens de solidariedade com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com a democracia brasileira. Editoriais e comentários na mídia mundial repudiam os atos de vandalismo. Ao mesmo tempo questionam se não houve no mínimo negligência ou até cumplicidade por parte de autoridades responsáveis pela segurança do Distrito Federal, apontando a lentidão e ineficiência das primeiras atitudes das forças policiais. Mensagens de solidariedade ao presidente brasileiro e de apoio à democracia partiram dos governos dos Estados Unidos, Chile, Colômbia, Argentina, França, Reino Unido, Venezuela, Portugal, Peru, Equador, Bolívia, Espanha, Cuba, México, Uruguai, Paraguai, Canadá, Itália, Austrália dentre outros, além de representantes de organismos internacionais como a ONU, a OEA e a União Europeia. Até os atos de vandalismo deste fim de semana o noticiário sobre o Brasil era amplamente positivo ou de solidariedade e luto pela morte de Pelé. A mídia europeia saudava a reconciliação entre o presidente Lula e a ex- e nova ministra do Meio-Ambiente Marina da Silva, como um sinal esperançoso para proteção da Amazônia e de outros biomas brasileiros. A Alemanha e a Noruega anunciaram a retomada do financiamento do Fundo de Proteção à Floresta. O Reino Unido declarou estar disposto a examinar a possibilidade de adesão ao Fundo, exemplo que poderia ser seguido por outros países. A expectativa era e é de que o Brasil retome a liderança que já teve na diplomacia mundial quanto à defesa do meio-ambiente e dos direitos humanos, depois dos anos de descaso por parte do governo que se encerrou em 31 de dezembro. Pode-se dizer que um terremoto político abalou este clima de lua-de-mel. Mas não o destruiu. Prova disto são as mensagens de solidariedade e confiança recebidas pelo governo brasileiro e de condenação dos atos de vandalismo que muitos caracterizam como terroristas. O presidente Lula foi qualificado pelo jornal Le Monde como “o presidente Fênix”, em alusão à ave que na mitologia grega renascia das próprias cinzas. Do mesmo modo, o Brasil e a democracia brasileira estão renascendo das cinzas da devastação ambiental e política. O caminho será árduo e cheio de obstáculos. Mas a esperança também está renascendo, por sobre os vândalos que querem destruí-la.
1/9/20233 minutes, 24 seconds
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Geopolítica impulsiona devoluções de bens culturais a países colonizados

A atual dinâmica da geopolítica, com novas polaridades emergentes entre Estados Unidos, Europa, Rússia e China, coloca na pauta do dia a disputa por espaços no Terceiro Mundo. Um efeito colateral positivo desta nova dinâmica, tão marcada por guerras, agressões e disputas acirradas por mercados, é o de impulsionar a diplomacia de devolução de bens culturais saqueados pelas potências ao longo dos séculos nos países por elas colonizados. Neste ano de 2022 registraram-nas várias devoluções, notadamente de países europeus em relação à África. Há poucos dias o governo alemão devolveu 21 peças de bronze à Nigéria, pertencentes ao antigo Reino do Benim (não confundir com o atual e vizinho país do Benim). Estas peças, junto com outras, foram roubadas por militares britânicos no século 19 e em seguida vendidas a diversos museus europeus. No ato da entrega, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, comparou a situação a uma hipotética impossibilidade, por parte dos alemães, de contemplarem a Bíblia de Gutenberg. O ministro da Cultura português, Pedro Adão e Silva, anunciou a decisão por parte de seu governo de inventariar cuidadosa e discretamente, “sem politização” (sic), obras de arte, bens culturais, objetos de culto e até restos mortais tomados a comunidades das ex-colônias, para devolução. O Papa Francisco I decidiu, também neste dezembro, enviar ao Arcebispado da Igreja Ortodoxa em Atenas, na Grécia, três peças pertencentes ao Partenon, que estavam há séculos no Museu do Vaticano. Em outubro passado o Vaticano já devolvera 3 múmias pré-hispânicas ao Peru e uma cabeça reduzida e mumificada ao Equador. Em agosto o Museu Horniman, do Reino Unido, anunciou a devolução de 72 peças à Nigéria, também pertencentes ao antigo Reino do Benim. O presidente francês Emmanuel Macron já ordenara, em 2021, o retorno de 26 peças do Museu do Quai Branly, em Paris, ao atual Benim, vizinho da Nigéria. Lotes arqueológicos A tendência também é observada em outras partes do mundo. Em setembro, a Justiça dos Estados Unidos ordenou a devolução de 16 assim chamados “tesouros arqueológicos” ao Egito, que estavam no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. O governo uruguaio anunciou a devolução de 39 lotes arqueológicos e culturais ao Equador, Peru e Egito, que haviam chegado ao país através de contrabando. Mas nem sempre a tendência desperta entusiasmo ou sequer aprovação. Há notícias de que partidários do movimento Chega, de extrema direita, em Portugal, se opõem ao anúncio de possível devolução feito pelo ministro da Cultura daquele país. Alegam que esta política compromete o culto à grandeza do antigo Império Português, e culpam as recentes levas de imigrantes como responsáveis por este comprometimento do nacionalismo em Portugal. Por seu turno, o Museu Britânico, que há anos discute uma possível devolução das frisas do Partenon à Grécia, até o momento mantém um silêncio obsequioso sobre a reivindicação, por parte do Egito, do retorno da famosa Pedra de Roseta, graças à qual o arqueólogo francês Jean-François Champollion, no século 19, conseguiu decifrar os antigos hieróglifos egípcios. A Pedra de Roseta foi tomada por Napoleão I, e depois pelos ingleses, como despojo de guerra e levada para o Museu Britânico, em Londres. Este museu também guarda, até o momento, um silêncio sepulcral sobre as peças que obteve daqueles militares que saquearam o antigo Reino do Benim, na Nigéria. Atitudes negativas como estas justificam o dito irônico de que o Egito ainda tem pirâmides porque elas eram pesadas demais para serem levadas a algum país europeu.
12/26/20224 minutes, 40 seconds
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China vive situação caótica com fim da política de Covid Zero

A imposição da política de Covid Zero na China, gerou um caos social e sanitário, culminando com a morte de dez pessoas numa fábrica em Xinjiang e protestos contra Xi Jinping. Essa situação levou o líder chinês a determinar o fim de uma longa política em um dos últimos países a ainda sofrer de forma substancial com a pandemia que assolou o mundo em 2020 e 2021.  Por Thiago de Aragão, analista político Com o fim da política de Covid Zero, a China vivia um sentimento generalizado de alívio. No entanto, a falta de um elemento essencial está colocando o país em uma situação complicada que, como da última vez, acarreta em inúmeros problemas interligados: pressão nos hospitais, mortes, fechamento de fábricas, danos a cadeia de produção e impacto negativo na economia (que é a principal base de sustentação do Partido Comunista Chinês perante a sociedade). Esse elemento primordial para superar a crise é a vacina. A China foi um dos primeiros países do mundo a desenvolver imunizantes anticovid-19. Tanto a Coronavac como a Sinovac são de fabricação chinesa, apesar de o governo chinês também estar envolvido no financiamento da vacina da AstraZeneca e, via a BioNTech, indiretamente ligado à vacina da Pfizer. Como podemos ver ao longo dos últimos anos, a vacina da Pfizer (e Moderna), com a tecnologia RNA mensageiro, se mostrou mais eficaz na neutralização do vírus, fazendo com que esse imunizante se tornasse o predominante em vários países. A China, por outro lado, por conta da propaganda “necessária” ao partido, resolveu não comprar as vacinas mRNA (e tentar desenvolver a própria). Situação caótica A falta de vacinação eficiente na população fez com que uma situação caótica se estabelecesse no país. No momento, quase um terço da população de Pequim (22 milhões) está com suspeitas de estar com o coronavírus. O caos começa a se disseminar na mesma proporção de contaminação do vírus. Caminhoneiros não conseguem levar cargas e suprimentos de um lugar para outro, alimentos não estão chegando nos supermercados e a população, começando a se desesperar, acumula o máximo de produtos não perecíveis. Além do temor de que o vírus se espalhe ainda mais, o Partido Comunista Chinês também lida com a hipótese de que o alto volume de contaminações e possíveis usos indiscriminados de remédios não relacionados gerem um novo ciclo de mutações no vírus, que poderia resultar em uma variante mais agressiva que a ômicron. Claro que isso é um problema futuro, e é difícil o governo chinês lidar com eventualidades quando problemas atuais estão prejudicando num ritmo acelerado a percepção da população em relação ao partido. Assim, as próximas semanas serão críticas em relação a estratégia adotada para conter esse avanço avassalador da Covid-19. Não podemos excluir a hipótese do retorno da política de Covid Zero com o intuito de ganhar tempo para acelerar o processo de vacinação dos mais idosos e, quem sabe, produzir a própria vacina mRNA.
12/19/20224 minutes, 11 seconds
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Rede de extrema direita desmantelada na Alemanha tinha conexões com o Brasil

Na semana passada uma mega-operação da polícia alemã revelou uma rede da extrema direita que conspirava para tomar o poder no país. Seus planos, que muitos analistas consideram delirantes, mas que outros levam a sério, incluíam uma invasão do Bundestag, o Parlamento alemão, o corte de energia no país, provocando o caos, a derrubada do governo e a tomada do poder, além da renegociação com as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial das fronteiras alemãs. Flavio Aguiar, analista político De início, foram detidas 25 pessoas, e outras 27 foram postas sob investigação, incluindo um autoproclamado príncipe de família aristocrática, militares reformados de alta patente das Forças Armadas e uma juíza e ex-deputada do Parlamento, filiada ao partido Alternative für Deutschland.  A rede deste grupo, intitulado de União Patriótica, se estendia por diversos estados alemães e tinha conexões internacionais, chegando, por via direta ou indireta, até o Brasil.  De acordo com o serviço de inteligência encarregado de investigações domésticas, o Bundesamt für Verfassungschutz (BfV), o União Patriótica faz parte de um movimento mais amplo, o Reichsbürger - Cidadãos do Império Alemão, que soma cerca de 21 mil membros ativos. Mas este movimento não chega a ser uma organização.  Na verdade, debaixo desta sigla se encontram inúmeras pequenas organizações disseminadas por todo o país. Seus membros, em geral, são do sexo masculino, têm 50 anos ou mais e defendem ideias antissemitas, além de manifestarem uma nostalgia do regime nazista, um culto às armas e, nos casos mais radicais, uma apologia à violência política.  O movimento ganhou mais força e amplitude a partir de 2020, ao lutar contra as medidas sanitárias implementadas durante a pandemia da Covid-19, incluindo a vacinação. Infiltrações em orgãos de Segurança Uma das maiores preocupações dos que investigam o movimento é sua infiltração em órgãos de Segurança, incluindo as Forças Armadas e a Polícia Federal. Entre 2018 e 2021, o BfV investigou 860 casos suspeitos de atividades de extrema direita por membros dos órgãos de Segurança, concluindo que em 327 deles havia provas positivas a respeito. Entretanto, estimativas dentro do próprio BfV avaliam que o número de casos reais pode ser nove ou dez vezes maior. Um dos casos mais sensíveis da infiltração de grupos de extrema direita envolveu o comando antiterrorista de elite do Exército conhecido como KSK, Kommandos Specialkräfte - Comandos de Forças Especiais. Fundado em 1996, seu comandante foi forçado a renunciar em 2003 por denúncias de envolvimento com a extrema direita alemã. E, em 2020, uma das quatro unidades do KSK foi inteiramente dissolvida pelo mesmo motivo. Conexões com o Brasil Um dos militares reformados detidos na operação policial na semana passada, pertencente ao União Patriótica, costumava passar férias em Santa Catarina, no Brasil, onde tem duas empresas em operação. Outros membros do grupo têm ligação com o movimento norte-americano e internacional conhecido como QAnon, presente hoje em mais de 70 países, incluindo o Brasil. Entre outras teorias conspiratórias, o QAnon defende a ideia de que houve e há um complô contra o ex-presidente Donald Trump, e que ele é o único líder capaz de combater o tráfico internacional de crianças para práticas de prostituição infantil. No Brasil, um dos grupos identificados com as campanhas do QAnon é o Pugnaculum, que divulga na internet posts favoráveis ao atual presidente brasileiro, bem como obras em e-book e artigos destinados aos por ele chamados de “patriotas brasileiros”.
12/12/20224 minutes, 52 seconds
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Covid-19: apesar de flexibilização, China irá demorar para voltar à normalidade

Manifestações baseadas em conspirações e fantasias acabam se tornando folclóricas quando pacíficas e lamentáveis quando prejudicam o bem-estar da maioria, mas quando embasados na realidade, sensatez e senso de justiça, há vezes que protestos funcionam. Na China, as manifestações contra a política de “Covid Zero” no país acabaram por gerar alguma flexibilidade que, comparado ao que era, melhora muito a vida da maioria da população. Thiago de Aragão, analista político Passados três anos desde seu início, a Covid ainda é um problema grave na China. Milhões de idosos não estão vacinados e, caso peguem o vírus, representariam uma pressão desproporcional no sistema de saúde do país. Em Taiwan, por exemplo, a taxa de mortalidade se mantém na faixa dos 0.2% da população. Se esse mesmo percentual existisse na China continental, o número de mortes ficaria na casa dos milhões. Sun Chunlan, o estrategista-chefe do Partido Comunista Chinês no combate à Covid (uma espécie de Dr. Fauci chinês), foi quem desenhou e convenceu Xi Jinping de que a política de “Covid Zero” era a única alternativa para impedir o colapso do sistema de saúde e impedir milhões de mortes. Assim, à medida que casos eram descobertos em determinadas regiões, o lockdown de um complexo residencial, bairro ou cidade, se tornava a alternativa escolhida pelo governo chinês. Isso levou a milhões de habitantes - mais de 140 milhões em determinados momentos - a estarem sob lockdown por semanas ou meses, dependendo da região. Flexibilização decidida a portas fechadas A flexibilização dessa política foi decidida a portas fechadas, após protestos em diversas cidades do país. O ponto de ebulição foi um incêndio na cidade de Urumqi. Por conta de um lockdown que focava na manutenção do trabalho, trabalhadores estavam trancados em uma fábrica do município e morreram em um incêndio, sem a possibilidade de sair do local e se salvarem. Em seguida, os protestos contra as rígidas medidas restritivas se iniciaram em Urumqi, Shenzhen, Xangai e outras cidades, colocando uma pressão grande em cima do governo. A portas fechadas, Xi Jinping reconheceu que o atual formato do "Covid Zero", não era mais sustentável, dada a exaustão coletiva da sociedade. Como sempre, quando há um protesto na China, a imprensa Ocidental corre para especular o início de uma versão chinesa da "Primavera Árabe", ou tentar identificar algum tipo de rebelião contra o Partido. Não é o caso. Apesar de protestos efusivos e corajosos em Xangai diretamente contra Xi Jinping e pedindo a renúncia do presidente, o foco principal dos protestos se baseia na "Covid Zero" e não na busca por democracia ou pelo fim do Partido Comunista Chinês. Campanha de vacinação Após ser reeleito para um terceiro mandato, Xi sabe que entrará na fase mais complexa de seu governo a partir do ano que vem. Se por um lado o afrouxamento da "Covid Zero" é bem-vindo, por outro, há uma necessidade gritante de uma ampla campanha de vacinação em idosos. Milhões não estão vacinados o suficiente para evitar a ômicron. Olhando além do problema da Covid, Xi Jinping sabe que o crescimento econômico chinês é de suma importância para manter a ordem e a confiança da população no partido. As expectativas otimistas para 2023 giram em torno de uma taxa de 5.5%. No entanto, a flexibilização da "Covid Zero", sem uma campanha pesada de vacinação, poderá diminuir essa expectativa pela metade. Na China, a imagem do país para o mundo e do mundo para a população chinesa é de grande importância para o Partido. Assim, até a transmissão da Copa do Mundo se tornou um problema. Para que o telespectador chinês não percebesse que o mundo já superou (em grande parte) a Covid, a imagem da plateia nos estádios está sendo vetada pela TV chinesa. Enquanto a preocupação maior for em cima da percepção das pessoas ao invés de combater estrategicamente o vírus com vacinas, a China irá demorar muito para voltar a sua normalidade.
12/5/20224 minutes, 58 seconds
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Copa 2022: talento da seleção brasileira pode ser diferencial decisivo

A mídia europeia e mundial derramou elogios desmedidos diante do segundo gol brasileiro e de Richarlison, de voleio, como se diz na gíria desportiva. Sublinharam o “talento” do atacante. Houve um comentarista alemão que atribuiu este termo, “talento”, ao conjunto da equipe brasileira, algo que, segundo ele, poderia fazer o diferencial decisivo numa Copa em que quase todas as seleções seguem um mesmo esquema tático, o chamado 4 - 4 - 2, basicamente defensivo e popularizado a partir dos anos 70 do século passado. Flávio Aguiar, analista político É um esquema que atua com quatro zagueiros em linha, às vezes até 5, com um pivô colocado um pouco mais à frente. Aponta para o fato de que a maior preocupação nas táticas atuais é a de não tomar gols, ao invés de fazê-los. Esse esquema contribui para nivelar o desempenho as equipes, diminuindo a distância entre aquelas tradicionalmente consideradas de excelência e as médias. Facilita a ocorrência de “zebras”, como a derrota da Argentina para a Arábia Saudita e da Alemanha para o Japão. Neste último caso, que traumatizou a mídia alemã, o diferencial foi a velocidade dos japoneses, sobretudo no gol da vitória. Desde os tempos em que o futebol começou a ser exportado da Inglaterra, onde nasceu, para o mundo, o resultado dos jogos foi marcado por uma combinação de dois fatores: esquema tático, combinando disciplina coletiva e inovação, de um lado, e do outro o talento individual dos jogadores. O primeiro fator destaca o trabalho do técnico e a preparação física; o segundo, a habilidade com a bola e eventualmente a liderança em campo. Esquema tático “Pirâmide” O primeiro esquema tático, difundido internacionalmente a partir de 1891, foi o da chamada “Pirâmide”: goleiro, dois zagueiros, três médios e cinco atacantes. Sua presença foi tão forte que durante muito tempo, mesmo depois que as equipes adotaram outros esquemas táticos, ele ordenou a escalação dos times. Exemplo: em 1958, quando o Brasil já atuava com o chamado 4 - 2 - 4 ou o 4 - 3 - 3, os locutores ainda descreviam a escalação assim: Gilmar, Bellini e Orlando; Djalma Santos, Zito e Nilton Santos; Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo (o time da final, contra a Suécia). No final dos anos 20, quando foi introduzida a atual forma da lei do impedimento, o técnico inglês Herbert Charpman inovou o esquema, com uma distribuição que também correu mundo: o chamado “WM”, tão estático quanto eficiente: três zagueiros, dois médios à frente, dois meia armadores e três atacantes, dois pelas pontas e um centroavante. Com a progressiva adoção de números nas camisetas, este esquema evidenciou a nove, a do centroavante, como uma das mais valorizadas numa equipe. Foi a partir de 58 que Pelé consagrou a camisa 10 como a de maior destaque. A grande inovação seguinte foi a adoção, a partir das seleções da Hungria, em 1954, e do Brasil, sobretudo em 1958, do já mencionado 4 - 2 - 4, com sua variante 4 - 3 - 3, com o ponta-esquerda Zagallo jogando recuado, em auxílio ao meio do campo. Este esquema, mais ágil e dinâmico do que o “WM”, impôs-se também graças à liderança em campo de jogadores que atuavam como “organizadores do time”, como Ferenc Puskas, da Hungria, Didi, do Brasil, Kopa, da França, tão importantes como os goleadores. A invenção do 4 - 2 - 4 é atribuída ao brasileiro Martim Francisco, quando treinador do Villa Nova Atlético Clube, de Nova Lima, na Grande Belo Horizonte, no começo dos anos 50. “Laranja Mecânica” A novidade subsequente se deu com Rinus Michels, nos anos 70, com a invenção do chamado “Carrossel Holandês”, também apelidado de “Laranja Mecânica”, devido à cor da camiseta do time. Nele, todos os jogadores se capacitam a jogar em todas as posições, com exceção do goleiro. Mas nem tudo é inovação no futebol. Em 1954 os criativos húngaros, apelidados de “Mágicos Magiares”, caíram na final perante os disciplinados alemães ocidentais, comandados por Fritz Walter. Depois de estar perdendo por 2 x 0, os alemães viraram o jogo para 3 x 2. Em 1974 os holandeses, liderados pelo legendário Johan Cruijff, caíram na final de novo diante dos disciplinados germânicos, liderados pelo também legendário Franz Beckenbauer. Em 1978 os holandeses perderam a final novamente, mas desta vez para os nem tão disciplinados argentinos, liderados por Passarella e Kempes. Em 1958 os fotógrafos brasileiros pediram ao capitão Bellini que erguesse a taça Jules Rimet para melhor fotografá-la. Ele o fez, e seu gesto, então inovador, consagrou-se como o preferencial para simbolizar a vitória em qualquer esporte. Vamos ver se desta vez, depois de 20 anos de jejum, o capitão Thiago Silva consegue repetir o feito, “erguendo a taça” para o Brasil.
11/28/20225 minutes, 20 seconds
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Polêmicas sobre Catar como sede da Copa são conhecidas há mais de doze anos

A Copa do Mundo no Catar traz à tona algumas importantes contradições no relacionamento entre países. A escolha da FIFA em realizar o mundial no Catar foi tratada como polêmica desde que o anúncio foi feito há 12 anos. A decisão da FIFA se baseou na argumentação de que o mundial deveria ser disputado em uma região que nunca havia sediado o evento antes. Thiago de Aragão, analista político O Catar levou porque, no final das contas, apresentou um plano bilionário de investimento para adequar a Copa num ambiente que não possui tradição em sediar exemplos multiculturais como a Copa do Mundo. Esse acaba sendo um dos principais problemas. O Catar não tem leis que garantam igualdade de tratamento entre homens, mulheres, homossexuais e imigrantes levados ao país para colaborar na construção da infraestrutura necessária para realizar o maior evento esportivo do planeta. Nem mesmo os Jogos Olímpicos despertam as paixões que vimos ao longo da história das Copas do Mundo. Assim, o fato de um país que exibe uma infraestrutura do futuro, misturado a interpretações históricas e sociais do passado, faz com que o Catar não seja o país ideal para sediar a Copa.  O noticiário nos próximos 30 dias vai se revezar entre resultados dos jogos e demonstrações de como o Catar não é um país adepto ao nosso entendimento de Direitos Humanos. Isso tem uma importância grande de conscientização. É importante que o mundo entenda que a sede da Copa não divide os mesmos valores de inclusão, igualdade e respeito ao próximo, que foram os elementos-chave de inspiração para a criação da própria FIFA. Devemos criticar o Catar por ainda ter leis contra homossexuais, pelo tratamento dado a trabalhadores imigrantes e pela exclusão das mulheres de diversas facetas da sociedade? Claro que sim. No entanto a FIFA e todos aqueles que sabiam que o mundial seria no Catar desde 2010, e só agora resolveram expressar o descontentamento em relação ao país-sede, também merecem críticas. Obviamente, me incluo nesse grupo. Tudo que o mundo vem questionando e criticando em relação à Copa do Mundo já é sabido há 12 anos. Por que a ênfase não foi dada antes quando algo de concreto ainda poderia ter sido feito?  Protesto monocromático Sendo a Copa do Mundo o maior evento esportivo do planeta, todas as críticas e revoltas por parte de países participantes tendem a ser mínimas. A Dinamarca, por exemplo, vai "protestar" contra a violação de direitos humanos de trabalhadores, usando um uniforme monocromático. Certamente, todos aqueles que trabalharam 18 horas por dia, durante anos, na construção dos estádios, respiram aliviados com o protesto dinamarques. Como era esperado, nenhum país abriu mão de participar da Copa como forma de protesto. No fim, há sempre um cuidado muito grande em criticar coisas que são relacionadas a paixões. A maioria dos países participantes possuem, em seus governos e na sociedade, indivíduos que carregam pesadas críticas ao Catar. No entanto, a esmagadora maioria possui uma paixão pelo futebol que acaba neutralizando a legitimidade e a extensão das críticas. Nesse aspecto, eu também faço uma mea culpa. Somos uma civilização movida pela eventologia. O que está acontecendo agora se torna a coisa mais importante do universo até, amanhã, deixar de ser. Isso nos inibe a atacar os grandes problemas da humanidade como desigualdade, racismo, fome, pobreza entre outras mazelas. Essas mazelas se tornam urgentes e deixam de ser, à medida que os olhos do mundo focam nelas. Com o desvio do foco, os problemas estruturais de sempre seguem existindo, no aguardo de soluções inesperadas. Após o fim do Mundial, a Dinamarca irá fazer algo a mais do que uma camisa monocromática? Algum governo de um país importante usará sua influência para tentar mudar algo? Ou jogaremos a culpa na FIFA por ter premiado o Catar como palco? A FIFA pode ser uma instituição cínica com uma história controversa, mas o problema já existia e seguirá existindo com Mundial ou sem Mundial. A vantagem, é que a Copa do Mundo sendo no Catar, muitas pessoas passam a aprender um pouco mais sobre as diferenças globais nos tratamentos dados à mulheres, homossexuais, trabalhadores imigrantes, negros e todos aqueles que sofrem discriminação por capricho. 
11/21/20225 minutes, 32 seconds
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Expectativa mundial com governo Lula não se restringe à pauta ambiental

Alívio: esta é a palavra que melhor descreve a sensação amplamente majoritária entre governantes, políticos e também na mídia europeia e de outras partes do mundo diante do resultado da eleição presidencial brasileira, com a vitória de Luís Inácio Lula da Silva e a derrota de Jair Messias Bolsonaro. Flávio Aguiar, analista político A vitória foi apertada, mas o alívio foi imenso. Ele se expressou no imediato reconhecimento internacional da vitória de Lula, com manifestações vindas de todos os quadrantes políticos, de Emmanuel Macron, da França, a Joe Biden, dos Estados Unidos, do esquerdista Alberto Hernandez, da Argentina, a ultradireitista Giorgia Meloni, da Itália, passando pelo conservador Rishi Sunak, do Reino Unido e os socialistas António Costa e Pedro Sánchez, de Portugal e Espanha, respectivamente, além de Josep Borrell, o encarregado das Relações Exteriores na União Europeia. Do Canadá à Patagônia, das margens do Atlântico às ilhas e costas do Pacífico, do Oceano Ártico à ponta sul da África, acorreram mensagens entusiasmadas com o feito de Lula, que alguns anos atrás parecia condenado ao ostracismo e agora prepara a saída triunfal do Brasil do isolamento geopolítico a que foi condenado pela política externa desastrosa do governo Bolsonaro. A Noruega e a Alemanha anunciaram sua disposição de retomar sua participação no financiamento do Fundo Amazônico, que fora suspensa desde o desmonte dos controles sobre o desmatamento da floresta e de outros biomas brasileiros, promovido pelo atual governo. Agenda cheia na COP27 Lula nem tomou posse, e já é estrela convidada da COP27, que se realiza na cidade de Sharm el-Sheikh, na ponta sul da península do Sinai, no Egito. Lula desembarca na conferência do clima nesta semana acompanhado de sua esposa, a socióloga Rosângela Lula da Silva, a Janja, do ex-chanceler Celso Amorim, cotado para ser assessor especial da presidência da República, e pelo ex-ministro da Educação Fernando Haddad, pressentido como novo ministro de Relações Exteriores. A agenda de Lula será pesada e apertada. Dela já constam a participação em pelo menos três fóruns públicos e dez encontros bilaterais com mandatários ou representantes de países ou líderes de organismos internacionais, entre eles o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, o presidente egípcio, general Abdul Fatah al-Sisi, o presidente do Banco Mundial, David Malpass, e o enviado especial da China, Xien Zhenhua. Há forte expectativa de que Lula lidere a articulação mundial para uma ajuda financeira por parte dos países mais ricos às nações mais vulneráveis do ponto de vista climático, além da formação de uma frente de proteção às florestas tropicais com a Indonésia e a República Democrática do Congo, detentores, como Brasil, de mais da metade destas florestas no mundo. No entanto, as expectativas positivas em relação ao futuro governo não se restringem apenas à essencial pauta ambiental. A política externa do governo que se encerra, que pode ser descrita como “errática e convulsiva”, comprometeu seriamente o renomado prestígio da diplomacia brasileira. Espera-se que o futuro governo Lula restabeleça este prestígio, reconduzindo o Brasil à posição de liderança do Terceiro Mundo em fóruns internacionais, como o G-20 e a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Destaque na mídia europeia Por fim, deve-se assinalar que, embora a mídia dominante na Europa costume olhar para os governantes de esquerda na América Latina com um certo ceticismo, a vitória de Lula repercutiu intensamente nos veículos de comunicação europeus. Dou um exemplo: no dia seguinte à eleição do ex-presidente, o seu retrato ocupava as capas dos mais diferentes jornais em todas as bancas de Berlim. Trata-se, no fundo, de uma questão de credibilidade e de decoro do cargo. Espera-se que Lula restabeleça a confiança no comportamento governamental, mesmo com quem tenha discordâncias em relação a ele. Ao mesmo tempo, ele deve constituir um ponto de equilíbrio no Brasil, assim como em relação à toda a América Latina, à África e demais continentes, além de evitar vexames protagonizados pelo atual presidente Jair Bolsonaro, como os de pisar no pé da então chanceler alemã, Angela Merkel, ou distribuir sorrisos e tapinhas amistosos no funeral de uma rainha, ocorrido recentemente no Reino Unido.
11/14/20225 minutes, 7 seconds
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Política externa de terceiro mandato de Lula será diferente de anteriores

A vitória de Lula marcará uma grande mudança na política externa brasileira. Durante o governo Bolsonaro, houve uma tentativa de reposicionar o Itamaraty dentro de uma lógica de inserção global pensada a partir dos pensamentos do guru bolsonarista Olavo de Carvalho, morto este ano. O ex-chanceler Ernesto Araújo não conseguiu executar um trabalho relevante e, com o tempo, acabou substituído pelo competente Carlos França.  Thiago de Aragão, analista político Durante seus primeiros dois governos, Lula deixou muito claro que a regência da política externa brasileira estava mais a cargo do Partido dos Trabalhadores do que do Executivo. A política externa "bicéfala" de Lula contava com Celso Amorim liderando a partir do Itamaraty e com Marco Aurélio Garcia, de dentro do Palácio, agindo como o "chanceler de fato" do governo Lula.  Em 2004, era claro o posicionamento de Lula em ter o PT influenciando com tanta força a política externa nacional. Afinal, o objetivo central era manter o partido ocupado com outro tema e que não tivesse influência direta no Ministério da Fazenda. Isso gerou uma situação um pouco paradoxal, principalmente a partir dos olhos de estrangeiros: se por um lado havia pragmatismo a partir do Ministério da Fazenda, na política externa o posicionamento mais ideológico era mais detectável.  A partir de 2023, Lula não promoverá uma política externa nos mesmos moldes anteriores. Certamente o relacionamento com países com governos à esquerda será forte e relevante. Na região, veremos um diálogo mais sólido com Argentina, Venezuela, Chile, Peru entre outros países. Diferente do primeiro governo Lula, o BNDES não deverá ter o papel de linha auxiliar na política externa. Naquela época, o banco de fomento era uma peça instrumental na busca por influência e liderança na região. As controvérsias envolvendo empréstimos à Cuba, Venezuela e Bolívia devem pressionar o governo a manter o banco com um papel mais doméstico.  Relações com os EUA e a China O relacionamento com os EUA será melhor no âmbito presidencial, já que Lula e Joe Biden poderão iniciar do zero a relação. Importante ressaltar que o volume das relações Brasil-EUA é grande e contínuo, independentemente da postura entre presidentes. Geralmente, os principais acordos entre os dois países correm de uma forma tranquila nos níveis burocráticos.  Com a China, certamente teremos uma relação mais amigável no âmbito público. O relacionamento entre o PT e o Partido Comunista Chinês é antigo, com frequentes intercâmbios. Isso facilitará o diálogo nesse nível e trará uma aura de boa vontade para as relações entre Brasil e China no âmbito presidencial. A China mantém interesse em investir mais no Brasil e, principalmente, oferecer linhas de crédito para o governo federal, focando em projetos de infraestrutura. É de se esperar que, assim como aconteceu nos governos Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, o Brasil continuará recusando essas linhas de crédito, a fim de não gerar uma dependência financeira a partir da já existente dependência comercial.  OCDE e Mercosul Em relação a alguns objetivos macro da política externa brasileira, o governo de Lula não irá mudar 180 graus. O ingresso na OCDE deve seguir em frente, apesar de ter ganhado protagonismo durante o governo Bolsonaro. O acordo entre Mercosul e União Europeia deverá ser ratificado pelos países membros do bloco europeu. A política ambiental, tão importante para a comunidade internacional, será um componente importante da narrativa de Lula, principalmente dentro do objetivo de melhorar as relações com os europeus.
11/7/20223 minutes, 57 seconds
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Europa se prepara para viver um inverno 'à brasileira'

Acredite se quiser: a Europa se prepara para passar um inverno à brasileira! O que isto significa? Um inverno brasileiro, pelo menos em termos do extremo sul do nosso país e também de suas regiões montanhosas, quer dizer que as temperaturas dentro das casas e dos recintos fechados se aproximam das temperaturas externas. Flávio Aguiar, analista político Ao contrário da maioria dos países europeus e até mesmo de nossos vizinhos uruguaios, argentinos e chilenos, a maioria das casas e edifícios no Brasil, mesmo nas regiões onde o inverno é mais rigoroso, não dispõe de qualquer sistema de aquecimento. Ou, se o tem, se limita a aquecedores individualizados no quarto, ou salamandras e lareiras decorativas nos ambientes sociais. Na Europa, a calefação é a regra. Mas ela é alimentada a gás ou eletricidade, e ambas fontes de energia estão cada vez mais caras. A guerra na Ucrânia, e as tensões em torno das sanções econômicas impostas pela União Europeia à Rússia, seguindo a orientação dos Estados Unidos e do Reino Unido, têm propiciado anúncios de que a situação energética na Europa vai piorar muito no inverno que se aproxima no hemisfério norte. As sabotagens nos gasodutos russos que ligam a região de São Petersburgo ao norte da Alemanha elevaram a temperatura do problema, ao mesmo tempo congelando mais ainda as expectativas quanto ao frio do inverno. A autoria dos atentados a bomba que danificaram o gasoduto ainda em operação permanece sem esclarecimento, com suspeitas mútuas e acusações veladas entre os países do Ocidente, aliados da Ucrânia, e o governo de Moscou. O caso da Alemanha, país que até há pouco era dos mais dependentes do gás russo, e ainda depende dele, ilustra bem o drama. Em setembro, o país registrou uma elevação brusca da taxa inflacionária anual de 7 para 10%. A situação fica mais dramática se observarmos que, em relação aos custos da energia, esta taxa foi para 44% e, quanto aos alimentos, para 19%. Os governos europeus vêm tomando medidas para minorar os problemas decorrentes, buscando também uma difícil coordenação entre suas iniciativas, visando uma redução continental de 15% no consumo de energia ao lado de uma redução geral de custos. De modo geral, elas preveem, com diferentes intensidades, duas frentes de ação: A primeira é a redução do consumo de energia, impondo limites de temperatura ao aquecimento dos ambientes públicos e mesmo privados. No caso de locais públicos, a limitação envolve determinar quais deles serão aquecidos. Por exemplo: em alguns países não haveria mais aquecimento de corredores de passagem ou de ambientes menos frequentados. Além disso, os termômetros seriam ajustados para não ultrapassar os 19 graus, mesmo em ambientes privados. Ficam de fora destas medidas hospitais, escolas e asilos de idosos. A segunda frente diz respeito aos subsídios gerais durante os meses de inverno nos custos da energia para lares de baixa ou até média renda, conforme o país. Na Holanda esses subsídios devem se estender às pequenas empresas. Medidas colaterais preveem redução de impostos sobre o consumo de energia e o congelamento de preços para 2023. Este tipo de medida deve também se estender ao transporte público. Na Espanha o transporte ferroviário regional será gratuito pelo menos até o final deste ano. Na Alemanha, conforme a cidade, há uma política de redução de preços no transporte regional e municipal.  Há quem critique esta política de subsídios, dizendo que ela compromete a redução do consumo. Porém, isto não tem detido os governos em adotá-las. Há também efeitos paradoxais. As usinas a carvão, consideradas perigosas para o meio-ambiente, vem sendo reabilitadas. O novo governo sueco, de direita, declarou que vai retomar a construção de usinas nucleares. Ao mesmo tempo, a convenção do Partido Verde alemão, tradicional inimigo da energia atômica, aprovou o apoio à manutenção em funcionamento de duas das três usinas nucleares no país até abril de 2023. E em vários países a população está estocando lenha para o inverno, assim como no Brasil se estoca madeira e carvão para enfrentar o custo abusivo do gás de cozinha. 
10/17/20224 minutes, 46 seconds
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Como o Congresso do Partido Comunista Chinês pode afetar o Brasil?

Imagine uma reunião com duração de alguns dias, em algum país distante, sem o seu conhecimento e que possui mais potencial de mudar a sua vida do que qualquer outro evento de natureza política. Pois bem, começa no dia 16 de outubro o Congresso do Partido Comunista Chinês, que deve renovar o mandato do atual líder Xi Jinping. Thiago de Aragão, analista político Esse congresso acontece a cada 5 anos, desde 1949 (ano em que acabou a guerra civil chinesa com vitória dos comunistas de Mao Tse Tung sob os nacionalistas de Chiang Kai-Shek), é o evento mais importante da China. Além de eleger membros para várias organizações dentro da estrutura do Partido Comunista (Politburo, Conselho Militar, etc), o Congresso também escolhe o novo líder do partido, e da nação, para os próximos 5 anos.  Tradicionalmente, desde a morte de Mao Tse-Tung em 1976, nenhum eleito fica à frente do governo por mais do que dois mandatos. Essa foi uma forma encontrada desde a morte de Mao, para equilibrar o poder entre as diversas facções do país. No entanto, o atual líder chinês, Xi Jinping, que já está há dois mandatos à frente do país, deverá ser confirmado para um inédito terceiro mandato e se caracterizando com o líder chinês mais poderoso desde Mao.  Impacto para o Brasil A importância desta reunião para o mundo é muito maior do que muitas pessoas imaginam. No Brasil, por exemplo, por conta da dependência brasileira no comércio bilateral com a China, especialmente do agronegócio, as decisões tomadas em Pequim são especialmente importantes e determinantes no Brasil. Não há país no mundo capaz de alterar significativamente os resultados comerciais no Brasil do que a China. Por conta disso, é um espanto que o Brasil não tenha uma atenção, interesse e conhecimento suficiente no seu principal parceiro comercial para melhor se posicionar.  Assim, o Congresso do Partido Comunista Chinês é, ao mesmo tempo, o evento político internacional mais importante para o Brasil, inclusive em relação às eleições americanas, e também o mais subestimado. Além da escolha dos integrantes dos diversos escalões partidários, algumas diretrizes para os próximos anos também serão debatidos. Há a expectativa que o Congresso do Partido analise, entre outros temas, a diversificação de vendedores de commodities de toda a natureza. Caso esse tema avance durante o congresso, o impacto potencial no Brasil será de grande relevância. 
10/10/20224 minutes, 1 second